A suspensão da prescrição no Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET)

AutorRafael Cândido da Silva
Páginas87-106
A suspensão da prescrição no Regime Jurídico
Emergencial e Transitório (RJET)
Rafael Cândido da Silva1
Sumário: Introdução; – 1. Delimitação do problema; – 2. Ten-
tativa de extrações de tendências modernas para o tema; – 3.
A problemática das causas de suspensão e impedimento da
prescrição e da decadência; – 4. A suspensão da prescrição no
RJET: critérios de aplicação do non valentem agere non currit
praescriptio; – 5. Notas conclusivas.
Introdução
Inúmeros são os institutos jurídicos afetados pela pandemia da
Covid-19, causado pelas variantes do vírus SARS-Cov-2. No caso
da prescrição e da decadência, basta imaginar a situação de um cre-
dor que, dispondo de determinado título de crédito, enfrenta difi-
culdades de exercer o direito em razão das restrições impostas pe-
las autoridades públicas visando a conter a crise sanitária de certa
região.
Com cartórios fechados e impedidos de funcionar, o credor se
vê impedido de realizar o protesto extrajudicial, procedimento in-
dispensável para garantir a manutenção do direito de crédito con-
tra os coobrigados da cártula (endossantes e avalistas)2. Escritórios
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1 Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro - UERJ. Professor de Direito Civil da Universidade Federal do Ama-
zonas. Procurador do Estado. Advogado.
2 À guisa de exemplo, no Estado do Amazonas, um dos mais afetados pela
pandemia no Brasil, o Decreto Governamental n. 43.303/2021 determinou a
restrição provisória da circulação de pessoas em todos os municípios do estado,
durante as 24 horas do dia (art. 1º), inclusive os serviços notariais e de registros,
abertos estritamente para fins de registro de nascimento e óbito (art. 2º, XVI).
de advocacia fechados e a restrição de circulação dificultam o con-
tato, entrega de documentos e contratação de profissionais para
deduzir a pretensão em juízo. Os prazos se escoam e o credor se vê
diante do prejuízo pela consumação da prescrição ou da decadên-
cia.A situação hipotética acima retrata o desafio que a pandemia da
Covid-19 impôs em relação ao cumprimento dos prazos nas rela-
ções privadas, na medida em que o exercício da pretensão ou do
direito potestativo, a fim de evitar a consumação da prescrição ou
da decadência, no plano fático, raramente depende exclusivamen-
te do credor. Envolve, no mais das vezes, uma gama de profissio-
nais e instituições, a exemplo dos serviços notariais, de profissio-
nais da área jurídica, dos órgãos que compõem o sistema de justiça
etc.Sensível a isso o legislador pátrio concebeu o que veio a se tor-
nar a Lei n. 14.010, de 10 de junho de 2020, contemplando, dentre
outras disposições, uma regra de impedimento e suspensão da
prescrição e da decadência, a contar da entrada em vigor da lei e se
estendendo até o dia 30 de outubro de 2020.
Várias questões e desafios surgem não apenas quanto à aplica-
ção da disciplina legal transitória estabelecida pelo novel diploma,
mas também quanto à necessidade de se estabelecer uma interpre-
tação adequada para os casos em que, a despeito de estarem foram
do alcance temporal delimitado pela lei, demonstrem uma impos-
sibilidade de agir por parte do credor. É disso que se ocupa este
artigo.
1. Delimitação do problema
A prescrição e a decadência encontram fundamento no princí-
pio maior da segurança jurídica3. Na expressão do saudoso Prof.
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3 Na lição de San Tiago Dantas: “A essa razão acrescenta-se uma outra que
é, talvez, a razão fundamental em que se amparam os nossos dois institutos. Esta
influência do tempo consumido pelo direito pela inércia do titular serve a uma
das finalidades supremas da ordem jurídica, que é estabelecer a segurança das
relações sociais. [...] o instituto da prescrição tem suas raízes numa das razões de
ser da ordem jurídica: distribuir a justiça – dar a cada um o que é seu – e
estabelecer a segurança nas relações sociais – fazer com que o homem possa saber
com o quê conta e com o quê não conta”. (DANTAS, San Tiago. Programa de
Direito Civil: Teoria Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.342).

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