Sistemas produtivos, direito do trabalho e contratação de pessoas via plataformas digitais: análise de momentos de afirmação e de negação do direito fundamental ao trabalho digno

AutorAmauri Cesar Alves
Ocupação do AutorDoutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas)
Páginas138-156
CAPÍTULO 10
(1) Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor da Graduação e do Mes-
trado em Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Coordenador do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho (GEDIT/CNPq) da
UFOP. Avaliador de Cursos de Graduação do INEP. Pesquisador integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/
CNPq).
Sistemas Produtivos, Direito do Trabalho e
Contratação de Pessoas Via Plataformas Digitais:
Análise de Momentos de Afirmação e de Negação
do Direito Fundamental ao Trabalho Digno
AMAURI CESAR ALVES
(1)
Resumo: O artigo tem por objetivo analisar como se dá a contratação de trabalho nos principais sistemas produtivos desenvol-
vidos desde o início do século XX até os dias atuais e como essa pactuação se relaciona com o Direito fundamental ao trabalho
digno. O artigo parte de um problema concreto, que é identificar se a contratação de pessoas via plataformas na Economia da
Tecnologia Digital representa ou não ruptura com o sistema protetivo do Direito do Trabalho e com o Direito fundamental ao
trabalho digno. A hipótese é que os novos modelos produtivos desenvolvidos no século XXI não permitem a construção de rela-
ções jurídicas que respeitem o Direito fundamental ao trabalho digno. A construção teórica parte não só da doutrina jurídica, mas
também das contribuições da Administração de Empresas, da Economia, da Tecnologia da Informação, da Sociologia do Trabalho
e da Engenharia. A metodologia utilizada é jurídico-sociológica.
Palavras-chave: Sistemas Produtivos. Direito fundamental ao trabalho digno. Contratação de Pessoas. Plataformas Digitais.
Abstract: The article aims to analyze how the hiring of labor in the main productive systems developed from the beginning of the
twentieth century to the present day and how this agreement relates to the Fundamental Right to Decent Work. The article starts
with a concrete problem, which is identify if hiring people via platforms in the Digital Technology Economy represents or not a
break with the protective system of labor law and the fundamental right to decent work. The hypothesis is that the new produc-
tive models developed in the 21st century do not allow the construction of legal relations that respect the Fundamental Right to
Decent Work. The theoretical construction starts not only from legal doctrine, but also from the contributions of Business Admin-
istration, Economics, Information Technology, Sociology of Labor and Engineering. The methodology used is legal-sociological.
Keywords: Productive Systems. Fundamental Right to Decent Work. Hiring People. Digital Platforms.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende analisar como se dá a
contratação de trabalho nos sistemas produtivos Taylo-
rista, Fordista e Toyotista, bem como quer estabelecer
as diferenças entre a pactuação laborativa nesses mo-
delos e nas novas relações desenvolvidas na Economia
da Tecnologia Digital. As análises referentes à pactua-
ção de trabalho serão desenvolvidas para revelar se
cada modelo estudado permite afirmar ou negar o que
se compreende como Direito Fundamental ao Trabalho
digno.
O artigo parte, então, de um problema concreto,
que é identificar se a contratação de pessoas via plata-
formas na Economia da Tecnologia Digital representa
ou não ruptura com o sistema protetivo justrabalhista e
Sistemas Produtivos, Direito do Trabalho e Contratação de Pessoas Via Plataformas Digitais
Capítulo 10
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com o Direito Fundamental ao Trabalho Digno, o que se
fará tendo por referência a doutrina de Gabriela Neves
Delgado sobre este tema.
A hipótese é que os novos modelos produtivos de-
senvolvidos no século XXI, ao contrário dos demais, não
permitem, estruturalmente, a construção de relações
jurídicas que respeitem o Direito fundamental ao traba-
lho digno. Para confirmar ou não a hipótese, o estudo
pretende identificar as características básicas do Direi-
to Fundamental ao Trabalho Digno e da contratação de
pessoas na Economia da Tecnologia Digital.
A construção teórica parte não só da doutrina ju-
rídica, e em especial do Direito do Trabalho, mas tam-
bém e em alguns pontos principalmente, das contribui-
ções da Administração de Empresas, da Economia, da
Tecnologia da Informação, da Sociologia do Trabalho e
da Engenharia.
Para que seja possível concretizar o que está pro-
posto, o artigo se estrutura em dois itens. O primeiro
repassa as construções teóricas em torno dos principais
sistemas produtivos do século XX em sua relação com
o Estado, com o Direito do Trabalho e com o Direito
fundamental ao trabalho digno. Ao final desse item será
possível afirmar se o taylorismo, o fordismo e o toyotis-
mo são modelos que fomentam e suportam as ideias
básicas consolidadas em torno do Direito fundamental
ao trabalho digno. O segundo item estuda as novas es-
tratégias produtivas no que diz respeito especificamen-
te à contratação de pessoas. Afirme-se, desde já, que há
uma escolha pela utilização do termo “contratação de
pessoas” em detrimento da clássica e consolidada ex-
pressão “contratação de trabalho”. Importante anteci-
par que tal denominação não deve gerar confusão em
torno do tema da terceirização. Fato é que as platafor-
mas digitais, para negar direitos trabalhistas, optaram
por negar também que sejam contratantes de trabalho.
Já não negam simplesmente, como outros modelos em
outros tempos, o vínculo empregatício. Negam a pró-
pria relação de trabalho. Por isso a escolha no segundo
item e em todo o texto.
Ao final do presente artigo será possível responder
ao problema que norteia a pesquisa, que é saber se a
contratação de pessoas via plataformas digitais, nessa
nova Economia da Tecnologia Digital, representa ou
(2) DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006.
(3) “O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as
condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a au-
tonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá
espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.” SARLET,
Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
p.67-68.
não ruptura com o sistema protetivo justrabalhista e
com o Direito Fundamental ao Trabalho Digno.
2. SISTEMAS PRODUTIVOS E SUA RELAÇÃO COM
O ESTADO, COM O DIREITO DO TRABALHO
E COM O DIREITO FUNDAMENTAL AO
TRABALHO DIGNO
Historicamente, a Administração de Empresas cons-
truiu e consolidou sistemas ou modelos produtivos que
melhor organizassem a força de trabalho, sempre com
o objetivo de redução de custos e ampliação de lucros.
A Sociologia do Trabalho estuda, compreende e expli-
ca como tais modelos produtivos impactam o trabalho
e a classe-que-vive-do-trabalho. Normalmente em um
terceiro momento o Direito do Trabalho apreende tais
sistemas produtivos e sofre seus impactos pela via da
regulação heterônoma estatal e da jurisprudência. Há,
então, íntima relação entre Administração de Empre-
sas e Direito do Trabalho, com importante mediação,
para melhor compreensão, das ferramentas da Sociolo-
gia. Necessário compreender como essa relação se dá
atualmente, especificamente em relação à contratação
de trabalho via plataformas digitais. Antes, porém, será
interessante traçar um panorama mais amplo da rela-
ção capital-trabalho, em perspectiva histórica, política,
jurídica e sociológica, especificamente no que concer-
ne ao Direito fundamental ao trabalho digno. O propó-
sito aqui é tentar compreender se modelos produtivos
específicos permitem ou rechaçam, em tese, a ideia de
trabalho digno, o que se fará com base na obra de Ga-
briela Neves Delgado.(2)
2.1. Direito Fundamental ao Trabalho Digno
A ideia básica de Direito Fundamental ao Trabalho
Digno parece combinar direito fundamental ao traba-
lho com dignidade da pessoa humana(3). Nesse sentido
pouco faz o capital ou o empregador quando apenas
permite ao homem trabalhar e produzir. Na mesma li-
nha não deve o Estado determinar que o trabalhador
escolha entre ter trabalho e ter direitos. Cumpre sua
função o capital quando além de proporcionar trabalho,
que é necessário para gerar lucros, o faz reconhecendo
no homem que trabalha a sua dignidade de pessoa. O

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