Notas sobre a extinção unilateral das promessas de compra e venda de unidades imobiliárias por consumidores à luz da Lei nº. 13.786/2018

AutorFrancisco de Assis Viégas e João Quinelato de Queiroz
Páginas365-410
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NOTAS SOBRE A EXTINÇÃO UNILATERAL DAS
PROMESSAS DE COMPRA E VENDA DE UNIDADES
IMOBILIÁRIAS POR CONSUMIDORES À LUZ DA
LEI Nº. 13.786/2018
Francisco de Assis Viégas
João Quinelato de Queiroz
Sumário. Introdução. 1. A promessa de compra e venda: notas sobre
natureza e função. 2. Resolução por inadimplemento, rescisão, distrato e
resilição unilateral: qual é o direito consagrado no art. 67-A da Lei nº.
4.591/1964 e por que isso importa? 3. A retenção pelo incorporador de
valores pagos pelo comprador. 4. Aspectos temporais da Lei 13.786/2018:
aplicabilidade aos contratos anteriores ou posteriores à sua vigência? 5.
Síntese Conclusiva. Referências.
Resumo: Diante do impasse entre a pretensão do promissário comprador de
se desvincular das obrigações que não mais possui condições de adimplir e
o legítimo interesse do promitente vendedor de que sejam observadas as
disposições contratuais, o presente trabalho analisa a extinção unilateral das
promessas de compra e venda de unidades imobiliárias por consumidores,
levando em conta a Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato) sem descuidar da
revisão crítica da matéria à luz da jurisprudência do STJ e do TJRJ.
Palavras-chave: Contratos; Promessa de Compra e Venda: Lei do Distrato.
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INTRODUÇÃO
O período compreendido entre o primeiro trimestre de 2015 e o
quarto trimestre de 2016 foi marcado por expressiva retração no
crescimento econômico brasileiro.1 O impacto da crise econômica no
mercado imobiliário foi vigoroso, conforme demonstram os Dados do
Sindicato da Habitação de São Paulo (SECOVI-SP). Em 2018, pelo segundo
ano consecutivo, os valores dos financiamentos imobiliários concedidos
pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) registraram
queda. O total financiado em 2016 foi de R$ 46,6 bilhões e, em comparação
com ano anterior (R$ 75,6 bilhões), registrou redução nominal de 38,3%.
Em 2017, foram financiados R$ 43,1 bilhões. Segundo o sindicato, a queda
dos financiamentos pode ser explicada, em grande medida, pelos
acontecimentos nos cenários político e econômico durante 2015 e 2016,
dentre os quais parca atividade econômica, inflação acima do teto na maior
parte do ano, taxa de juros elevada, crescimento do desemprego, queda do
rendimento médio real das famílias e baixos índices de confiança.2
Esse cenário econômico repercutiu diretamente nas relações
jurídicas, o que se mostrou especialmente evidente nos contratos de
promessa de compra e venda de imóveis, cuja força vinculante vem sendo
posta à prova nos tribunais brasileiros, diante do impasse entre a pretensão
do promissário comprador de se desvincular das obrigações que não mais
possui condições de adimplir e o legítimo interesse do promitente vendedor
de que sejam observadas as disposições contratuais.
1 Do primeiro trimestre de 2015 até o quarto trimestre de 2016, o produto interno bruto
brasileiro apresentou queda de -2% a -5,90%, respectivamente, comparados aos trimestres
anteriores, segundo o IBGE. Observa-se crescimento do PIB a partir do primeiro trimestre
de 2017, com crescimento de 1,7% em relação ao trimestre anterior, seguidos de altas
trimestrais de 0,7% e 0,1% no terceiro trimestre de 2017. De acordo com boletim Focus de
5 de janeiro de 2018, a expectativa é de crescimento de 2,7% em 2018 e 3,0% em 2019. O
país parou de crescer: a taxa de crescimento do Brasil, em 2015, foi de -3,8% comparado ao
ano anterior, seguindo-se, em 2016, de -3,6% de crescimento, também segundo o IBGE.
Disponível em: http://series estatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=ST12. Acesso:
28.6.2017.
2 Anuário do Mercado Imobiliário 2016, elaborado pelo Sindicato da Habitação de São
Paulo (SECOVI-SP). Disponível em http://www.secovi.com.br/downloads/url/2149. Vide,
ainda, Anuário do Mercado Imobiliário 2017, da mesma instituição. Disponível em
http://www.secovi.com.br/downloads/url/2289. Último acesso em 31/12/2018.
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Com efeito, diversos consumidores passaram a ter dificuldades para
adimplir as parcelas de contratos de promessa de compra e venda de imóvel
anteriormente firmados, levando a uma enxurrada de pedidos de extinção
contratual por parte dos próprios consumidores. Os tribunais, instados a
solucionar o delicado impasse, consolidaram tendência jurisprudencial no
sentido de admitir o direito de o consumidor promover a extinção do
contrato independentemente de cláusula contratual autorizativa ou de
comprovação dos requisitos da resolução por onerosidade excessiva (CC,
art. 478).3
Como decorrência da construção jurisprudencial que passou a
garantir aos consumidores (promissários compradores) essa espécie de
direito à extinção do contrato de promessa de compra e venda, o foco do
debate nas cortes passou a ser apenas o percentual a ser retido pelo
promitente vendedor em virtude da “rescisão” do contrato. Nesse contexto,
com o propósito de conferir segurança jurídica às transações imobiliárias,
foi sancionada, em 27 de dezembro de 2018, a Lei 13.786/2018,
assegurando expressamente ao promissário comprador o direito formativo
extintivo do contrato, independentemente de motivação, nos termos do
artigo 67-A da Lei de Condomínios e Incorporações (Lei nº. 4.591/64).4
Em síntese, o novo dispositivo visa a garantir o direito à extinção
imotivada do contrato pelo promissário comprador mediante a retenção,
3 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
4 “Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o
incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do
adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao
incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção
monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente: (...) II a
pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia
paga. (...) § 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de
afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores
pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base
no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do
imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente
expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a
pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50%
(cinquenta por cento) da quantia paga”.

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