O Trust como instrumento de proteção da pessoa com deficiência

AutorLuciana Pedroso Xavier
Ocupação do AutorDoutoranda e Mestre em Direito das Relações Sociais pelo PPGD em Direito da UFPR. Professora do Unicuritiba. Advogada
Páginas687-710
O trust como instrumento de proteção
das pessoas com deficiência
Luciana Pedroso Xavier*
1. Introdução
O presente artigo tem por escopo investigar em que medida o trust —
figura jurídica típica da common law — poderia contribuir para a proteção
das pessoas com deficiência. Entende-se que o trust1 pode colmatar lacunas
deixadas por outros institutos do direito brasileiro que não conseguem de-
sempenhar importantes funções necessárias e almejadas na proteção das
pessoas com deficiência.
A importância desse estudo reside na necessidade de se perquirir modos
de proteger a população de pessoas com deficiência. De acordo com o Cen-
so de 2010, 23,9% da população residente no país possuem ao menos uma
das deficiências investigadas, a saber, visual, auditiva, motora e mental ou
intelectual, o que totaliza 45.606.048 de brasileiros2. No Censo anterior,
* Doutoranda e Mestre em Direito das Relações Sociais pelo PPGD em Direito da
UFPR. Professora do Unicuritiba. Advogada.
1 A figura objeto do presente estudo é o trust, o qual não se confunde com o “truste”,
como explica Fabio Nusdeo: “Truste – Corresponde a uma modalidade de integração
de empresas que originalmente utilizavam-se (...) de um instituto jurídico típico do
direito anglo-saxão: o truste – que em inglês significa confiar. (...) Note-se que generi-
camente e por extensão tem-se usado a expressão truste para designar qualquer forma
de união de empresas e de concentração econômica, tanto assim que a legislação destinada
a reprimi-la é precisamente chamada de legislação antitruste, o que não deixa de constituir
uma evidente impropriedade terminológica, sobretudo em países como o Brasil, onde não
existe o instituto do trust”. NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito
econômico. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014. p. 284-285.
2 BRASIL. Cartilha do Censo 2010: Pessoas com Deficiência. Brasília: Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR); Secretaria Nacional de
Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD); Coordenação-Geral do
Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência, 2012, p. 6. Disponível em
“http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/carti
lha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf”. Acesso em 25 set. 2015.
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realizado em 2000, os deficientes correspondiam a 14,5% da população re-
sidente no país, contabilizando 24.600.000 de brasileiros3.
Em que pese o tema não seja absolutamente inédito, a entrada em vigên-
cia do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) renova os desafios da pro-
teção desses vulneráveis. Isso ocorre porque, muito embora tal diploma seja
munido de objetivos nobres, implementou alterações legislativas que colo-
cam à prova algumas categorias basilares da parte geral do Código Civil.
Além disso, percebe-se um equívoco do EPD na reclassificação dos relativa-
mente incapazes. Há, ainda, conflito entre dispositivos do EPD e do Código
de Processo Civil de 2015 (CPC). Logo, sua interpretação e aplicação sus-
citam certas preocupações. Ao mesmo tempo que se pode comemorar avan-
ços, é preciso cautela no manejo do EPD.
Diante das incertezas acerca da tutela das pessoas com deficiência, o
estudo do trust se apresenta como um caminho em busca da proteção mais
adequada aos direitos desses. É importante ressaltar que não se defende
nesse trabalho ser o trust uma “solução mágica” para suplantar as limitações
jurídicas que as pessoas com deficiência — mesmo após o EPD — enfren-
tam, mas sim examinar as potencialidades dessa figura.
O plano do trabalho foi estruturado em quatro eixos temáticos. Primei-
ramente, são apresentados os regimes de incapacidades presentes nos Códi-
gos Civis de 1916 e de 2002 e a contextualização do ingresso do EPD no
ordenamento jurídico brasileiro4. Em prosseguimento, são demonstradas as
principais mudanças realizadas pelo EPD no Código Civil e no Código de
Processo Civil (CPC/2015), bem como aquilatadas suas virtudes e suas li-
mitações. Posteriormente, é analisado o trust e explanado como tal figura
pode colaborar para sanar insuficiências no tratamento das pessoas com de-
ficiência5.
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3 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2000. Brasília, 2003, p. 36. Disponível
em: “http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/popula-
cao/censo2000_populacao.pdf”. Acesso em 25 set. 2015.
4 Importante destacar que, apesar de se utilizar a expressão “ordenamento jurídico
brasileiro”, concorda-se com a advertência feita por Véra Maria Jacob de Fradera:
“Além disso, nosso direito apresenta tamanha pletora de leis e regulamentos coexisten-
tes a par do Código e da Constituição, que, segundo entendemos, já não mais se pode
falar em sistema jurídico nacional, e sim em conjunto de leis nacionais, tamanha a falta
de coerência interna no conjunto legislativo brasileiro”. In: FRADERA, Véra Maria Ja-
cob de. Propriedade de lagoas situadas em terrenos particulares. In: BRANDELLI,
Leonardo (Coord.). Direito civil e registro de imóveis. São Paulo: Método, 2007. p.
360.
5 Noticia-se estar em tramitação o Projeto de Lei do Senado nº 757/2015, que pre-

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