Shopping centers: estrutura jurídica e aspectos controvertidos em torno das cláusulas de raio

AutorRodrigo Freitas
Páginas195-237
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SHOPPING CENTERS: ESTRUTURA JURÍDICA E
ASPECTOS CONTROVERTIDOS EM TORNO DAS
CLÁUSULAS DE RAIO
Rodrigo Freitas
Sumário: 1. Entre o lugar e o não lugar nos shopping centers. 2. Aspectos
jurídicos da estrutura dos shopping centers. 2.1. Principais cláusulas
contratuais na relação lojista-empreendedor. 3. As cláusulas de raio no
contexto do direito concorrencial: subsídios para o aprofundamento do
estudo. 4. Origem, racionalidade e controvérsias sobre as cláusulas de raio
nos shopping centers. 5. Referências bibliográficas.
Resumo: O presente artigo procura examinar as peculiaridades da estrutura
jurídica dos shopping centers e as controvérsias em torno das denominadas
cláusulas de raio. De início, constata-se que tais empreendimentos se
caracterizam pela unidade oriunda do Tenant Mix e pela necessidade de
constante cooperação entre empreendedor e lojistas, ao objetivo de
maximização dos lucros do empreendimento. Com base nesta realidade,
passa-se à análise da cláusula de raio e das razões que a justificam. Observa-
se que as restrições à liberdade de competição provocadas pela cláusula de
raio fundamenta-se na necessidade de se garantir a unidade própria dos
shopping centers, essencial à sua sobrevivência, o que não afasta, contudo,
o controle de merecimento de tutela sobre tal disposição.
Palavras-chave: Shopping center, cláusula de raio, liberdade
concorrencial, merecimento de tutela.
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1. ENTRE O LUGAR E O NÃO LUGAR NOS SHOPPING
CENTERS
Aborda-se no presente estudo a problemática concernente às
cláusulas de raio inseridas em contratos de shopping centers. Consistem
tais disposições em restrições ao exercício da atividade empresarial,
usualmente direcionadas ao lojista, com a finalidade de que este não explore
atividade similar àquela desenvolvida no centro comercial, dentro de certo
raio de distância do imóvel.
O debate ganha contornos de extrema relevância por duas razões
fulcrais. Sob um primeiro aspecto, o problema diz com a necessidade de
compatibilização jurídica entre a autonomia negocial das partes contraentes,
de um lado, e a livre iniciativa e livre concorrência, de outro. Na direção
que ora se propõe, resume-se a questão da seguinte maneira: se, por um lado,
não se pode conceber o exercício do ato de autonomia como verdadeiro
algoz da liberdade econômica, por outro, parece descabida a argumentação
de que qualquer restrição ao exercício da atividade de empresa, consolidada
em instrumento contratual, traduziria violação ao direito concorrencial.
Nesta sede, observa-se que o legislador infraconstitucional concede
à autonomia negocial índices de extrema amplitude, prevalecendo, como
regra geral, as condições livremente pactuadas nos contratos celebrados.
Salvo poucas regras específicas presentes na Lei 8.245/91, não há, no
ordenamento jurídico brasileiro, maiores disposições sobre as relações
jurídicas atinentes aos shopping centers.1 Importante se mostra, portanto, o
desenvolvimento de estudos específicos sobre o tema, que auxiliem o
1 A Lei de locações faz referência aos shopping centers somente nos seus arts. 52 e 54: “Art.
52, §2º. Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a
renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo; Art. 54. Nas relações entre
lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente
pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas
nesta lei. §1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center: a) as
despesas referidas nas alíneas a , b e d do parágrafo único do art. 22; e b) as despesas com
obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial
descritivo da data do habite - se e obras de paisagismo nas partes de uso comum. §2º As
despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência
ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por
si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas”.
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intérprete a conformar adequadamente os diferentes interesses subjacentes
no caso prático, em prol da unidade do sistema conferida pelos valores
constitucionais.2
Sob um segundo aspecto, a importância e atualidade do debate
reluzem no seio social. Como se pode antever, a organização destes grandes
centros comerciais traduz atividade empresarial muito comum no cenário
nacional. A Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE)3
possui 571 centros comerciais associados, havendo, ainda, 23 a inaugurar
em 2018, o que configura uma área bruta locável de mais de 15 milhões de
metros quadrados. Cuida-se de ramo que gera mais de um milhão de
empregos no Brasil e cujo faturamento, em 2017, ultrapassou os 167 bilhões
de reais.4
Dentre outros fatores, que serão analisados com mais vagar ao longo
do presente trabalho, o sucesso destes grandes polos empresariais deveu-se
muito à comodidade que seu ambiente oferece aos frequentadores. Trata-se
de espaço que destoa dos ambientes urbanos contemporâneos. Por
2BASÍLIO, João Augusto. Shopping centers. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 41; V. tb.:
"A implantação dos shoppin g centers nas grandes cidades brasileiras antecipou-se a
qualquer regulamentação legal de seu funcionamento, exceção apenas às normas urbanas e
edilícias que regem a concepção arquitetônica, sua operacionalização técnica e a segurança
dos usuários. Permanecem, porém, desguarnecidas de qualquer disciplina legal específica
as relações que se estabelecem entre o empresário criador do shopping center e os lojistas,
ou seja, os que se instalam nos compartimentos isolados para o exercício dos diversificados
remos de comércio que compõem o conglomerado comercial. Suprimindo a "lacuna legis",
mas atendendo às peculiaridades do sistema do shopping, seu empreendedor e os lojistas
acabaram por estabelecer normas internas para regular a utilização das lojas e do complexo
mercadológico" (FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Ação Renovatória e Ação
Revisional de Aluguel. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 123).
3 Destaca-se que o Es tatuto dessa Associação, no artigo 5º, estabelece que “podem ser
associados os empreendedores, os investidores e os gestores de Shoppings Associados,
devendo o pedido de associação ser feito mediante requerimento escrito a ser encaminhado
ao Diretor Presidente da ABRASCE”. Ainda, consoante o parágrafo único do referido
dispositivo, “perde, automati camente, a condição de ass ociado da ABRASCE o
empreendedor, investidor ou gestor que se desvincular do Shopping Associado que tenha
servido de base para a sua associação, ou se dito Shopping Associado deixar de fazer jus ao
Selo ABRASCE, salvo se o empreendedor, investidor ou gestor permanecer vinculado a
outro Shopping Associado". Disponível em: http://www.abrasce.com.br/sobre-a-
abrasce/Estatuto%20e%20%C3%89tica, acesso em: 17.07.2017. ABRASCE. Estatuto e
ética.
4 ABRASCE. Números do s etor. Atualizado em 04.05.2018. Disponível em:
https://www.abrasce.com.br/monitoramento/numeros-do-setor, acesso em 05.06.2018.

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