O problema do erro e o dilema decisório da Justiça Criminal

AutorThiago Pinheiro Corrêa & Lucas Thevenard
Páginas299-341
299
XI
O problema do erro e o dilema
decisório da Justiça Criminal
Thiago Pinheiro Corrêa
Lucas Thevenard
1. Apresentação do problema
1.1 Prólogo: a sala de audiência criminal
A sala de audiência criminal é um ambiente carregado, solene. O clima
costuma ser de apreensão. De um lado, o Ministério Público acusa. De
outro, o réu se defende.
É na audiência criminal que ambas as partes apresentam suas teste-
munhas, as quais assumem, “sob palavra de honra, o compromisso de
dizer a verdade do que souber[em] e lhe[s] for perguntado”.1 Ministério
1. Cf. o art. 20 3 do Código de Processo Penal (CPP): “Art . 203. A testemunha f ará, sob palavra de
honra, a promessa de diz er a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar
seu nome, sua idade, seu est ado e sua residência, sua profissão, luga r onde exerce sua ativi-
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Perspectivas da Aná lise Econômica do Direito no Brasil
Público e Defesa formulam as perguntas diretamente às testemunhas.
Onde estava no momento do crime? Com quem estava? O que viu? Al-
gumas perguntas são difíceis. Podem dizer respeito a algum relaciona-
mento anterior com o réu ou com a vítima. Relacionamentos às vezes
simples; outras vezes, conturbados. Nem sempre as testemunhas são
cooperativas ou prestam testemunhos críveis. Às vezes precisam ser
lembradas de que a mentira ou o silêncio doloso podem configura r cri-
me de falso testemunho.2
É na audiência criminal que as vítimas relatam os detalhes do crime.
Como foi cometido: mediante emprego de violência ou grave ameaça?
Furtivamente? Em que momento foi cometido: à luz do dia ou na calada
da noite? Em que circunstâncias foi cometido: na rua ou em sua residên-
cia? Quais são as consequências do crime em sua vida: seus bens foram
subtraídos, algum familiar ou amigo perdeu a vida? Sofreu algum dano
físico ou psicológico? A vítima nutre alguma expectativa de reparação?
E talvez o mais importante: quem cometeu o crime? A vítima reconhece,
na sala de audiências, o autor do crime?
É na audiência criminal que, ao acusado — inocente até prova em con-
trário3 —, será oferecida a oportunidade de se defender pessoalmente, as-
segurando-se-lhe “o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes”.4 Mesmo quando já foi preso, a lei lhe garante esse direito.
dade, se é parente, e em que gr au, de alguma das par tes, ou quais suas relaçõ es com qualquer
delas, e relatar o que souber, expl icando sempre as razões de sua c iência ou as circunstâ ncias
pelas quais poss a avaliar-se de sua credibilidade”.
2. Cf . o art. 342 do Cód igo Penal (CP): “Art. 342 . Fazer afirmação fa lsa, ou negar ou calar a ver-
dade como testemunha, p erito, contador, tradutor ou intér prete em processo judicial , ou ad-
ministrati vo, inquérito policial , ou em juízo arbitral: Pena – re clusão, de 2 (dois) a 4 (quatro)
anos, e multa”.
3. Cf. o a rt. 5º, LVII da Constitu ição da República Federativa do Brasil (CR FB/1988): “LVII – nin-
guém será considerado culpado até o t rânsito em julgado de sentença penal condenat ória”.
4. Cf. o art. 5º, LV da CRF B/1988: “LV – aos litigantes, em proce sso judicial ou administ rativo, e
aos acusados em geral são as segurados o contraditório e a mpla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes”.
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E, se está efetivamente preso, o nível de tensão na audiência é ainda maior.
Nesse caso, entra na sala de audiências algemado, escoltado. Em geral, esse
é um momento difícil para sua família.
Ao ser interrogado, o réu — sempre assistido por advogado5 — pode
conrmar, ou não, a acusação e oferecer a sua versão dos fatos. Contradi-
zer as testemunhas de acusação. Raticar o depoimento das testemunhas
de defesa. Armar que tudo não passa de um equívoco, que nunca esteve
naquele local ou naquele momento. Que nunca viu a vítima e não faz ideia
de quem ela seja. Falar, contudo, não é uma obrigação. A lei lhe garante o
direito de permanecer em silêncio, de não produzir prova contra si próprio,
sob pena de tais provas serem imprestáveis durante o julgamento.6 Falar
ou permanecer em silêncio?
Finalizados os depoimentos orais, o caso está pronto para ser julgado.
Será por meio de uma sentença que o(a) magistrado(a) armará, em resumo,
duas conclusões. A primeira: se o crime efetivamente aconteceu, ou seja, se
os fatos apontados pelo Ministério Público foram provados (materialidade).
A segunda: tendo chegado à conclusão de que o crime foi cometido, se foi o
réu quem o cometeu (autoria). Decretada a condenação, a defesa sustenta
que a sentença está equivocada: o Ministério Público não conseguiu provar
a culpabilidade do réu. O sentenciante avaliou mal as provas apresentadas.
5. Cf. o ar t. 5º, LXIII da CR FB/88: “LXII I – o preso será informado de seus direito s, entre os quais
o de permanecer cal ado, sendo-lhe assegurada a a ssistência da famíli a e de advogado” e artigo
185, § 5º do CPP: “Em qua lquer modalidade de interrogat ório, o juiz garant irá ao réu o direito de
entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realiz ado por v ideoconferência, ca tam-
bém garantido o acess o a canais telefônicos reser vados para comunicação entre o defen sor que
esteja no presídio e o advogado presente na sa la de audiência do Fórum, e entre este e o preso”.
6. Entre out ros: artigo 5º, LVI da CRFB/8 8: “LVI – são inadmissíveis, no proces so, as provas obti-
das por meios ilícitos”; ar tigo 13, III da Lei 13 .869/19 (lei de abuso de autoridade): “Art . 13. Cons-
tranger o preso ou o detento, med iante violência, grave ameaça ou reduç ão de sua capacidade
de resistência, a: II I – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro”; e art igo 186 do CPP:
“Art. 186. Depois de devidamente qualicado e cienticado do inteiro teor da acusação, o acusado
será informado pelo jui z, antes de iniciar o i nterrogatório, do seu direito de per manecer calado
e de não responder pergunta s que lhe forem formuladas. Parágra fo único. O silêncio, que não
importará em conss ão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”.

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