Para além das fronteiras tradicionais da usucapião: a aquisição extrajudicial de direitos reais, do imóvel do cônjuge abandonado e de terras devolutas

AutorCássio Monteiro Rodrigues
Páginas117-150
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PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS TRADICIONAIS DA
USUCAPIÃO: A AQUISIÇÃO EXTRAJUDICIAL DE
DIREITOS REAIS, DO IMÓVEL DO CÔNJUGE
ABANDONADO E DE TERRAS DEVOLUTAS
Cássio Monteiro Rodrigues
Sumário Introdução 1 Análise do instituto da usucapião, seu
merecimento de tutela e desjudicialização 2 Usucapião extrajudicial:
requisitos, procedimento junto ao RGI e suas controvérsias 3 Para além
das fronteiras tradicionais do instituto: a possibilidade de usucapião
extrajudicial de terras devolutas, de direitos reais e de imóvel do cônjuge
abandonado 4 Conclusão Referências bibliográficas.
Resumo: O presente artigo procura analisar o novo procedimento de
reconhecimento da prescrição aquisitiva admitido no ordenamento jurídico
brasileiro, a usucapião extrajudicial. Introduzida no ordenamento pátrio em
2015, por meio da Lei nº 13.105/15, que alterou a Lei de Registros Públicos,
traduz-se em importante instrumento de acesso à propriedade e realização
da função social consagrada na Carta Magna brasileira, prescindindo da
obrigatoriedade de declaração jurisdicional. Por ser modo originário de
aquisição de direitos reais, a usucapião sempre gerou fortes debates na
doutrina e jurisprudência. Portanto, fundamental que seja realizado estudo
criterioso sobre o merecimento de tutela dessa nova forma de aquisição real,
seus requisitos e procedimento, bem como do papel de destaque dado ao
Tabelião, já que tudo agora ocorrerá no próprio Registro Geral de Imóveis
em que está matriculado o bem objeto de usucapião, caso não haja oposição
de outros interessados. Por fim, cabe indagar quais são os limites objetivos
do instituto e se é possível sua utilização para as mais diversas situações
jurídicas reais, mesmo diante de suas complexidades, inerentes, inclusive, a
outros ramos do direito, como, por exemplo, os direitos de família,
ambiental e administrativo, motivo pelo qual será avaliado o seu cabimento
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nas hipóteses de terras devolutas, de direitos reais sobre coisa alheia e de
imóvel do cônjuge abandonado.
Palavras-chave: 1. Usucapião extrajudicial. 2. Função social da
propriedade. 3. Desjudicialização. 4. Registro Geral de Imóveis. 5. Terras
devolutas.
1. INTRODUÇÃO
A usucapião, sem dúvida, é o instrumento do ordenamento jurídico
onde a função social da propriedade e posse se manifesta com maior
evidência.1 Conforme explica o Min. Luiz Edson Fachin, é instituto que
traduz sanção à inércia proprietária e prolongada que, quando estiver
associada à posse ad usucapionem do possuidor, implica em condição
resolutiva da propriedade, em sentido amplo.2
De modo que, à luz da função social e autonomia da posse, o
instituto permite que a situação fática da posse qualificada (sem oposição e
prolongada por certo período de tempo previsto na lei), seja tornada em
outra jurídica, a saber, a propriedade ou algum direito real sobre coisa
alheia.3 Diversos estudos e alterações legislativas ocorrem frequentemente
sobre o tema. A mais recente e relevante foi instituída pelo artigo 1.071 do
Código de Processo Civil (“CPC”), qual seja, a usucapião extrajudicial. Tal
inovação denota grande mecanismo de regularização imobiliária e
simplificação de demandas, para além da seara judicial, a ocorrer junto ao
Cartório do Registro Geral de Imóveis da comarca em que o imóvel
usucapiendo esteja situado.
A introdução da possibilidade extrajudicial, com vistas a consignar
maior acesso à justiça e celeridade, também está regulada pela inclusão do
1 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propr iedade contemporânea . Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 1988. p. 13.
2 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a pr opriedade contemporânea , cit., p.
36.
3 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
103.
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art. 216-A, na Lei de Registros Públicos (“LRP”) e denota um procedimento
próprio, com menos formalidades do que o judicial, associada à segurança
jurídica, a permitir que se proceda o reconhecimento da usucapião, como se
demonstrará.
Contudo, foi após recente alteração legislativa, pela Lei
13.465/17, que o instituto foi alçado a outro patamar em relação à
efetividade de seu procedimento, já que a controvérsia acerca do silêncio
dos interessados foi solucionada, passando este a valer como concordância
com o requerimento de reconhecimento da usucapião.
Apesar de recente, o instituto passa por alterações e
aperfeiçoamento. Importa, então, analisar como se o procedimento da
usucapião extrajudicial, seus requisitos e novas disposições, para saber se a
tão buscada efetividade, na realização de importante função social, será
atingida.
Por fim, também se buscará avaliar os limites objetivos da usucapião
extrajudicial, no tocante à sua amplitude, a descortinar seu cabimento com
relação à certas situações corriqueiras no mundo jurídico, quais sejam, o
pedido de reconhecimento da usucapião de outros direitos reais, do imóvel
do cônjuge/companheiro abandonado e, ainda, de terras devolutas.
2. ANÁLISE DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO, SEU
MERECIMENTO DE TUTELA E DESJUDICIALIZAÇÃO
A usucapião,4 como instituto jurídico, configura forma origináriade
aquisição da propriedade5 6 de bens imóveis ou móveis e de outros direitos
4 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Coisas. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 121. Para o autor, “a
usucapião é o modo de aquisição originária da coisa imóvel em virtude da poss e contínua
de alguém no tempo estabelecido em lei”.
5 Deve-se ressaltar, porém, que há posição doutrinária que, ainda que de minoritariamente,
entende tratar a usucapião de hipótese de aquisição derivada do domínio, pois o bem seria
titularizado pre viamente por outrem e, assim, haveria somente modificação subjetiva na
relação jurídica. Nesse sentido, veja-se PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de
direito civil. 20. ed. atual. Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense,
2009. vol. 4., p. 118.
6 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Reconhecimento extrajudicial da usucapião e o
novo Código de Processo Civil. Revista de Process o, v. 259, Set/2016. São Paulo: Revista
dos Tribunais, p. 371-402.

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