Novas tecnologias e direitos reais: virada hermenêutica e possibilidades entre Blockchain e smart cities

AutorDiego Carvalho Machado
Páginas97-115
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NOVAS TECNOLOGIAS E DIREITOS REAIS: VIRADA
HERMENÊUTICA E POSSIBILIDADES ENTRE
BLOCKCHAIN E SMART CITIES
Diego Carvalho Machado
Sumário: 1 Introdução 2 Novas tecnologias e Direitos Reais:
neodogmatismo fraco e mudança de perspectiva 3 Avanço das tecnologias
informáticas no âmbito dos Direitos Reais 4 Considerações finais.
Resumo: Não obstante pouco influenciado pelas transformações
advenientes do avanços tecnológicos pós-industriais, o Direito das Coisas e
suas categorias jurídicas a propriedade privada, em especial são
aplicadas pelo intérprete para solucionar questões jurídicas hodiernas
ensejadas pelo desenvolvimento técnico-científico, porém numa censurável
postura de superutilização da tutela jurídica proprietária. Blockchain e smart
cities são novas tecnologias da informação e da comunicação que
possibilitam uma hermenêutica adequada e comprometida com a realização
dos interesses merecedores de tutela na área de interface entre Direitos Reais
e novas tecnologias.
Palavras-chave: Desenvolvimento tecnológico; Direito de propriedade;
Blockchain; Cidades inteligentes.
1. INTRODUÇÃO
Os Direitos Reais conformam, muito provavelmente, uma das áreas
do Direito em que as tecnologias informáticas e biomédicas, desenvolvidas
em proporção exponencial desde meados do século passado até então, têm
menor taxa de penetração e reverberação. No Direito Civil, as discussões a
respeito da tutela jurídica de interesses existenciais e patrimoniais
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advenientes de transformações sociais, econômicas e culturais implicadas
ao desenvolvimento científico e tecnológico se acomodam principalmente
no âmbito da responsabilidade civil, teoria dos direitos da personalidade,
teoria do contrato e direito das famílias.
As inovações tecnológicas (da informação e da comunicação,
principalmente) são, na verdade, bastante prolíferas em suas repercussões
no contexto maior da teoria dos bens em que o Direito das Coisas se insere,
onde programas de computador (softwares), know-how e direitos de autor,
por exemplo, surgem como bens imateriais com função de utilidade, seja
com valor de troca ou com valor de uso1. Não obstante alguns desses novos
bens possuírem regime semelhante ao do direito (comum) das coisas, deve
se ressaltar que, dada sua incorporeidade, não podem ser objeto de direito
real2.
1 Sobre a superação da tradicional visão que irrogava ao bem jurídico os elementos
caracterizadores da economicidade, utilidade, susceptibilidade de apropriação,
limitabilidade e exterioridade, Simone Eberle propõe: “Em síntese, para o Direito
contemporâneo, postas de lado as características da suscetibilidade de a propriaçã o, da
limitabilidade e da exterior idade, para que uma realidade ontológica seja considerada bem,
importa que tenha algum valor, isto é, seja reputado juridicamente relevante por seu valor
exclusivamente de uso ou de troca ou de ambos conjugados. Logo, não será bem aquilo que
seja inservível ao homem, tal como um grão de areia, uma folha caída ou uma carcaça de
peixe arrojada à praia. Não influem nessa caracterização, a tangibilidade, a dimensão ou
mesmo a obsolescência do bem, como, a contrario sensu, evidenciam, respectivamente, as
energias, a pepita de metal precioso e a sucata.” (EBERLE, Simone. Novos bens para novos
tempos: por uma teoria coerente e unificada dos bens. In: TEIXEIRA, Ana Carolina
Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Coords.). Manual de teoria ger al do dir eito
civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 509). Sobre o assunto, vide também :
PERLINGIERI, Pietro. Manuale di dir itto civile. Nápoles: ESI, 1997, p. 170-172.
2 Nas palavras de Luciano de Camargo Penteado: “O Direito das Coisas cuida de realidades
ordinárias de apropriação, quer são aquelas em que o bem é corpóreo ou que se possa tratar
como tal (por ser muito determinado). Daí que seja um direito comum, dotado de
generalidade e extensão para este tipo de bens. o Direito da Propriedade deveria
contemplar o estudo de outros processos de exclusividade da titularidade, como é o caso
dos direitos de autoria, da propriedade industrial. Estas disciplinas, entretanto, adquirem um
regime próprio e específico, não passível de recondução ao regime real. Daí que apropriar-
se de bens é realidade de ius commune, inventar criação estética ou para emprego em
empresa é ius speciale e como tal deve ser regulada. Os direitos de autor não são direitos
reais nem direitos regulados pelo Livro III do Código [Civil] em vigor. Mesmo que se possa,
em alguns casos, se aplicar por analogia ou interpretação extensiva algumas destas regras,
não significa que a essência destes direitos seja coextensiva” (PENTEADO, Luciano de
Camargo. Direito das Coisas. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 59). Para Orlando Gomes a corporeidade não é conatural às situações jurídicas de

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