O debate a respeito da dru: a fraude à constituição e o desequilíbrio federativo

AutorOnofre Alves Batista Júnior e Marina Soares Marinho
Páginas745-778
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O DEBATE A RESPEITO DA DRU: A FRAUDE
À CONSTITUIÇÃO E O DESEQUILÍBRIO
FEDERATIVO
Onofre Alves Batista Júnior1
Marina Soares Marinho2
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. As transferências intergovernamentais – 3. A
Desvinculação das Receitas Da União (DRU) – 4. A fraude à Constituição – 5. A
fraude à Constituição no caso da DRU – 6. Conclusões – Referências.
1. INTRODUÇÃO
O federalismo aparece como princípio em todas as Consti-
tuições brasileiras, desde 1891 até a Constituição da República
1. Professor Associado de Direito Público do Quadro Efetivo da Graduação e Pós-
-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Mestre em Ciências
Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela UFMG. Pós-
-Doutoramento em Direito (Democracia e Direitos Humanos) pela Universidade de
Coimbra. Diretor Científico da Associação Brasileira de Direito Tributário - ABRA-
DT. Conselho Curador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Ge-
rais – FAPEMIG. Diretor do Centro de Estudos da Advocacia-Geral de Minas Gerais
- AGE. Coordenador da Revista Direito Público da AGE. Conselheiro Consultivo do
Colégio Nacional de Procuradores-Gerais do Estado e do Distrito Federal – CONPEG.
Ex-Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais. Procurador do Estado de Minas Ge-
rais. (Curriculum lattes http://lattes.cnpq.br/2284086832664522).
2. Assistente do Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito e
Justiça pela UFMG. Doutoranda em Direito e Justiça pela UFMG. (Curriculum lat-
tes http://lattes.cnpq.br/6230936890648392).
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). Durante o regime mi-
litar, Estados e Municípios perderam parcela de poder político,
na medida em que o AI-2 estabeleceu eleições indiretas para
governadores e o Decreto-Lei no 200/67 obrigou os governos
estaduais e municipais a se submeterem às normas de organi-
zação administrativas federais. No campo fiscal, os entes sub-
nacionais tiveram sua autonomia bastante diminuída em razão
da redução das transferências intergovernamentais de recur-
sos e da imposição de limites rígidos ao poder de tributar.3
A situação começou a se reverter nos anos 1980, durante
o governo Geisel (1974-1985), quando foram realizadas eleições
diretas para governadores. Bem explica Rui de Britto Álvares
Affonso (2000, p. 134) que o hiato de quase 10 anos entre as
eleições diretas para governadores (nos anos 1980) e a eleição
presidencial (em 1989) fez com que a luta pela democratização
se identificasse com um verdadeiro combate pela descentrali-
zação. O longo período de centralismo deu ensejo a uma força
motriz centrífuga ampla, que reunia não apenas as lideranças
locais, mas forças políticas relevantes do cenário nacional.
Diante desse contexto, a Assembleia Nacional Consti-
tuinte de 1987 promoveu o processo mais democrático de
participação que o Brasil já experimentou (era formada
3. Para o economista Ricardo Varsano (1997, p. 9), verbis: “Para assegurar a não in-
terferência das unidades subnacionais na definição e controle do processo de cres-
cimento, o seu grau de autonomia fiscal precisava ser severamente restringido. As-
sim, o poder concedido aos estados para legislar em matéria relativa ao ICM foi
limitado, de modo que o imposto gerasse arrecadação sem que pudesse ser usado
como instrumento de política; e os recursos transferidos foram, em parte, vincula-
dos a gastos compatíveis com os objetivos fixados pelo governo central. Após com-
pletada a [reforma tributária, que deu origem ao sistema implantado entre 1964 e
1966], os estados sofreram limitações adicionais ao seu poder de tributar e, já em
1968, no auge do autoritarismo, também as transferências foram restringidas. O Ato
Complementar n. 40/68 reduziu, de 10% para 5%, os percentuais do produto da ar-
recadação do IR e do IPI destinados aos Fundos de Participação dos Estados e dos
Municípios (FPE e FPM). Em contrapartida, criou o Fundo Especial (FE), cuja dis-
tribuição e utilização dos recursos era inteiramente decidida pelo poder central,
destinando a ele 2% do produto da arrecadação daqueles tributos. O ato comple-
mentar também condicionou a entrega das cotas dos fundos a diversos fatores, in-
clusive à forma de utilização dos recursos. A autonomia fiscal dos estados e municí-
pios foi reduzida ao seu nível mínimo, aí permanecendo até 1975.”
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
principalmente por atores políticos, eleitos pela população, e
se valeu de emendas populares, instrumento por meio do qual
os cidadãos indicavam diretamente sua sugestão). O resulta-
do de quase dois anos de debates foi uma carta constitucional
que refletiu, fundamentalmente, a oposição ao centralismo de
viés autoritário vivido nos anos anteriores.
A CRFB/88, instituída à luz da redemocratização do País,
firmou o federalismo como princípio constitucional garan-
tidor da descentralização do poder político e fiscal. Buscou
romper com a tradição centralizadora que acompanhou todas
as outras Constituições brasileiras, em menor ou maior medi-
da, formatando uma verdadeira federação. Nesse compasso, o
princípio federativo aparece como cláusula pétrea, devendo o
equilíbrio federativo, portanto, ser mantido, não se admitindo
sua ruptura sequer por emendas constitucionais.
A descentralização idealizada pelo constituinte está um-
bilicalmente relacionada com autonomia de cada ente, como
decorrência direta dos subprincípios do federalismo: subsidia-
riedade e maior participação possível. O primeiro exige que se
maximize “o contributo de cada indivíduo para a formação
da vontade comunitária”, de forma que apenas haja influên-
cia dos demais entes nas hipóteses estritamente necessárias
(subsidiariamente) (ZIPPELIUS Apud DERZI [et. al.], 2015,
p. 472);4 o outro estabelece a necessidade de se proporcionar a
maior aproximação possível entre governantes e governados.
Não há como falar em autonomia (requisito basilar do
princípio da subsidiariedade, fundamental para que se possa
permitir a participação em igualdade de condições) sem “in-
dependência financeira”. Em outras palavras, não é possível
4.
Para José Alfredo De Oliveira Baracho (1995, p. 52), “a definição da subsidiariedade
tem apresentado diversos alcances e conteúdo. Conceitua-se subsidiariedade como
princípio, pelo qual as decisões, legislativas ou administrativas devem ser tomadas no
nível político mais baixo possível, isto é, por aquelas que estão o mais próximo possível
das decisões que são definidas, efetuadas e executadas. Está assim o princípio de sub-
sidiariedade relacionado com a situação constitucional definida nas competências dos
entes que compõem o tipo de Estado consagrado (Unitário, Autonômico, Regional ou
Federal) e o processo de descentralização política e administrativa.”

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