Direito, filosofia e interpretação

AutorAuta Alves Cardoso
Ocupação do AutorDoutora e Mestra em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
Páginas7-71
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CAPÍTULO I
DIREITO, FILOSOFIA E INTERPRETAÇÃO
Como já tivemos oportunidade de consignar, qualquer
reflexão sobre o Direito positivo deve ser precedida da apre-
sentação da corrente filosófica a que se filia o estudioso. Tal
necessidade epistemológica é reconhecida pela nossa melhor
doutrina, como se verifica nas precisas lições de Paulo de
Barros Carvalho,1 pelas quais:
(...) estou convicto que o discurso da Ciência será tanto mais pro-
fundo quanto mais se ativer, o autor, ao modelo filosófico por ele
eleito para estimular sua investigação Requer-se, hoje, a inser-
ção num paradigma mais amplo, numa tomada mais abrangente,
capaz de manter-se em regime de interação com um esquema
que possa realimentar incessantemente o labor da Ciência, nos
quadros de uma concepção grandiosa do pensamento humano.
O toque da cultura, cada vez reconhecido com maior intensida-
de, evita que se pretenda entrever o mundo pelo prisma reducio-
nista de mero racionalismo descritivo. Por isso, o sopro filosófi-
co, na forma superior de meditação crítica, há de estar presente
em toda a extensão do trabalho.
A tal labor nos dedicaremos, neste Capítulo desde já
declarando que a Filosofia da Linguagem presidirá nossas
1. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e método. 2. ed. São
Paulo: Noeses, 2008.
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AUTA ALVES CARDOSO
reflexões, já que o Direito é um objeto do mundo cultural que
se verte em linguagem.
Na esteira do Giro-linguístico entendemos que no mundo
dos objetos culturais a língua não é a forma de falar da reali-
dade, mas o elemento que a constitui. A realidade é uma con-
venção linguística em um dado momento histórico. Conhecer
um objeto significa emitir proposições sobre o mesmo.
Analisaremos, ainda que sucintamente, os pressupostos
do Construtivismo Lógico Semântico, que norteará nossa in-
vestigação sobre a classificação jurídica das chamadas partici-
pações governamentais, devidas pela exploração de petróleo e
de gás, abordando a Filosofia da Linguagem, as características
do discurso científico, os conceitos de Direito, de tributo, da
compensação e da participação no resultado da exploração, a
Teoria da Norma Jurídica, a Teoria do Ordenamento Jurídico
e a Teoria da Incidência Normativa.
Comecemos, então.
1.1.
Hermenêutica: Teoria da interpretação na tradição
O Direito existe para que seja possível a regulação das
condutas humanas nas suas relações de inter-humanidade,
entre elas, a decidibilidade dos conflitos que se instauram no
meio social. A aplicação do Direito positivo ao caso concre-
to pressupõe a compreensão e a interpretação das normas. A
Hermenêutica trata, de modo genérico, dos meios, dos crité-
rios e dos esquemas interpretativos.
Hermenêutica, segundo a visão tradicional, representa-
da por Carlos Maximiliano2 é a teoria científica da arte de in-
terpretar. Não se confundem Hermenêutica e interpretação.
A interpretação é a aplicação da Hermenêutica, sendo que a
esta cabe descobrir e fixar os princípios que regem aquela.
2. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janei-
ro: Forense, 1979.
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EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO E DE GÁS NATURAL
A Hermenêutica clássica, influenciada pela apologia à
universalidade da razão e pela crença no método científico,
acreditava ser este o captador do sentido da norma jurídica,
fundando-se sobre a compreensão epistemológica sujeito- ob-
jeto, relegando a linguagem a terceiro elemento entre o sujei-
to e o objeto.
Cabia ao intérprete, portanto, aplicar métodos interpreta-
tivos pré-definidos para extrair da lei o seu sentido e o alcance
das suas expressões. A Hermenêutica, enquanto método de
interpretação, reduzia-se a um conjunto de regras bem orde-
nadas que fixavam os critérios e os princípios norteadores da
interpretação. Era, nesta acepção, a Hermenêutica a teoria
científica da interpretação do Direito, sendo um instrumento
para a realização do mesmo.
Para Francesco Ferrara,3 o intérprete possui apenas o pa-
pel de mediador entre a lei e o fato. Consigna que:
A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real
da norma jurídica, determinar em toda a plenitude o seu valor,
penetrar o mais possível (como diz Windsccheid) na alma do le-
gislador, reconstruir o pensamento legislativo.
No Brasil, o pensamento hermenêutico normativo era re-
presentado por Carlos Maximiliano4 que ensinava:
A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistemati-
zação dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o al-
cance das expressões do Direito. As leis positivas são formuladas
em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabele-
cem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem
descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da
relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma
jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir,
se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido
verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance,
3. FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder,
2002.
4. MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit.
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