A pandemia do novo coronavírus, o inadimplemento absoluto e a execução pelo equivalente

AutorErick da Silva Regis
Páginas211-244
A pandemia do novo coronavírus, o
inadimplemento absoluto e a execução
pelo equivalente
Erick da Silva Regis1
Sumário: 1. A pandemia do novo coronavírus e a sua repercus-
são nas relações contratuais; – 2. Necessária qualificação do
fato jurídico pandemia em concreto; – 2.1. Dois exemplos
para qualificação do fato jurídico pandemia em concreto; – 3.
Execução pelo equivalente em tríplice perspectiva e parâme-
tros; – 4. Execução pelo equivalente, pandemia e a Lei nº.
14.010/2020 (“RJET”); – 5. Conclusão.
1. A pandemia do novo coronavírus e a sua repercussão nas
relações contratuais
No dia 30 de janeiro de 2020, foi declarada, pela Organização
Mundial de Saúde (“OMS”), Emergência de Saúde Pública de Im-
portância Internacional, considerado o mais elevado nível de alerta
da organização, nos termos do Internacional Health Regulation.2
No Brasil, no dia 7 de fevereiro de 2020, foi publicada, no Diário
Oficial, a Lei nº. 13.979/2020, que, nos termos de seu art. 1º, “dis-
põe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamen-
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1 Mestrando em Direito Civ il pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Pós-graduado em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), em Direito de Empresas e em Direito Processual Civil pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). LLM em Sports
Law pela Trevisan Escola de Negócios.
2 A íntegra do Internacional Health Regulation pode ser consultada no sítio
eletrônico oficial da Organização Mundial de Saúde (“OMS”):
https://www.who.int/publications/i/item/9789241580496. Acesso em 12 mai.
2021.
to da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”.
Com a difusão de casos em escala global, foi declarado, pela
OMS, no dia 11 de março de 2020, cenário de pandemia mundial
de Covid-19, síndrome respiratória causada pelo vírus Sars-CoV-
2, ensejando, no Brasil, a publicação, no dia 20 de março de 2020,
do Decreto Legislativo nº. 6/2020, por meio do qual se declarou
estado de calamidade pública, nos termos do art. 65 da Lei Com-
plementar nº. 101/2000.
No ano de 2021, o cenário continua deveras preocupante. Os
números oficiais, referentes a mortes e contaminação, são divulga-
dos diariamente pela OMS.3 No Brasil, esses números são divulga-
dos oficialmente pelo Ministério da Saúde.4 Essa dura realidade
certamente se estenderá, com seus efeitos nefastos, por todo o ano
de 2021, espraiando-se, possivelmente, pelos anos de 2022 e se-
guintes.
Nesse contexto, foi iniciada a campanha nacional de vacina-
ção.5-6 No entanto, o Brasil vem esbarrando em sua própria teia bu-
rocrática, enquanto a população brasileira, infelizmente, vem sen-
do exposta aos efeitos deletérios de uma condenável letargia esta-
tal e de uma incapacidade logística notória.7
Além da repercussão no campo social, o cenário pandêmico
traz impacto direto nos mais diversos ramos da ciência jurídica,8
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3 As informações estão disponíveis no sítio eletrônico oficial da OMS:
https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. Acesso
em 12 mai. 2021.
4 As informações estão disponíveis no sítio eletrônico do Sistema Único de
Saúde (“SUS”): https://susanalitico.saude.gov.br/#/dashboard/. Acesso em 12
mai. 2021.
5 A íntegra do “Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a
Covid-19” pode ser acessada em: https://www.gov.br/saude/pt-br/me-
dia/pdf/2020/dezembro/16/plano_vacinacao_versao_eletronica-1.pdf. Acesso
em 12 mai. 2021.
6 A primeira dose da vacina contra a Covid-19, em todo o mundo, foi
aplicada no Reino Unido, no dia 8 de dezembro de 2020. A vacinação em solo
brasileiro foi iniciada apenas no dia 17 de janeiro de 2021.
7 As informações referentes ao avanço da campanha de vacinação contra a
Covid-19, em todo o mundo, estão disponíveis no sítio eletrônico do Painel “Our
World in Data”, em parceria com a Universidade de Oxford, disponível
em:https://ourworldindata.org/covid-vaccinations. Acesso em 12 mai. 2021.
8 Para Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho: “A gravidade extrema e a
gerando considerável aumento, inclusive, no número de ações em
tramitação perante a já abarrotada máquina judiciária.9 O fato jurí-
dico pandemia também repercute diretamente nas relações jurídi-
cas de natureza contratual, gerando indesejáveis perturbações na
prestação.10
Na dinâmica dos contratos, desde os primeiros casos de Covid-
19, parte da comunidade jurídica vem promovendo a qualificação
automática do fato jurídico pandemia, enquadrando-o na condição
de caso fortuito ou de força maior, que, por razões jurídico-mate-
riais, seria capaz de, nos termos do art. 393 do Código Civil, isentar
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extensão mundial da crise produzem incertezas entre os operadores do direito
que, subitamente, viram-se desafiados a lidar com problemas dos mais variados
matizes: escassez, violência doméstica, conflitos de vizinhança, crime de contá-
gio, falsas notícias, tensões trabalhistas, descumprimento de contratos, dentre
outros” (RÊGO MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do. Coronavírus e força
maior: configuração e limites. In: RÊGO MONTEIRO FILHO, Carlos Edison;
ROSENVALD, Nelson e DENSA, Roberta (coord.). Coronavírus e responsabi-
lidade civil: impactos contratuais e extracontratuais. Indaiatuba: Foco, 2020, p.
19).
9 A título informativo, em pesquisa realizada pelo Insper, apurou-se que o
Poder Judiciário brasileiro, até o mês de junho de 2020, já havia proferido, pelo
menos, cento e sessenta e cinco mil decisões relacionadas à pandemia do novo
coronavírus, envolvendo temas como renegociação e suspensão contratual, pos-
sibilidade de suspensão de serviços essenciais, jornada de trabalho, entre outros.
Uma segunda etapa do estudo, atualizada para o ano de 2021, está em curso, mas
sem registro de seus resultados. Foram reunidas 157 publicações, divulgadas de
16 de março a 18 de maio de 2020. Nesse material, são abordadas sobretudo
ações ligadas a temas como renegociação de contratos, constrição de bens, paga-
mento de tributos, suspensão de contrato e/ou redução de jornada de trabalho,
fornecimento de serviços como energia elétrica e telefonia. Íntegra da pesquisa
disponível em: https://www.insper.edu.br/conhecimento/direito/decisoes-ju-
diciais-relacionadas-a-covid-19-ja-somam-165-mil/. Acesso em 12 mai. 2021.
10 Para Judith Martins-Costa e Paula Costa e Silva: “Várias são, de fato, as
situações em que a pandemia, por seus efeitos, descambará em perturbações na
prestação. Esta, no seu devir, seguindo o iter processualmente desenvolvido de
seu nascimento, pelo acordo negocial, até o adimplemento, que é o seu fim, pode
sofrer as mais diversas perturbações, algumas delas – talvez as maiores que
conheçamos em nosso tempo – causadas pelo fato da pandemia da COVID-19 e
todo o cortejo de problemas que suscita, desde as proibições à circulação até o
abastecimento de produtos, passando pela insolvência de empresas e o desem-
prego de pessoas” (MARTINS-COSTA, Judith; COSTA E SILVA, Paula. Crise
e perturbações no cumprimento da prestação: estudo de direito comparado luso-
brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2020, p. 63-64).

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