Decisões históricas: o caso da fiança ? parte 1
Autor | Karina Nunes Fritz |
Páginas | 193-198 |
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DECISÕES HISTÓRICAS:
O CASO DA FIANÇA – PARTE 1
Um dos casos mais emblemáticos acerca da eficácia dos direitos fundamentais no
direito privado é o chamado caso da fiança ou Bürgerschaftsentscheidung, julgado pelo
1º Senado do Tribunal Constitucional Alemão em 19.10.1993. Trata-se, a rigor, de dois
processos: 1 BvR 567/89 e 1 BvR 1044/89, publicados no repertório BVerfGE 89, 21444.
A questão central da queixa constitucional era saber até que ponto os tribunais civis
podem ser obrigados pela Lei Fundamental (Grundgesetz) a submeter os contratos de
fiança, celebrados com instituições financeiras, a um controle de seu conteúdo, quando
familiares do tomador do crédito, embora desprovidos de patrimônio, assumiam como
fiadores a garantia exorbitante de uma dívida.
12.1 PARA ENTENDER O CASO
Na Alemanha da década de 70, era comum os bancos exigirem que familiares pró-
ximos do tomador de um crédito, como esposas e filhos, figurassem como fiadores dos
contratos de empréstimos. Isso geralmente ocorria em empréstimos concedidos a donos
de empresas de pequeno e médio porte.
O objetivo não era apenas ampliar a massa patrimonial responsável pelo débito, pois
muitos contratos de fiança eram celebrados sem verificação da situação patrimonial do
fiador. O objetivo principal era evitar transferência patrimonial e exercer pressão sobre o
tomador do crédito para honrar a dívida, sob pena do chamamento dos familiares fiadores.
A prática era tão intensa que os tribunais civis se ocuparam por quase dez anos com
casos de superendividamento de familiares, que não tinham desde o início condições
nenhuma de garantir o débito. As instâncias inferiores não hesitavam, em sua maioria,
em fazer um controle judicial do conteúdo desses contratos de fiança.
Uma das linhas de argumentação desenvolvida apoiava-se na cláusula geral dos
bons costumes, do § 138 I BGB: seriam nulos, por contrariedade aos bons costumes, os
contratos de fiança celebrados com fiadores inexperientes, ligados ao devedor por laços
familiares e que, em caso de inadimplência, teriam que suportar uma dívida exorbitante,
capaz de aniquilar a própria existência.
A outra linha argumentativa amparava-se na cláusula geral da boa-fé objetiva, pre-
vista no § 242 BGB: faltava nesses contratos informação e esclarecimento suficiente acerca
da gravidade do risco assumido pelo fiador, de modo que o banco violava, no mínimo
culposamente, os deveres pré-contratuais de informação e esclarecimento, incorrendo
em responsabilidade pré-contratual por falhas informativas.
44. Artigo publicado na coluna German Report, em 04.02.2020.
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