Covid-19 e dirigismo contratual em demandas sobre carências de contratos de planos de saúde na pandemia

AutorCamila Ferrão dos Santos e Lucas de Castro Oliveira e Silva
Páginas399-420
Covid-19 e dirigismo contratual em
demandas sobre carências de contratos
de planos de saúde na pandemia
Camila Ferrão dos Santos1
Lucas de Castro Oliveira e Silva2
Sumário: Introdução: pandemia da COVID-19 e dirigismo
contratual nos planos de saúde; – 1. Natureza securitária e a
particular relevância dos contratos de planos de saúde; – 2. A
disciplina das carências nos contratos de planos e seguros de
saúde; – 3. Análise crítica de demandas sobre carências de pla-
nos e seguros de saúde ligadas à pandemia da COVID-19; – 4.
Notas conclusivas.
Introdução: pandemia da COVID-19 e dirigismo contratual
nos planos de saúde
Não é de hoje que os litígios envolvendo contratos de planos
privados de assistência à saúde figuram como protagonistas em ter-
mos de número de processos no Judiciário brasileiro. Ao lado da
tensão natural entre as partes desse importante tipo contratual, a
tendência dos juízes brasileiros em proferir decisões favoráveis aos
consumidores é fator que incentiva essa crescente judicialização.3
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1 Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professora substituta de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito
- Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Advogada.
2 Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Professor Substituto de Direito Civil da Faculdade Nacional
de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Advogado.
3 TRETTEL, Daniela Batalha; KOZAN, Juliana Ferreira; SCHEFFER, Ma-
rio César. Judicialização em planos de saúde coletivos: os efeitos da opção
regulatória da Agência Nacional de Saúde Suplementar nos conflitos entre con-
O dirigismo judicial nos contratos de saúde privada é a face mais
nítida do fenômeno do dirigismo contratual público que incide so-
bre esses negócios e, muitas vezes, contrasta com outra face do
mesmo fenômeno, que é a definição de normas reguladoras cogen-
tes pelo próprio Estado,4 em um aparente embate entre as figuras
do Estado-legislador e do Estado-juiz. Em tempos de pandemia, es-
ses embates foram escancarados e seguiram sendo frequentes os
litígios entre os diversos atores envolvidos nos contratos de saúde
suplementar.
É notório que a pandemia da COVID-19 abalou intensamente
a economia mundial, gerando desemprego e dificuldades principal-
mente para a classe trabalhadora e para grupos sociais que já se
viam historicamente subjugados. Tendo perdido seus empregos,
muitos brasileiros perderam também a assistência médica que lhes
era garantida através dos planos coletivos empresariais mantidos
por seus empregadores – que abarcam a maioria dos usuários do
país.5 Mesmo assim, e apesar de toda crise econômica, dados do
setor indicam acréscimo de 560 mil usuários na comparação entre
dezembro de 2019 e dezembro de 2020.6
Foi nesse cenário de ingresso de novos usuários – em boa parte
preocupados em garantir assistência médica com vistas à possível
contaminação pelo coronavírus – que surgiram preocupações acer-
ca da exigência de carências, sobretudo com relação ao tratamento
de urgências e emergências atreladas à COVID-19. Como era de se
esperar, tais discussões desaguaram no Judiciário, gerando novos
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sumidores e operadoras. Revista de Direito Sanitário. São Paulo v. 19 n. 1, p.
166-187, mar./jun. 2018.
4 NOVAIS, Alinne Arquette Leite. Os novos paradigmas da teoria contra-
tual: o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da tutela do hipossuficiente. In:
TEPEDINO, Gustavo (coord.). Problemas de direito constitucional. Rio de Ja-
neiro, Renovar, 2000, p. 45.
5 Não à toa, nos primeiros meses em que se sentiu o impacto da pandemia
no Brasil (abril, maio e junho) foram registradas quedas no número de usuários
dos planos empresariais, conforme dados da ANS. Disponível em:
http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/numeros-do-setor/6221-planos-de-s
aude-setor-registra-maior-numero-de-beneficiarios-desde-dezembro-de-2016.
Acesso em 20.04.2021.
6 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-
01/saude-suplementar-encerra-dezembro-com-476-milhoes-de-usuarios#:~:t
ext=De%20acordo%20com%20o%20Boletim,rela%C3%A7%C3%A3o%20a%
20novembro%20de%202020. Acesso em 20.04.2021.

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