O novo instituto da Tomada de Decisão Apoiada: instrumento de apoio ao exercício da capacidade civil da pessoa com deficiência instituído pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015)

AutorJoyceane Bezerra de Menezes
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
Páginas603-631
O novo instituto da Tomada de Decisão Apoiada:
instrumento de apoio ao exercício da capacidade
civil da pessoa com deficiência instituído pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência — Lei
Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015)
Joyceane Bezerra de Menezes*
“o reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos
iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana
é o fundamento da liberdade, justiça e paz no mundo.”
Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Ho-
mem – ONU.
1 Introdução: a emergência da tomada de decisão apoiada como ex-
pressão do sistema protetivo-emancipatório de direitos humanos
A despeito da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948,
promulgada pela Organização das Nações Unidas, cujo preâmbulo se usou
como epígrafe deste capítulo, nem todos os membros da família humana
chegaram ao século XXI com o reconhecimento efetivo dessa dignidade.
Isso se explica, segundo G. Peces-Barba, pelo fato de o ideal de dignidade
humana haver sido construído sob um modelo de ser humano ilustrado e
delineado por um conjunto de características estéticas e éticas que reme-
tiam a um padrão de perfeição.1 O protótipo do agente apto a participar do
* Doutora em Direito pel a Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito
pela Universidade Federal do Ceará. Professora titular da Universidade de Fortaleza.
Programa de Pós-Graduação Strictu Senso em Direito (Mestrado/Doutorado) da Uni-
versidade de Fortaleza, ministrando a Disciplina de Direitos de Personalidade. Profes-
sora adjunta da Universidade Federal do Ceará, ministrando a disciplina de Direito de
Família. E-mail: joyceane@unifor.br”.
1 PECES-BARBA, Gregório. La dignidad de la persona desde la Filosofia del Dere-
cho. Col. Cuadernos Bartolomé de las casas. Num. 26. Dykinson: Madrid, 2003, p.28-
55.
DTO-PESS
004-2016-4
603
discurso moral por sua capacidade de raciocinar, sentir e de se comunicar,
manifestando as competências indispensáveis ao desempenho de seu papel
social.2 Aos outros, considerados incapazes, seriam atribuídos direitos não
sob o fundamento da sua dignidade, mas em virtude de os outros sujeitos
capazes considerá-los merecedores dessa atribuição.3 Para essa direção con-
verge a conclusão de Luigi Ferrajoli4 sobre a persistência do status da capa-
cidade e da cidadania como barreiras ao acesso aos direitos fundamentais,
especialmente à igualdade.
Em virtude de uma limitação intelectual ou psíquica duradoura, muitas
pessoas qualificadas como deficientes foram totalmente excluídas dos pro-
cessos sociais e reduzidas à condição de mero objeto de proteção. À mesma
condição também foram lançadas aquelas outras que, no curso da vida, ad-
quiriram limitações semelhantes em virtude de algum tipo de acidente ou
demência.5
DTO-PESS
004-2016-4
604
2 ROIG, Rafael de Asis. Derechos humanos y discapacidad. Algunas reflexiones de-
rivadas del analise de la discapacidad desde la teoria de los derechos. In CAMBOY
CERVEJA, Ignácio. Igualdad, no discriminacion y discapacidad: una vision integrado-
ra de las realidades española y argentina. España: Dikinson, 2008, p. 32-33.
3 “Aquellos que no tuvieram esas capacidades podrían tener atribuídos derechos,
pero no justificados desde la idea de la dignidade humana, sino como fruto de la deci-
sión de los sujetos capaces al considerar-los como merecedores de dicha atribución.”
RÓIG, Rafael de Asis. Op.cit., p.35-36.
4 Ferrajoli denuncia que a cidadania e a capacidade civil tem sido os status que ainda
limitam a igualdade das pessoas humanas. Segundo ele, “estas clases de sujetos han
sido identificadas por los status determinados por la identidad de ‘persona’ y/o de ‘ciu-
dadano’ y/o ‘capaz de obrar’ que, como sabemos, en la historia han sido objeto de las
más variadas limitaciones y discriminaciones. Personalidad, ciudadanía y capacidad de
obrar, en cuanto condiciones de la igual titularidad de todos los (diversos tipos) de
derechos fundamentals, son consecuentemente los parámetros tanto de la igualdad
como de la desigualdad en droits fondamentaux. Prueba de ello es el hecho de que sus
presupuestos pueden — y han sido historicamente – más o menos extensos: restringi-
dísimos en el pasado, cuando por sexo, nascimiento, censo, instrucción o nacionalidad
se excluía de ellos a la mayor parte de las personas físicas, se han ido ampliado progre-
sivamente aunque sin llegar a alcanzar todavía, ni siquiera en la actualidad, al menos
por lo que se refiere a la cidadanía y a la capacidad de obrar, una extension universal
que comprenda a todos los seres humanos”. (FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de
los derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2009, p.22).
5 Relatório da Organização Mundial de Saúde estima que há cerca de 35,5 milhões
de pessoas com demência em todo mundo. Estima-se que este número será duplicado
a cada 20 anos, chegando a 65,7 milhões em 2030 e a 115,4 milhões em 2050 segundo
dados fornecidos pelo Relatório de 2012 da Organização Mundial da Saúde (OMS)
realizado juntamente com a associação Internacional de Doença de Alzheimer (ADI).
Conforme este relatório, a cada 4 segundos, um novo caso de demência é detectado no

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT