Introdução ao estudo do constructivismo lógico-semântico no direito e a regra-matriz de incidência jurídica: breve passagem das reflexões epistemológicas de Descartes até Paulo de Barros Carvalho

AutorBruce Bastos Martins
Páginas183-218
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO CONSTRUCTIVISMO
LÓGICO-SEMÂNTICO NO DIREITO E A REGRA-
MATRIZ DE INCIDÊNCIA JURÍDICA: BREVE PASSAGEM
DAS REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS DE DESCARTES
ATÉ PAULO DE BARROS CARVALHO
Bruce Bastos Martins1
Sumário: 1. Introdução. 2. O método de René Descartes e Francis Bacon. 3. A
epistemologia de John Locke e Gottfried W. Leibniz. 4. O empirismo psicológi-
co de David Hume. 5. O constructivismo transcendental de Kant e o reducio-
nismo fenomenológico de Husserl. 6. A filosofia da linguagem de Schlick e o
sistema de referência linguístico de Carnap. 7. A (meta)linguagem jurídica de
Kelsen. 8. O constructivismo lógico-semântico de Lourival Vilanova e a regra-
-matriz de incidência de Paulo de Barros Carvalho. 9. Conclusão. Referências.
1. Introdução
Este artigo debruça-se sobre o curso das reflexões episte-
mológicas da modernidade, de tal modo que propicie ao leitor
tanto um exame mais aprofundado das origens do constructi-
vismo lógico-semântico e da regra-matriz de incidência jurídi-
ca, quanto um entendimento mais acurado relativo às teorias
1. Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP).
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que residem por trás dessas correntes jusfilosóficas brasilei-
ras, constituídas respectivamente pelos professores
LourivaL
viLanova
e
PauLo de Barros CarvaLho
.
De
desCartes
até
KeLsen
, mostraremos como as reflexões
epistemológicas, dos séculos que sucederam à renascença, cul-
minaram na invasão do giro-linguístico dentro do campo do co-
nhecimento, de tal sorte a revolucionar o paradigma científico
da modernidade, inclusive os paradigimas da ciência do direito.
Portanto, em caráter sumário e sem pretensões exaustivas,
doravante se apresentam as passagens filosóficas e os debates
científicos na história ocidental, a começar pelo século XVII,
até chegar ao substrato metodológico da ciência do direito, no
século XX, que deu contornos às teorias do constructivismo de
viLanova
e da regra-matriz de
PauLo de Barros CarBaLho
, en-
quanto fundamentos metodológicos da incidência jurídica.
2. O método de René Descartes e Francis Bacon
Desde o berço das experiências racionais, o ser humano
busca defender um conhecimento que se possa afirmar e con-
firmar como verdadeiro. Na Grécia antiga, matemáticos como
Pitágoras
e
PLatão
empenharam-se em desvelar a verdade
(ou a ideia) por trás dos fenômenos, repudiando a inconsistên-
cia das opiniões (doxa) e da retórica sofista.
No século XV, com o abalo da ideologia escolástica – seja
por conta (a) da reforma luterana e calvinista; (b) da inunda-
ção cultural na Europa renascentista, com a queda do império
bizantino; ou, ainda, (c) do avanço da astronomia sobre a fí-
sica aristotélico-tomista –, muitos pensadores se propuseram
a retomar o curso das questões filosóficas acerca do conheci-
mento legítimo, servindo-se, para isso, de novos métodos, com
vistas a destronar o reinado dos dogmas medievais, até então
vigente. Segue o exemplo do filósofo francês
rené desCartes
,
no século XVII, cujas meditações acerca de uma possível base
incontestável para o conhecimento fez-lhe concluir que, en-
quanto pensava e duvidava sobre essas questões, estava certo
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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
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de que algo nesse processo existia, o res cogito. Daí o aforisma:
cogito, ergo sum.
Nas palavras do autor:
Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo? Duran-
te todo o tempo em que eu penso; pois talvez poderia acontecer
que, se eu parasse de pensar, ao mesmo tempo pararia de ser ou
de existir. Nada admito agora que não seja obrigatoriamente ver-
dadeiro: nada sou, então, a não ser uma coisa que pensa, ou seja,
um espírito, um entendimento ou uma razão, que são palavras
cujo significado me era anteriormente desconhecido. Então, eu
sou uma coisa verdadeira e verdadeiramente existente, mas que
coisa? Já o disse: uma coisa que pensa.
2
desCartes
buscava estabelecer um método rigoroso para
a construção do conhecimento, o qual consistia em, sistema-
ticamente, duvidar das verdades mais fundamentais que se
afiguravam em sua consciência: a dúvida hiperbólica. Levava
até as últimas consequências o questionamento dessas repre-
sentações, como meio de eliminar dedutivamente as ilusões,
travestidas de objetividade.
Outro entusiasta da ciência que igualmente intentou cons-
truir um método ao arrepio dos dogmas escolásticos foi o inglês
FranCis BaCon
. Seu método indutivo, diferentemente de um ra-
cionalismo exacerbado, apoiava-se sobretudo na experiência.
Combatia ele o que denominava de ídolos3, isto é, imagens que
se enraízam no intelecto, de tal sorte que obstruem a passagem
do conhecimento banal à ciência, à verdade. O seu método ti-
nha início nas experiências concretas, formulando relações de
causalidade dos fenômenos naturais, a partir de um movimen-
to de ascese que ia do particular para o geral. Em um de seus
aforismos, fica bem clara essa ideia. Vejamos:
Resta-nos um único e simples método para alcançar os nossos
intentos; levar os homens aos próprios fatos particulares e às
2. DESCARTES, René. Discurso do método; As paixões da alma; Meditações. São
Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 261.
3. BACON, Francis. Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpreta-
ção da natureza; Nova Atlântida. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 39.

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