Aspectos materiais e registrais dos pactos antenupciais e escrituras de união estável no regime da separação de bens

AutorCarla Watanabe
Ocupação do AutorMestranda em Direito Constitucional pelo IDP. Especialista em Direito Tributário pela ESAF/MF e em Administração Pública pelo ISC/TCU. Tabeliã de Notas. Engenheira Mecânica pelo ITA, premiada pelo melhor desempenho acadêmico do curso.
Páginas123-142
ASPECTOS MATERIAIS E REGISTRAIS DOS PACTOS
ANTENUPCIAIS E ESCRITURAS DE UNIÃO ESTÁVEL
NO REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS
Carla Watanabe
Mestranda em Direito Constitucional pelo IDP. Especialista em Direito Tributário pela
ESAF/MF e em Administração Pública pelo ISC/TCU. Tabeliã de Notas. Engenheira
Mecânica pelo ITA, premiada pelo melhor desempenho acadêmico do curso.
Sumário: 1. Introdução – 2. O pacto antenupcial e o contrato de convivência – 3. Cláusulas no pacto
e no contrato de convivência – 4. Considerações nais – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O direito privado brasileiro, na contemporaneidade, tem na contratualização
das relações de família um fenômeno que se adequa ao reconhecimento do pluralis-
mo dos núcleos familiares. É a aplicação do princípio da liberdade,1 que franqueia a
cada um a escolha consciente de seus próprios projetos de vida, sem a interferência
estatal. Dessa forma, sem a imposição de estereótipos normativos, são reconhecidos
como válidos estatutos que privilegiem as mais diversas visões de felicidade.
A autonomia da vontade amparada na ordem constitucional de 1988 não é a
mesma dos códigos do Século XIX. Estes possuíam uma visão estritamente patrimo-
nialista das relações jurídicas,2 a tal ponto de reduzir a pessoa a um indivíduo insulado,
que nada mais era senão um ser abstrato, dotado apenas de razão e de vontade. Não
possuía sexo, raça, orientação sexual, posição socioeconômica ou origem. Exata-
mente por esse motivo, adequava-se perfeitamente ao padrão dominante: patriarcal,
sexista, europeu e proprietário.
Um dos principais limites para o exercício da autonomia da vontade agora se
encontra na proteção aos vulneráveis. Se antes era af‌irmada a plena liberdade nego-
cial, agora o indivíduo abstrato se depara com a tutela constitucional da dignidade
da pessoa humana como fronteira para suas ambições. Há, decerto, a necessidade de
aderência às normas estatais, mas agora elas não são o único marco, principalmente
1. O princípio da liberdade é amplo. Aplica-se quando da criação, manutenção e extinção de toda sorte de
núcleos familiares, que estão permanentemente se constituindo e reinventando (DIAS, Maria Berenice.
Manual de Direito das Famílias. Salvador: JusPodivm, 2020).
2. O caráter patrimonial do Código Civil de 1916 pode ser medido, segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, no Livro
de Direito de Família daquela lei. 151 artigos tratavam de conteúdo patrimonial, enquanto apenas 15 não
o faziam (LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. In: BITTAR, Carlos Alberto
(Coord.). O direito de família na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 64).
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CARLA WATANABE
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após a Emenda Constitucional 66, que deu às famílias a responsabilidade pelos seus
próprios rumos.
É neste contexto que se analisa o tema do pacto antenupcial, do contrato de
convivência e seus impactos sobre as famílias. Os nubentes e os companheiros são
tidos, por presunção, como ocupantes de posições paritárias, o que nem sempre é
uma verdade absoluta. O consagramento da hipótese de comunhão de vida do casal
pode acabar por obscurecer vulnerabilidades de um deles. Estas podem ser decor-
rentes da hipossuf‌iciência, ou de condições estruturais da sociedade, que perpetuam
desigualdades de gênero, raça, origem ou quaisquer outras fragilidades materiais.
Ao tabelião, todavia, cabe apenas o exame da cláusula do pacto antenupcial ou
da escritura de união estável sob a perspectiva de sua aderência às normas de ordem
pública.3 Além desse exame objetivo, sua missão se restringe a averiguar a manifes-
tação externa da vontade de cada indivíduo. Trata-se de um modelo de atuação que
remete à concepção oitocentista do direito privado, subordinada ao formalismo que
caracterizou aquele período.
A discrepância torna-se nítida ao se constatar que tanto o pacto, quanto o contrato
de união estável, admitem cláusulas não vinculadas ao regime de bens escolhido pelo
casal. Com efeito, esses instrumentos admitem cláusulas patrimoniais não vinculadas
ao regime de bens e, também, disposições existenciais.
A discussão sobre os limites da autonomia privada naqueles instrumentos, sua
tensão com as normas estatais, e o reconhecimento da tutela das vulnerabilidades,
atravessarão este texto. Sua adequação aos estreitos limites das normas de notas e
de registro permeará a análise.
2. O PACTO ANTENUPCIAL E O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
Cabe diferenciar brevemente a união estável do casamento. Eles se distinguem
quando das respectivas constituições. Enquanto o casamento é formalizado por um
ato jurídico solene, a união estável é um ato-fato jurídico.4 Independe de qualquer
formalidade prévia para sua formação.5 Ao contrário do matrimônio, sua existência
precede qualquer contrato que os companheiros eventualmente desejem acordar para
formalizar sua união. Mesmo que o casal decida caracterizar, em um determinado
momento, seu relacionamento como um simples namoro, vá a um tabelionato de notas
e faça uma declaração nesse sentido em escritura pública, a formalidade deve sempre
3. Código Civil, Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei.
4. Basta a simples existência da união estável no mundo real para gerar os efeitos previstos nas normas estatais,
daí dizer-se que é um fato jurídico que gera efeitos jurídicos (LÔBO, Paulo. A concepção da união estável
como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. In: MADALENO, Rolf; PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(Org.). Direito de Família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 101-116).
5. Fique claro que a intenção de formar família é elemento constitutivo da união estável, no seu aspecto subje-
tivo. Apenas inexiste uma manifestação expressa da vontade dos companheiros nesse sentido, ao contrário
do que ocorre no matrimônio.
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