O modelo de federalismo fiscal brasileiro

AutorAndré Mendes Moreira
Páginas215-248
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O MODELO DE FEDERALISMO
FISCAL BRASILEIRO
André Mendes Moreira1
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Definição de Estado Federal: 2.1. Origens etimo-
lógicas; 2.2. Distinção entre Federação e Confederação: 2.2.1. A União como
representante única dos Estados-membros no plano internacional; 2.2.2. A
indissolubilidade do vínculo entre os Estados-membros; 2.2.3. Ordenamento
jurídico vinculativo da União e dos Estados-membros e o postulado da sime-
tria; 2.3. Distinção entre Federação e Estado Unitário: 2.3.1. Lei da Participa-
ção; 2.3.2. Lei da Autonomia: 2.3.2.1. Origem etimológica; 2.3.2.2. As faces da
autonomia no Estado Federal: administrativa, judiciária, legislativa e política;
2.3.2.3. Autonomia financeira: independência, suficiência e eficiência na obten-
ção de recursos – 3. A repartição do produto da arrecadação: 3.1. A necessidade
de repartição das receitas auferidas para preservação da autonomia financei-
ra dos entes federados; 3.2. As formas de repartição vertical de receitas: obri-
gatórias e voluntárias; vinculadas e não vinculadas; diretas e indiretas; 3.3. O
sistema de participação direta: 3.3.1. Participação dos Estados no produto da
arrecadação de impostos federais; 3.3.2. Participação dos Municípios no pro-
duto da arrecadação de impostos federais e estaduais; 3.3.3. Conceito de valor
adicionado fiscal: critérios para a partilha entre os Municípios do ICMS e do
IPI repassados pelos Estados; 3.3.4. A repartição das receitas do IPI: o limita-
dor de 20% por Estado; 3.3.5. A partilha da CIDE-Combustíveis: participação
dos Estados e dos Municípios. 3.4. O sistema de participação indireta: 3.4.1. Ca-
racterísticas dos fundos; 3.4.2. Fundos não vinculados a despesas específicas:
3.4.2.1. Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal; 3.4.2.2. Fundo de
Participação dos Municípios; 3.4.3. Fundos vinculados a despesas específicas:
1. Professor Adjunto de Direito Tributário da UFMG. Doutor (USP) e Mestre (UFMG)
em Direito Tributário. Diretor da ABRADT e Advogado.
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
3.4.3.1. Fundos constitucionais de financiamento ao setor produtivo das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste; 3.4.3.2. Fundo de Desenvolvimento da Educa-
ção Básica – FUNDEB; 3.4.3.3. Fundo da Saúde; 3.5. Previsões constitucionais
de retenção de recursos – 4. Conclusões.
1. INTRODUÇÃO
O Federalismo, como atualmente conhecido, é usualmente
creditado à experiência norte-americana do final do século XVIII.
ALEXIS DE TOCQUEVILLE2 argumentou, com proprieda-
de, que a Constituição Americana se assentou em uma teoria in-
teiramente nova, que deve ser aclamada como uma das maiores
descobertas da ciência política de nossos tempos. Afinal, ligas e
confederações já existiam antes dos EUA – contudo, a adminis-
tração central não governava os cidadãos diretamente. A inova-
ção americana residiu exatamente na possibilidade de se desen-
volver duas ordens de governo que exercessem soberania sobre o
mesmo território e os mesmos cidadãos, ao mesmo tempo.
Não obstante sua originalidade, podemos encontrar nas
ideias de ALEXANDER HAMILTON, JAMES MADISON e
JOHN JAY3, semelhanças com o pensamento de JOHN LOC-
KE e MONTESQUIEU.
2. O autor assim justifica o seu ponto de vista:
“Em todas as confederações que precederam a confederação americana de 1789, os
povos, que se aliavam com um objetivo comum, consentiam em obedecer às injun-
ções de um governo federal, mas preservavam o direito de ordenar e fiscalizar em
seu território a execução das leis da União.
Os Estados americanos que se uniram em 1789 não apenas consentiram em que o
governo federal lhes ditasse leis, mas também em que ele próprio zelasse pelo cum-
primento das suas.
Nos dois casos, o direito é o mesmo, só é diferente o seu exercício. Mas essa simples
diferença produz imensos resultados.” (DE TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia
na América - leis e costumes. De certas leis e certos costumes políticos que foram natu-
ralmente sugeridos aos americanos por seu estado social democrático. Trad. por
EDUARDO BRANDÃO. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 175).
3. HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. The Federalist. Indianap-
olis: Liberty Fund, 2001.
Os artigos foram publicados inicialmente em jornais do Estado de Nova Iorque
para convencer a população e os delegados daquela ex-colônia britânica a ratificar
a Constituição, aprovada em 1787. Alexander Hamilton redigiu 51 artigos, James
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
A proximidade com LOCKE4, considerado o pai do Estado
liberal, decorre da orientação individualista que pautou os en-
saios pró-Constituição americana, que assentaria as bases para
o modo capitalista de produção. A seu turno, a influência de
MONTESQUIEU5 é clara, porquanto este propunha a Repú-
blica confederativa como a forma de governo que possui todas
as vantagens internas de uma República aliada às vantagens
externas de uma monarquia. Sem mencionar, obviamente, a
teoria da tripartição dos poderes, desenvolvida por MONTES-
QUIEU a partir dos ensaios de LOCKE e defendida expressa-
mente por JAMES MADISON ao asseverar que a concentração
do poder de legislar, executar e julgar nas mesmas mãos equi-
vale à tirania. Nesse particular, lembre-se aqui a lição de FLÁ-
VIO BERNARDES6, para quem o controle do Executivo sobre
os seus próprios atos, do Legislativo sobre os atos do Executivo
e do Judiciário sobre ambos é essencial ao Estado de Direito.
Outrossim, GEORGE MACE7 sustenta que a inspiração
dos federalistas se assenta também no pensamento de HOB-
BES8, haja vista a importância que se conferiu à necessidade
de existência de um poder soberano central forte, que seria
imprescindível para a paz interna e a defesa externa.
O federalismo apregoado por HAMILTON, MADISON e
JAY era do tipo dualista, em que a independência plena entre
Madison 29 e John Jay 5, sendo outros 3 em coautoria entre Hamilton e Madison.
4. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. por ALEX MARINS. São
Paulo: Martin Claret, 2006.
5. MONTESQUIEU, Baron de. The Spirit of the Laws. Encyclopaedia Britannica:
Chicago, 1952, p. 58-9.
6. BERNARDES, Flávio Couto. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Controle da
Atividade Financeira do Estado: a efetividade do princípio constitucional do equilí-
brio econômico e financeiro. Revista da Procuradoria-Geral do Município de Belo
Horizonte, ano 1, n. 2. Belo Horizonte: Fórum, jul.-dez./2008, p. 119.
7. MACE, George. Locke, Hobbes and the Federalist Papers – an essay on the genesis
of the American Political Heritage. Carbondale: South Illinois University, 1979.
8. DE MALMESBURY, Thomas Hobbes. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um
Estado Eclesiástico e Civil. Trad. por JOÃO PAULO MONTEIRO e MARIA BEA-
TRIZ NIZZA DA SILVA. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

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