Controle da captura regulatória: fundamentos, etapas e estratégias

AutorThamar Cavalieri
Ocupação do AutorAdvogada e mestranda em Direito Público pela UERJ. Foi auditrice-libre no master II de Direitos Fundamentais da Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) em 2018
Páginas396-438
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Transformações do Direito Administrativo:
Direito Público e regulação em tempos de pandemia
Controle da captura regulatória:
fundamentos, etapas e estratégias
Thamar Cavalieri692
Resumo
Este trabalho pretende demonstrar que a captura é projeção do
fenômeno dos conflitos de interesses para o Direito Regulatório e,
a partir dessa premissa, busca parâmetros para aprimorar o contro-
le da captura pelas ferramentas trazidas pelo controle dos conflitos
de interesses. Ele se inicia pela exposição do conceito de conflitos de
interesses, de sua origem e de suas manifestações no ordenamento
brasileiro. Destaca peculiaridades desses conflitos na seara do Di-
reito Público e identifica fundamentos para o controle de conflitos
no Direito Regulatório. Em seguida, organiza o controle da captura
em etapas, conforme teoria francesa sobre o controle de confli-
tos de interesses, e identifica os graus de captura aos quais deve
corresponder tratamento jurídico diverso. Finalmente, a partir da
experiência norte-americana, problematiza as diferentes estraté-
gias de controle, na esperança de contribuir para o desenho de um
sistema de proteção mais eficiente no Brasil.
Palavras-chave: Captura regulatória. Conflitos de interesses. Con-
trole. Imparcialidade. Impessoalidade. Desvio de finalidade.
1. Introdução
Controlar captura regulatória é uma preocupação que nasceu
na literatura norte-americana de análise econômica do Direito.
693
No
Brasil, a preocupação em controlar captura é relativamente recen-
te
694
e não necessariamente é levada a sério: uma pesquisa empírica
692 Advogada e mestranda em Direito Público pela UERJ. Foi auditrice-libre no master II de Di-
reitos Fundamentais da Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) em 2018.
693 Nos Estados Unidos, a expressão foi cunhada há mais de meio século, desde o texto seminal
de STIGLER, George J. “The Theory of Economic Regulation”, The Bell Journal of Economics
and Management Science, v. 2, n. 1, primavera de 1971, p. 3-21.
694 Todo o sistema regulatório, da forma como hoje se encontra estruturado, é relativamente
recente.
397Controle da captura regulatória: fundamentos, etapas e estratégias
realizada em 2017 revelou, entre outros problemas que contribuem
para o descontrole da captura, que apenas 58% dos dirigentes das
agências têm trajetória profissional conexa com a função; que as
agências, em sua maior parte, não detalham o que é considerado
“reputação ilibada” para fins de apontamento de dirigentes; não têm
vedação a impedimentos; são dirigidas, por longos períodos de va-
cância, por dirigentes provisórios que não cumprem os requisitos
dos definitivos; não dispõem de mecanismos efetivos de controle
social e participação popular; e não contam, de modo geral, com
procedimentos transparentes.695
Talvez a questão também não receba a devida atenção dos ór-
gãos de controle externo.
696
Não é comum encontrar jurisprudência
que utilize expressamente o termo “captura regulatória”;697 não é
grande o volume de literatura nacional especializada sobre o te-
ma.698 Além disso, é de se esperar que exista resistência cultural ao
controle da captura em um contexto político marcado pelo perso-
nalismo dos donos do poder.699
A importância de se construírem mecanismos efetivos de con-
trole de captura se impõe pela gravidade dos prejuízos que as
decisões capturadas podem causar.700 Além de importante, o apri-
moramento do arcabouço jurídico brasileiro sobre o tema tornou-se
urgente, diante da necessidade de conferir boa aplicação a novas
695 SALAMA, Bruno Meyerhof; BARRIONUEVO, Arthur (orgs.). “Processo de nomeação de dirigen-
tes de agências reguladoras: uma análise descritiva”. São Paulo, Escola de Direito da Fundação
Getulio Vargas. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/24851.
696 Parece sugerir isso a pouca quantidade de ocorrências da expressão “captura regulatória”,
conforme busca no espaço destinado a pesquisas de acórdãos do sítio virtual do Tribunal de
Contas da União.
697 Como referência disso, uma busca realizada em sítio virtual que agrega acórdãos de todos
os tribunais de justiça nacionais, por decisões de qualquer data, encontrou apenas 16 ocor-
rências de acórdãos com a expressão “captura regulatória”.
698 Busca no catálogo de teses e dissertações da Capes por ocorrências da expressão obteve
apenas cinco resultados satisfatórios.
699 Sobre o personalismo e a cultura de patrimonialismo que marca as instituições brasileiras,
veja FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 11. ed. São Paulo: Globo, 1997; HOLANDA, Sér-
gio Buarque. Raízes do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro, 2006; LAZARINI, Sérgio. Capitalismo de
laços: os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
700 Além dos danos inerentes à regulação capturada em si — uma regulação que não se presta a
promover eficiência, a otimizar o funcionamento do mercado, a, enfim, promover o interesse
público —, há danos colaterais relativos, por exemplo, à falta de confiança dos cidadãos nas
instituições democráticas.
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Transformações do Direito Administrativo:
Direito Público e regulação em tempos de pandemia
leis que endereçam o tema, direta ou indiretamente,701 e dos desa-
fios impostos pela regulação de novas tecnologias.702
A hipótese deste trabalho é a de que captura regulatória resulta
de conflitos de interesses, e tratá-la como tal possibilita legitimizar,
organizar e aprimorar seu controle.
O trabalho tem início com uma breve exposição sobre o conceito
e a origem da categoria, os conflitos de interesses e a demonstra-
ção de normas espalhadas por todo o ordenamento brasileiro cujo
objetivo é evitar ou mitigar riscos morais advindos desses confli-
tos. Em seguida, trata das peculiaridades dos conflitos de interesses
ocorrentes em instituições de Direito Público, a partir do conceito
de corrupção institucional. Então, passa a abordar especificamen-
te os conflitos de interesses do Direito Regulatório, identificando,
no ordenamento, os fundamentos jurídicos que permitem conside-
rar a captura um ilícito e que geram o dever estatal de controlá-la.
O objetivo do segundo tópico é, a partir de uma moldura ge-
ral da literatura francesa sobre a gestão de conflitos de interesses,
organizar em etapas o controle da captura. Apresentam-se os con-
teúdos das etapas de identificação, qualificação, processualização
e sanção de conflitos, e destacam-se as peculiaridades do contex-
to da captura regulatória. A ideia central é a de que o fenômeno
da captura ocorre em diferentes graus, cada um merecendo trata-
mento jurídico diverso.
Para evitar que o controle da captura torne-se excessivamente
formalista ou gere ineficiência, o terceiro tópico discute estratégias
de controle a partir de experiências norte-americanas. Primeiro, dis-
cute medidas relativas à análise institucional. Em seguida, aponta
para a importância de haver instâncias extraestatais de controle
(basicamente, a mídia e a sociedade). Após, discute as vantagens
e as desvantagens do controle judicial da captura e, por fim, distin-
gue hipóteses em que o controle em cada instância se faz desejável.
701 Por exemplo, a Lei de Conflitos de Interesses e a Nova Lei das Agências Reguladoras.
702 O caso Uber (ADPF no 449/DF) trouxe precedente vinculante emblemático sobre captura.
De modo geral, as disrupções mercadológicas trazidas pelas novas tecnologias colocam em
questão se há interesse público nas razões que inspiram as regulações existentes.

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