Serviços educacionais e descontos em mensalidades durante a pandemia: limites, perigos e possibilidades

AutorBruno Costa de Almeida
Páginas421-448
Serviços educacionais e descontos em
mensalidades durante a pandemia: limites,
perigos e possibilidades
Bruno Costa de Almeida1
Sumário: Introdução; – 1. Perturbações nas relações de pres-
tação de serviços educacionais; – 2. Abatimento percentual li-
near da contraprestação; – 3. Revisão da contraprestação fun-
dada em onerosidade excessiva; – 4. Limites negativos, peri-
gos e possibilidades para a revisão fundada em onerosidade
excessiva; – 5. Conclusão.
Introdução
O novo vírus (SARS-Cov-2) lançou à humanidade o duplo de-
safio de modificar suas interações sociais para o controle epidemio-
lógico e de buscar respostas para as dúvidas, incertezas e indefini-
ções apresentadas aos diferentes campos do saber humano. Às
ciências jurídicas coube a tarefa de contribuir com respostas para
as indagações que nascem num contexto de realidade histórico-so-
cial marcada por modificações na vivência humana por decorrência
de medidas voltadas ao seu combate. Inúmeros contratos tiveram
sua marcha perturbada pela nova realidade pandêmica e logo se
quis cravar com assertividade a solução de que o ordenamento ju-
rídico brasileiro dispõe: ora se qualificou a pandemia como “caso
fortuito ou força maior” a reconhecer a exoneração do cumprimen-
to da obrigação, ora se lhe deu o rótulo de “fato imprevisível e ex-
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1 Mestrando em Direito Civ il pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Pós-graduado no Programa LLM em Direito: Inovação e Tecnologia pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Advogado.
traordinário” a conduzir à extinção ou à revisão do contrato. “De-
vagar com o andor”: assim se expressou salutar advertência deixada
em relação ao cuidado que convém ter com fórmulas generalizan-
tes e com a qualificação de acontecimentos em teoria antes de se
compreender o que exatamente aconteceu em cada contrato2.
Não será única a resposta para a qualificação do fato jurídico
pandemia; ela variará, em uma relação contratual para outra, con-
forme o programa contratual definido pelos contratantes, a causa,
a função negocial aferida no dinamismo da relação em concreto3. O
presente estudo se volta especificamente às relações de prestação
de serviços educacionais, dedicando atenção à temática4 dos efei-
tos sentidos no adimplemento das prestações contratadas na rede
privada de ensino vis-à-vis às perturbações ao seu cumprimento.
Já nos primeiros dias de pandemia, as discussões que viriam
ocupar a rede privada de ensino despertaram a preocupação da Se-
cretaria Nacional do Consumidor, que emitiu Nota Técnica5 reco-
mendando que “consumidores evitem o pedido de desconto de
mensalidades a fim de não causar um desarranjo nas Escolas que já
fizeram sua programação anual, o que poderia até impactar o paga-
mento de salário de professores”. Também o Conselho Adminis-
trativo de Defesa Econômica emitiu Nota Técnica contrária à im-
posição de descontos percentuais em contratos de prestação de
serviços educacionais6. Nas semanas que se seguiram, multiplica-
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2 SCHREIBER, Anderson. Devagar com o Andor: Coronavírus e Contratos
– Importância da Boa-Fé e do Dever de Renegociar antes de Cogitar de Qualquer
Medida Terminativa ou Revisional. (https://www.migalhas.com.br/coluna/mi-
galhas-contratuais/322357/devagar-com-o-andor-coronavirus-e-contratos-imp
ortancia-da-boa-fe-e-do-dever-de-renegociar-antes-de-cogitar-de-qualquer-me
dida-terminativa-ou-revisional. Acesso em: 10 mai. 2021).
3 MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Força maior e descumpri-
mento de contratos na pandemia. In: Direito e Pandemia. n. esp. (maio. 2020).
Brasília, 2020, p. 6.
4 Embora não seja o foco de atenção do estudo, é de se reconhecer que as
interferências da realidade pandêmica podem manifestar nas relações de presta-
ção de serviços educacionais impactos de naturezas diversas. A depender da
qualificação do credor do serviço educacional, se pode cogitar de repercussões
em direitos existenciais de menores derivadas da cessação provisória de intera-
ções humanas por conta do distanciamento social prescrito no controle epide-
miológico. Dessa temática, porém, aqui não se cuidará.
5 Nota Técnica n.º 14/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ.
6 Nota Técnica nº 17/2020/DEE/CADE, na qual foi assinalado que “[a]

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