Notas sobre os efeitos da pandemia da COVID-19 nas relações multiproprietárias imobiliárias

AutorMário Victor Vidal Azevedo
Páginas627-662
Notas sobre os efeitos da pandemia da
COVID-19 nas relações multiproprietárias
imobiliárias
Mário Victor Vidal Azevedo1
Sumário: – 1. Reflexos da Pandemia da COVID-19 no Fun-
cionamento da Multipropriedade Imobiliária; – 2. Os Contor-
nos da Multipropriedade Imobiliária no Brasil; – 3. Os Efeitos
da Pandemia da COVID-19 Para os Terceiros Usuários das
Unidades Autônomas; – 4. Consequências da Pandemia da
COVID-19 para os Multiproprietários; – 5. Considerações Fi-
nais.
1. Reflexos da Pandemia da COVID-19 no Funcionamento da
Multipropriedade Imobiliária
É fato público e notório que o mundo hoje se encontra sob o
julgo da COVID 19, doença causada pelo novo coronavírus, res-
ponsável por inúmeros e deletérios reflexos sociais2 e econômicos3
em todo o planeta.
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1 Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Advogado.
2 Na data em que este artigo foi escrito, o site da OMS apontava a existência
de 108.006.680 pessoas contaminadas, com 2.378.115 óbitos (disponível em:
https://covid19.who.int/. Acessado em 14.02.2021). A Universidade Johns
Hopkins, por seu turno, apontava a existência de 108.599.963 contaminados,
com 2.395.143 mortos (disponível em: https://coronavirus.jhu.edu/map.html.
Acessado em 14.02.2021).
3 De acordo com informações divulgadas pelo Banco Mundial, apena em
2020, a pandemia empurrou entre 88 e 115 milhões de pessoas para a pobreza
extrema, gerando uma das maiores rescessões econômicas global desde a segun-
da guerra mundial. Veja mais em: BLAKE, Paul e WADHWA, Divyanshi. 2020
Diante da classificação da COVID 19 como uma pandemia4
pela Organização Mundial de Saúde (“OMS”)5, os estados nacio-
nais passaram a promover políticas de isolamento e de distancia-
mento sociais de modo a reduzir a taxa de contaminação e, por con-
seguinte, diminuir o número de casos graves que desembocarão
nos hospitais, mitigando o risco de colapso do sistema de saúde.
O Brasil não fugiu dessa tendência e determinou uma série de
atos governamentais relacionados ao combate da COVID 19, ten-
do sido decretado o Estado de Calamidade Pública (Decreto Legis-
lativo n. 06/20) e reconhecido o estado de transmissão comunitária
da COVID-19 por meio da Portaria n. 454/20 do Ministério da
Saúde.
Os estados da federação brasileira, amparados por decisão do
Supremo Tribunal Federal que lhes assegurou a competência con-
corrente para o combate à pandemia6, seguiram as orientações da
área técnica, tendo determinado, em períodos limitados e sob cer-
tas circunstâncias, o fechamento do comércio, escolas e de serviços
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Year in Review: The impact of COVID-19 in 12 charts. Disponível em:
https://blogs.worldbank.org/voices/2020-year-review-impact-covid-19-12-ch
arts. Acessado em 30.12.2020.
4 Recentemente, parte dos especialistas passaram a criticar a classificação da
crise gerada pela COVID 19 como pandemia, sugerindo a adoção de um novo
enfoque por meio da sua classificação como sindemia, conforme editorial do
prestigioso The Lancet (HORTON, Richard. Offline: COVID-19 is not a pande-
mic. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/arti-
cle/PIIS0140-6736(20)32000-6/fulltext. Acessado em 30.12.2020). Sublinha-
se, entretanto, o alerta de Emily Mendenhall, segundo o qual a crise da COVID
19 não pode ser classificada como uma sindemia global diante das diferentes
maneiras como a doença evoluiu nos variados países, demonstrando a necessida-
de de se observar o contexto político social do país/região em que a doença se
desenvolve (MENDENHALL, Emily. The COVID-19 syndemic is not global:
context matters. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/ar-
ticle/PIIS0140-6736(20)32218-2/fulltext. Acessado em 30.12.2020). Ao que
tudo indica, no Brasil, vive-se um cenário de sindemia.
5 Conforme discurso do Diretor-Geral da OMS, Sr. Tedros Adhanom Ghe-
breyesus, proferido em 11.03.2020.Disponível em: https://www.who.int/direc-
tor-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-
media-briefing-on-covid-19---11-march-2020. Acessado em 30.12.2020.
6 Sobre o assunto, confira-se os seguintes julgados: STF, Pleno, Medida
Cautelar na ADI 6341/DF, rel. Min. MARCO AURÉLIO, rel. p/ Acórdão Min.
EDSON FACHIN, j. 15.04.2020 e STF, Pleno, Medida Cautelar na ADPF
672/DF, rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, j. 13.10.2020.
não essenciais, conforme fizeram, por exemplo, os estados do Rio
de Janeiro7 e de São Paulo8. Infelizmente, todas essas medidas não
foram capazes de evitar a morte de mais de 406.000 brasileiros até
o momento9
Como consequência da adoção das essenciais medidas sanitá-
rias de combate à COVID 19, o fato pandemia acabou por incidir
e gerar consequências positivas10 e negativas sobre incontáveis se-
tores econômicos e, por extensão, sobre inumeráveis relações jurí-
dicas, de modo que a qualificação jurídica do fato pandemia depen-
derá sempre da análise da composição dos interesses impactados
no caso concreto11.
Foi justamente com o intuito de mitigar os efeitos disruptivos
da crise gerada pela COVID-19 nos inúmeros setores da sociedade
que foram aprovadas diversas legislações de exceção, como, por
exemplo, a Lei 14.010/202012 e as Medidas Provisórias nn.: (i)
925/2020, convertida na Lei nº 14.034/202013; (ii) 931/2020,
convertida na Lei n. 14.030/202014; (iii) 934/2020, convertida na
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7 Vide Decretos Estaduais nn. 46.973/20 (emergência na saúde pública) e
46.984/20 (calamidade pública).
8 Vide Decreto Estadual n. 64.879/20 (calamidade pública).
9 Conforme informações disponibilizadas em https://covid.saude.gov.br/.
Acessado em 02.05.2021. .
10 Há setores da economia que foram beneficiados pelos efeitos da pandemia,
notadamente os amparados em plataformas digitais, como bem destacam a For-
bes (MARI, Angelica e ARBEX, Gabriela. FORBES Insider: SEMrush, Endea-
vor, Plug and Play, Pulse. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-insi-
der/2020/04/pesquisa-revela-os-setores-que-estao-se-dando-bem-na-crise-cau
sada-pela-pandemia/, acessado em 30.12.2020) e a IstoÉ Dinheiro (CARVA-
LHO, Neila, VIEIRA, Sérgio e CILO, Hugo. Isolamento que dá lucro. Disponível
em https://www.istoedinheiro.com.br/isolamento-que-da-lucro/, acessado em
30.12.2020).
11 “Ao mesmo fato histórico o direito pode atribuir uma pluralidade de
qualificações, tomando-o em consideração em várias normas e para diversos fins.
(...) O mesmo fato tem uma qualificação jurídica diversa, uma função diversa,
conforme se enquadre em uma ou outra composição de interesses” (PERLIGI-
NERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. DE CICCO, Maria
Cristina (Trad.). Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 640-641).
12 Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações
jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus
(Covid-19).
13 Dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão
da pandemia da Covid-19.
14 Dispõe sobre as assembleias e as reuniões de sociedades anônimas, de

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