O Estatuto da Pessoa com Deficiência e a união estável: primeiras reflexões

AutorMarília Pedroso Xavier e William Soares Pugliese
Ocupação do AutorDoutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo ? USP/Doutor em Direitos Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná
Páginas363-385
O Estatuto da Pessoa com Deficiência e
a união estável: primeiras reflexões
Marília Pedroso Xavier*
William Soares Pugliese**
1. Introdução
A entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) é um
verdadeiro divisor de águas no Direito brasileiro. Trata-se de legislação que
tem como objetivo principal atender as determinações da Convenção Inter-
nacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência1 e que estabelece
novos horizontes para os significados dos direitos fundamentais de dignida-
de da pessoa humana, de igualdade, dentre outros. Além do significado in-
trínseco da proteção da pessoa com deficiência, o EPD colocou no cerne da
discussão jurídica os direitos, as garantias e as situações jurídicas das pessoas
com deficiência. Antes um tema um tanto quanto periférico e esquecido
* Doutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre e gradua-
da em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professora em diversos cursos de
graduação e pós-graduação. Conselheira da OAB/PR e do Instituto dos Advogados do
Paraná — IAP. Vice-Presidente da Comissão de Educação Jurídica da OAB/PR. Visi-
ting Researcher no Max-Planck-Institut für auslandisches und internationales Priva-
trecht. Advogada
** Doutor em Direitos Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito das Rela-
ções Sociais pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universida-
de Federal do Paraná. Coordenador da Pós-Graduação em Direito Processual Civil
(N ovo CPC ) da Aca dem ia B ras il eir a de Direito Constitucional (ABDConst). Professor
Substituto de Direito Constitucional e Teoria do Estado da Universidade Federal do
Paraná. Membro das Comissões de Estudos Constitucionais e de Educação Jurídica da
OAB/PR. Advogado.
1 LUCCHESI, Guilherme Brenner; XAVIER, Luciana Pedroso. O Estatuto da Pes-
soa com Deficiência e suas Repercussões no Direito Penal. Gazeta do Povo. Disponí-
vel em: “fhttp://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/artigos/
oestatuto-da-pessoa-com-deficiencia-e-suas-repercussoes-no-direito-penal-1yksix4e
ch3zrrc1t9a8zptiy”. Acesso em: 14 jul. 2016.
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pela doutrina civilista,2 a deficiência passa a ser vista como uma realidade
em todos os aspectos da vida civil, dentre elas suas repercussões sobre a
vida, a saúde, a educação, o trabalho, a família, dentre outros.
Vale dizer, portanto, que o EPD trouxe para o centro do debate jurí-
dico uma série de questões pertinentes às pessoas com deficiência, o que
se reflete inclusive na organização de uma obra voltada exclusivamente
para este tema, como é o caso da louvável iniciativa da Profa. Joyceane
Bezerra de Menezes. Nesta oportunidade, veem-se juristas dedicando-se a
temas que merecem tratamento jurídico, como a não discriminação e os
tipos de deficiência, todos voltados ao ideal normativo estabelecido pelo
EPD, que é a inclusão da pessoa com deficiência nas mais variadas acep-
ções do termo.3
Um desses aspectos de inclusão é admitir que a pessoa com deficiência
– qualquer que seja a deficiência – tem direito a convivência familiar, a
constituir família, ao planejamento familiar e, porque não, exercício de di-
reitos sexuais e reprodutivos. Esses direitos, previstos expressamente no
art. 6º, do EPD, decorrem do reconhecimento essencial de que a deficiên-
cia não afeta a plena capacidade da pessoa.
Se as pessoas com deficiência têm capacidade legal (leia-se, capacidade
de exercício) e podem constituir família, o que repercutiu, inclusive, com a
revogação da previsão de que o enfermo mental não pode casar, do art.
1.548, inc. I, do Código Civil, é preciso considerar a possibilidade de que as
pessoas protegidas pelo EPD constituam uniões estáveis. O problema que
se identifica neste tema é o de que a jurisprudência consolidada entende a
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2 Para instigantes releituras da teoria das incapacidades antes do advento do EPD
ver os seguintes artigos: MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. O transtorno bipolar de
humor e o ambiente sócioeconômico que o propicia: uma leitura do regime das incapa-
cidades. In: Diálogos de Direito Civil. V. II. TEPEDINO, Gustavo. FACHIN, Luiz
Edson. (Orgs.). Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 599-617; TEIXEIRA, Ana Carolina
Brochado. Deficiência Psíquica e curatela: reflexos sob o viés da autonomia privada.
Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: IBDFAM/Magis-
ter, n° 07, dez-jan, 2009; SÁ, Maria de Fátima Freire de; MOUREIRA, Diogo Luna. A
capacidade dos Incapazes: saúde mental e uma releitura da teria das incapacidades no
direito privado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011; RODRIGUES, Renata de Lima. A
proteção dos vulneráveis: perfil contemporâneo da tutela e da curatela no sistema jurí-
dico brasileiro. In: MENEZES, Joyceane B.; MATOS, Ana Carla H. (Orgs.). Direitos
das famílias por juristas brasileiras. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 641-669.
tuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com defi-
ciência, visando à sua inclusão social e cidadania”.

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