Responsabilidade algorítmica do estado: como as instituições devem proteger direitos dos usuários nas sociedades digitais?

AutorPedro Rubim Borges Fortes
Ocupação do AutorProfessor Visitante no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Páginas429-444
RESPONSABILIDADE ALGORÍTMICA
DO ESTADO: COMO AS INSTITUIÇÕES DEVEM
PROTEGER DIREITOS DOS USUÁRIOS
NAS SOCIEDADES DIGITAIS?
Pedro Rubim Borges Fortes
Professor Visitante no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Nacional
de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Promotor de Justiça no Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Constituição da ANPD no Brasil. 3. Como proteger direitos dos
usuários da Internet? 4. A responsabilidade algorítmica do Estado. 5. Conclusões. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da tecnologia de informação e a facilidade do processamento
computacional de grande quantidade de dados apresentam não somente uma série de
benefícios e vantagens,1 mas também riscos e restrições.2 Particularmente sensível é a
discussão sobre a proteção dos dados pessoais e da privacidade dos titulares da informação
processada. Não por acaso, estabelecer o modelo de Autoridade Nacional de Proteção de
Dados (ANPD) para tutelar efetivamente esses direitos é um desaf‌io.3 Nesse contexto, a
questão-problema do presente artigo é a seguinte: como deve o Estado e as instituições
estatais atuar para proteger os direitos dos usuários diante dos potenciais efeitos nega-
tivos e lesivos causados pelas fórmulas algorítmicas na coordenação, redistribuição e
deliberação sobre interesses juridicamente protegidos? A resposta passa pela análise da
responsabilidade algorítmica do Estado e sobre a atuação da ANPD. O presente trabalho
é relevante, na medida em que o Estado brasileiro enfrenta um momento de ref‌lexão
sobre o desenho institucional a ser adotado para regulação e aplicação da recém aprovada
legislação de proteção de dados. O presente artigo está dividido da seguinte maneira:
além dessa introdução e da conclusão, o desenvolvimento da discussão passará por um
esclarecimento sobre a constituição da ANPD no Brasil, sobre os desaf‌ios para o Estado
brasileiro em termos de proteção de direitos coletivos dos usuários e sobre a responsa-
bilidade algorítmica do Estado.
1. AMARAL, Fernando. Introdução à ciência de dados: mineração de dados e Big Data. Rio de Janeiro: Alta Books,
2016, p. 11.
2. LOVELUCK, Benjamin. Redes, liberdades e controle: uma genealogia política da Internet. Petrópolis: Vozes, 2018,
p. 155-158.
3. MILTROU, Lilian. The General Data Protection Regulation: A Law for the Digital Age? In: SYNODINOU, Tatia-
na-Eleni, JOUGLEUX, Phillipe, MARKOU, Christiana, PRASTITOU, Thalia (Org.), EU Internet Law: Regulation
and Enforcement. Cham: Springer, 2017, p. 20-21.
PEDRO RUBIM BORGES FORTES
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2. A CONSTITUIÇÃO DA ANPD NO BRASIL
No âmbito do direito brasileiro, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais foi
promulgada em 2018,4 mas a Presidência da República vetou os dispositivos relativos
à constituição de uma ANPD no Brasil – o que levou críticos a af‌irmarem que o regime
brasileiro nascia acéfalo e desgovernado.5 Posteriormente, um desenho institucional de
ANPD foi submetido à apreciação do Congresso Nacional através de Medida Provisória
que resultaria na legislação aprovada em julho de 2019 com a def‌inição do processo de
constituição da ANPD brasileira.6 Conforme a legislação aprovada, a ANPD deverá ser
o órgão da administração pública responsável por zelar, implementar e f‌iscaliza o cum-
primento da Lei de Proteção de Dados Pessoais em todo o país, tendo sido estabelecido
ainda que a legislação contém normas de interesse nacional – não apenas federal – e
devem ser observadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.7
A ANPD deverá ser criada sem aumento de despesa como órgão da administração
pública federal e integrante da estrutura da Presidência da República, podendo vir a ser
transformada, no prazo de dois anos, pelo Poder Executivo em entidade da administra-
ção pública federal indireta sob regime autárquico especial e vinculada à Presidência
da República.8 Um dos desaf‌ios originais da formação da ANPD consiste exatamente
nas dif‌iculdades oriundas das limitações de recursos f‌inanceiros no âmbito da União
Federal. O contingenciamento de despesas impõe o remanejamento de cargos e funções
para formar nesse órgão, estando o provimento de cargos e das funções necessários à
criação e atuação da ANPD condicionado à expressa autorização na lei orçamentária
anual.9 Embora a legislação ressalve a escassez de recursos para a constituição do órgão,
por outro lado, proclama ser assegurada sua autonomia técnica e decisória.10
Em termos de composição, a ANPD deverá ser formada por um Conselho de Di-
reção (seu órgão dirigente), pelo Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e
da Privacidade (CNPDPP), pela Corregedoria, Ouvidoria, Assessoria Jurídica e pelas
Unidades Administrativas e Unidades Especializadas necessárias para a aplicação da
legislação.11 A exemplo da estrutura organizacional de agências reguladoras nacionais,
o Conselho Diretor da ANPD será composto por uma diretoria colegiada de cinco mem-
bros, sendo liderada por um deles que exercerá a função de Presidente.12 Os membros
devem ter reputação ilibada, nível superior de educação e elevado conceito no campo de
especialidade do cargo, sendo que sua nomeação ocorrerá após escolha pelo Presidente
da República e aprovação pelo Senado Federal.13 Foi feita a opção por mandatos iniciais
5. LEMOS, Ronaldo. Lei de dados nasceu desgovernada: com veto à criação de agência, legislação é morta-viva como
um zumbi. Folha de São Paulo, 20/08/2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldole-
mos/2018/08/lei-de-dados-nasceu-desgovernada.shtml. Acesso em: 15 mar. 2020.
6. A Lei n. 13.853, de 8 de Julho de 2019, foi formada através da conversão da Medida Provisória n. 869, de 2018.
8. Artigo 55-A, caput § 1º e § 2º, da Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018.

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