Notas sobre o princípio da concentração na matrícula imobiliária e a posição do terceiro adquirente de boa-fé

AutorRafael Cândido da Silva
Páginas501-528
501
NOTAS SOBRE O PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO NA
MATRÍCULA IMOBILIÁRIA E A POSIÇÃO DO
TERCEIRO ADQUIRENTE DE BOA-
Rafael Cândido da Silva
Resumo: O sistema registral brasileiro sofreu sensível modificação em
alguns de seus caracteres fundantes a partir da Lei n. 13.097/2015. Nem tão
noticiado e difundido na comunidade jurídica, o art. 54 da lei em referência
buscou conferir maior segurança jurídica ao tráfego negocial. Por outro
lado, a alteração, pouco notada entre os operadores do direito, remeteu à
legislação extravagante e não específica a disciplina de importante matéria,
forçando a lacuna dodigo Civil. Como consequência do despercebido,
embora relevante regramento legal, vislumbra-se a pouca atenção (quando
não omissão) da doutrina e da jurisprudência, ignorando as repercussões do
assim denominado princípio da concentração (dos atos) na matrícula
imobiliária. O quadro legislativo atual exige reflexões em torno alcance da
proteção da boa- do terceiro adquirente de direito real, notadamente nos
casos de venda a non domino e, de maneira geral, de nulidade do registro.
Além desse confronto, pertinente a análise das repercussões em outros
institutos de direito civil, caso da usucapião tabular, e do fortalecimento da
propriedade aparente.
Sumário: 1. Introdução. 2. Sistemas de registro de imóveis. 3. O regime
registral de acordo com Código Civil de 2002. 4. A proteção conferida ao
terceiro de boa- adquirente de direito real. 5. Repercussões do art. 54 da
Lei n. 13.097/2015. 5.1. O esvaziamento da usucapião tabular. 5.2.
Fortalecimento do efeito material do registro: a pública registral, a tutela
da confiança e a propriedade aparente. 6. Notas conclusivas e outras
reflexões. 7. Referências.
502
1. INTRODUÇÃO
Em 14 de maio de 2019, o Superior Tribunal de Justiça julgou caso
de venda a non domino em que o imóvel dos autores da ação fora alienado
a adquirentes de boa- mediante escritura pública de compra lastreada em
procuração fraudulenta, seguida do registro no competente cartório de
Registro de Imóveis. Os réus da ação tiveram a sua situação jurídica
proprietária questionada, motivo pelo qual os verdadeiros proprietários
ajuizaram Ação de Nulidade de Ato Registral por meio da qual se pleiteou,
com êxito, a nulidade do contrato translativo de domínio (escritura pública
de compra e venda) e a consequente nulidade do registro, na forma do que
preconiza o art. 1.246 do Código Civil.
A Corte Superior, por unanimidade de votos e na trilha da
jurisprudência firmada em casos análogos, decidiu pela manutenção do
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, cuja
conclusão havia sido a nulidade absoluta do negócio jurídico subjacente,
consignando a imprescritibilidade da pretensão deduzida pelos autores da
ação. Eis o inteiro teor da ementa do acórdão do STJ:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE
NULIDADE DE ATO REGISTRAL. VENDA "A
NON DOMINO". CELEBRAÇÃO DE COMPRA E
VENDA DE IMÓVEL COM BASE EM
PROCURAÇÃO COM QUALIFICAÇÃO ERRÔNEA
DOS OUTORGANTES. NEGLIGÊNCIA DO
CARTÓRIO. FRAUDE.
1. Polêmica em torno da existência, validade e eficácia
de escritura pública de compra e venda do imóvel dos
demandantes, lavrada em Tabelionato por terceiros que
atuaram como vendedores com base em procuração
pública também fraudada, constando, inclusive, dados
errôneos na qualificação dos outorgantes, efetivos
proprietários, como reconhecido pelas instâncias de
origem.
2. Deficiente a fundamentação do recurso especial em
que a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC/73 se faz
de forma genérica, não havendo a demonstração clara
dos pontos do acórdão que se apresentam omissos,
contraditórios ou obscuros, senão a pretensão de que

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT