Conflitos de interesses nos FIDCs: uma análise do ponto de vista da eficiência econômica

AutorRafael Viana de Figueiredo Costa
Páginas399-430
399
XIV
Conflitos de interesses nos FIDCs:
uma análise do ponto de vista
da eficiência econômica
Rafael Viana de Figueiredo Costa
1. I ntroduç ão
O presente artigo visa investigar a regra do artigo 39, §2º, da ICVM 356/011
e a respectiva proposta de reforma da CVM, expressa na Audiência Pública
SDM 08/2020, à luz da eciência econômica.
1. “Art. 39. A inst ituição administradora p ode, sem prejuízo de sua responsabi lidade e do diretor
ou sócio-gerente designa do, mediante deliberação d a assembleia geral de condôminos ou de sde
que previsto no regula mento do fundo, contratar ser viços de:
I — consultoria espec ializada, que objetive dar supor te e subsidiar o administ rador e, se for o
caso, o gestor, em suas ativ idades de análise e seleção de d ireitos creditórios para i ntegrarem a
carteira do f undo;
II — gestão da car teira do fundo com terceiros autor izados pela CVM de acordo com o disp osto
na regulamentação apl icável aos administradores de ca rteiras de valores mobiliá rios;
III — custódia; e
IV — agente de cobrança, pa ra cobrar e receber, em nome do fundo, di reitos creditórios ina dim-
plidos, observado o di sposto no inciso VII do ar t. 38.
400
Perspectivas da Aná lise Econômica do Direito no Brasil
Pois bem, como dispõe o caput do supramencionado a rtigo, a in stituição
administradora do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC)
pode contratar serviços de consultoria especializada, gestão de carteira,
custódia e agente de cobrança. A regra que nos interessa, sem prejuízo,
consta do parágrafo segundo, determinando ser vedado ao administrador,
ao gestor, ao custodiante e ao consultor especializado, ou a partes a eles re-
lacionadas, ceder ou originar, direta ou indiretamente, direitos creditórios
aos fundos nos quais atuem.
A regra tem forte viés paternalista, na medida em que impõe ex ante
uma restrição à liberdade dos indivíduos com o intuito de protegê-los.2
Aqui, a lógica é que o administrador, ou gestor, de um FIDC não pode atuar
como contraparte de uma operação do fundo de investimento, cedendo ou
originando um direito creditório que será adquirido por um prestador de
serviço, em nome do fundo de investimento.
É importante notar que a opção pela vedação absoluta da transaç ão por
potencial conflito de interesses não é a única opção regulatória possível.
Mesmo no âmbito da regulação dos fundos de investimento, permite-se,
por exemplo, que um fundo de investimento regulado pela Instrução
CVM nº 555, de 17 de dezembro de 2014, conforme alterada (ICVM nº
555/14), destinado a investidores em geral, adquira até 20% de seu patri-
mônio líquido em ativos financeiros ou valores mobiliários de emissão
do administrador, do gestor ou de empresas a eles ligadas. Se o fundo de
investimento em questão destinar-se a investidores profissionais, a aloca-
§ 1º Caso o admin istrador acumule as funç ões de gestão e de custódia do FI DC, deve manter
total segregação de t ais atividades nos t ermos da regulament ação aplicável aos adminis tradores
de carteira de valore s mobiliários.
§ 2º É vedado ao admin istrador, gestor, custodia nte e consultor especi alizado ou part es a eles
relacionadas, ta l como definidas pelas regr as contábeis que tratam desse as sunto, ceder ou
originar, di reta ou indiretamente, di reitos creditórios aos fundos nos qua is atuem.”
2. BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação , regulação: transformações polít ico jurídicas,
econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum,
2020, p. 234 .
401
Conflitos de interesses nos F IDCs
ção em tais ativos financeiros ou valores mobiliários pode ser realizada
até a totalidade do patrimônio líquido (art. 102, I, ICVM 555/14). No caso
dos fundos de investimentos imobiliários, a Instrução CVM nº 472, de 31
de outubro de 2008, conforme alterada (ICVM 472/08), prevê que a as-
sembleia-geral de cotistas pode aprovar atos específicos que configuram
potenciais conflitos de interesses (art. 18, XII, ICVM 472/08). Portanto, pa-
rece-nos relevante a preocupação de tentar compreender se a justificativa
utilizada pela CVM para a estratégia regulatória3 do banimento desse tipo
de operação no âmbito dos FIDCs, independentemente do público-alvo,
é adequada, à luz da eficiência econômica.
O presente capítulo buscará, assim, em primeiro lugar, (i.a) revisar o
conceito de eciência econômica e regulação eciente na Análise Econô-
mica do Direito, para, em seguida, (i.b) destrinchar quais são os deveres
duciários dos prestadores de serviços de fundos de investimento, com
fulcro na teoria da agência, e (i.c) discutir a lógica econômica das regras de
prevenção e mitigação dos conitos de interesses. Posteriormente, anali-
sará (ii.a) o panorama histórico da edição da ICVM nº 356/01; (ii.b) e o caso
do pedido de dispensa no PA CVM nº 19957.003447/2020-11, para depois
(iii) avaliarmos a proposta da CVM na Audiência Pública SDM 08/2020,
à luz dos tópicos antes discutidos, e, nalmente, (iv) esboçarmos algumas
conclusões sobre a estratégia regulatória adotada pela CVM na ICVM nº
356/01 e na proposta da CVM na Audiência Pública SDM nº 08/2020 no que
concerne ao tópico objeto da presente análise.
3. Ao longo do pres ente trabalho, a expres são “estratégia reg ulatória” será utili zada conforme pro-
posta por Baldw in, Cave e Lodge, ou seja, como d iferentes arranjos i nstitucionais de que o E stado
pode valer-se para regu lar determinado merc ado. Por exemplo, o Estado pode atua r diretamente
ou deixar que o mercado se autorre gule. Se atuar di retamente na regulaç ão, pode adotar regras
de comando e controle, de fomento, de “d irecionamento de mercados” (p. ex. , anticompetitivas,
licenças públicas), infor mativas (p. ex., mandato s de disclosure), atuar diretamente com inst ru-
mentos autoexecutórios e confer ir direitos para cria r incentivos e restrições. Vide BA LDWIN,
Robert; CAVE, Mar tin; LODGE, M artin. Understanding Regulation. New York: Oxford Universit y
Press Inc., 20 12, p. 105.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT