A tutela jurídica do crowdwork e do trabalho on-demand no direito brasileiro: o direito fundamental ao trabalho digno como matriz epicentral do direito do trabalho

AutorCláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto e Helena Emerick Abaurre
Ocupação do AutorProfessor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)/Procuradora do Trabalho. Doutora em Autonomia Individual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma II/Graduanda do Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Páginas165-181
CAPÍTULO 12
(1) Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-Doutorando em Direito na Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Doutor em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Coordenador
do Grupo de Pesquisa Trabalho, Seguridade Social e Processo: diálogos e críticas (UFES/CNPq). Pesquisador integrante dos Grupos de Pes-
quisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPq) e Relações de Trabalho na Contemporaneidade (UFBA/CNPq). Membro da RENAPEDTS
e da RETRABALHO. Membro do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais (ICJS). Pesquisador. Autor de livros e artigos publicados no Brasil e no
Exterior. Advogado.
(2) Procuradora do Trabalho. Doutora em Autonomia Individual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito do
Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela
Universidade de Roma II. Professora Convidada do Mestrado em Direito do Trabalho da Universidad Externado de Colombia, em Bogotá, e da
Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do Instituto de Ciências Jurídicas e
Sociais (ICJS). Pesquisadora. Autora de livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior.
(3) Graduanda do Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho,
Seguridade Social e Processo: diálogos e críticas (UFES/CNPq).
A Tutela Jurídica do Crowdwork e do Trabalho
On-demand no Direito Brasileiro:
O Direito Fundamental ao Trabalho Digno como
Matriz Epicentral do Direito do Trabalho
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA
(1)
LORENA VASCONCELOS PORTO
(2)
HELENA EMERICK ABAURRE
(3)
Resumo: O mundo e o ser humano sempre estiveram, estão e sempre estarão em constantes transformações: vivemos uma reali-
dade dinâmica na qual a única constante é a mudança. Atualmente, essa situação para muitos é intitulada de era da pós-verdade,
inserida no bojo da hipermodernidade. E, como o trabalho é a atividade que o homem mais realiza ao longo de sua trajetória,
sendo indissociável do seu próprio ser – para Hegel seria o que interliga o sujeito ao mundo – é essencial a reflexão sobre o labor
humano, que, por sua vez, está sujeito àquelas transformações e, ao mesmo tempo, também as sujeita, sendo ora causa e ora efei-
to. Sabe-se que o objeto nuclear do Direito do Trabalho é a relação de emprego, composta pela existência dos elementos fáticos-
-jurídicos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Entre eles, destaca-se a subordinação, por muitos denominada de pedra de toque.
Pensar o Direito do Trabalho somente com base nas 1ª, 2ª e 3ª Revoluções Industriais revela-se dissonante dos moldes do trabalho
na contemporaneidade. Atualmente, a sociedade vivencia a 4ª Revolução Industrial, pautada pela Indústria 4.0. Esta, por sua vez,
é caracterizada pela cyberização, algoritmos, plataformas, robotização, inteligência artificial, discriminação genética e até mesmo
implementação de chips em trabalhadores. Nesse contexto, o labor ganha novos contornos, fazendo emergir duas modalidades
de trabalho por meio de plataformas: o crowdwork e o trabalho on-demand. Isso ocasiona alteração na própria ontologia e na
morfologia da relação de emprego tradicional regulamentada pelo Direito do Trabalho. Diante dessa nova conjuntura, elenca-se
como problemática epicentral: qual a função do Direito do Trabalho diante da realidade brasileira que consegue misturar, em uma
mesma empresa, todas as quatro Revoluções Industriais? Qual o papel dos tribunais e dos intérpretes trabalhistas brasileiros? Para
responder a tais questionamentos, utiliza-se a metodologia qualitativa, na perspectiva dedutiva, consubstanciada na doutrina e
na jurisprudência. A hipótese a ser testada será a utilização da dependência econômica como elemento principal para a caracte-
rização do vínculo empregatício.
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Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI – Vol. III
Gabriela Neves Delgado
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Crowdwork. Indústria 4.0. Trabalho on-demand. Dependência.
Abstract: The world and the human being have always been, are and always will be in constant transformation: we live a dynamic
reality in which the only constant is change. This situation for many today is called the post-truth era, embedded in the bulge of
hypermodernity. And, as work is the activity that man performs most along his trajectory, being inseparable from his own be-
ing – for Hegel would be what interconnects the subject to the world – it is essential to reflect on human labour, which, in turn, is
subject to these transformations and, at the same time, also subject them, being both cause and effect. It is known that the core
object of Labour Law is the employment relationship, composed by the existence of the factual-legal elements provided for in
arts. 2nd and 3rd of the CLT. Among them, there is the subordination, called by many as touchstone. Thinking about Labour Law
only on the basis of the 1st, 2nd and 3rd Industrial Revolutions turns out to be in disagreement with contemporary work patterns.
Currently, society is experiencing the 4th Industrial Revolution, based on Industry 4.0. This, in turn, is characterized by cyberization,
algorithms, platforms, robotization, artificial intelligence, genetic discrimination and even implementation of chips in workers. In
this context, labour gains new contours, giving rise to two working modalities through platforms: crowdwork and work on-de-
mand. This causes a change in the ontology itself and in the morphology of the traditional employment relationship regulated
by Labour Law. In view of this new conjuncture, the following are epicentral problems: what is the function of Labour Law in face
of the Brazilian reality that can mix, in one company, all four industrial revolutions? What is the role of the Brazilian labour courts
and interpreters? To answer such questions, we use the qualitative methodology, from the deductive perspective, embodied in
doctrine and jurisprudence. The hypothesis to be tested will be the use of economic dependence as the main element to char-
acterize the employment relationship.
Keywords: Labour Law. Crowdwork. Industry 4.0. Work on-demand; Dependence.
“Eu vejo o futuro repetir o passado.
Eu vejo um museu de grandes novidades.
O tempo não para”.
(Cazuza. O Tempo Não Para.)
1. INTRODUÇÃO
A necessidade é uma constante na vida humana.
Mais do que os sentimentos e do que as relações in-
terpessoais, é ela que determina o modo de ser e de
agir dos indivíduos em sociedade, o que, por seu turno,
enseja as transformações. Não obstante, do homem
pré-histórico neandertal ao Homo sapiens, a forma pela
qual o ser humano satisfaz as suas necessidades em
muito foi alterada. Se nos primórdios da civilização, na
busca pela sobrevivência, a prática coletora e o noma-
dismo permitiram ao homem viver da caça e da pesca,
quando são introduzidas práticas consumeristas, passa-
-se a utilizar a mão de obra do próprio ser humano para
a satisfação, não só das necessidades, mas majoritaria-
mente dos desejos de outros igualmente humanos, o
que se torna, infelizmente, a premissa básica do labor.
Séculos (de evolução ou de retrocesso) nos levam
até o presente momento da vivência da 4ª Revolução
Industrial, fazendo com o que o trabalho morto ganhe
cada vez mais espaço, diminuindo a importância do la-
bor vivo no mundo do trabalho. E assim, mesmo que de
maneira paulatina e até mesmo disfarçada de supos-
tos avanços, o homem vai perdendo lugar no mercado
para a máquina que ele mesmo criou: a máquina, criada
para potencializar a humanidade, começa a apresentar
indícios de deturpação. Neste cenário, indaga-se: o tra-
balho hoje em dia é uma atividade exclusivamente hu-
mana? Qual o futuro do trabalho? Como será o mundo
do trabalho em tempos em que o trabalho vivo perde
cada vez mais espaço para o trabalho morto?
Sabe-se que na sociedade hipermoderna a satisfa-
ção humana alcançada por meio do consumo é a mola
propulsora da gig economy e da uberização. Isso signi-
fica dizer que a economia é baseada em serviços cada
vez mais personalizados, em busca de uma maior ade-
quação da produção às especificidades desejadas pela
clientela. Se antes bastava produzir para vender, hoje
em dia é necessário que o produto seja parecido com o
cliente, sendo possível ao próprio cliente personalizar
o bem. O cliente precisa se reconhecer no produto e, a
partir dele, pertencer a determinado nicho de amiza-
de, afinal, consumir é pertencer a um grupo. Se antes
trabalhava-se e, a partir do salário, estimava-se o consu-
mo, atualmente consome-se, endivida-se e calcula-se o
tanto que será necessário trabalhar para pagar aqueles
débitos contraídos.
O ritmo em que as tecnologias são desenvolvidas e
absorvidas nas modalidades do labor humano é desen-
freado na mesma medida em que o consumo o é. É a
prática consumerista que dita o caminhar da economia,

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