O regime de separação convencional de bens e o resp 1.472.945/RJ: análise de caso

AutorRicardo Villas Bôas Cueva e Fernanda Mathias de Souza Garcia
Ocupação do AutorDoutor pela Universidade de Frankfurt (Alemanha). Mestre pela Universidade de Harvard (Estados Unidos). Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Ministro do Superior Tribunal de Justiça, integrando a Segunda Seção e a Terceira Turma, ambas especializadas em direito privado. / Mestre em Direito, Regulação e Políticas Públicas...
Páginas49-72
O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE
BENS E O RESP 1.472.945/RJ: ANÁLISE DE CASO
Ricardo Villas Bôas Cueva
Doutor pela Universidade de Frankfurt (Alemanha). Mestre pela Universidade de
Harvard (Estados Unidos). Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).
Ministro do Superior Tribunal de Justiça, integrando a Segunda Seção e a Terceira
Turma, ambas especializadas em direito privado. Foi procurador do Estado de São
Paulo e da Fazenda Nacional, advogado e membro do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade).
Fernanda Mathias de Souza Garcia
Mestre em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade de Brasília. Espe-
cialista em Direito Administrativo pela Universidade Católica de Brasília e em “Diritto
dell’Integrazione e Unicazione del Diritto nel Sistema Giuridico Romanistico (Diritti
Europei e Diritto Latinoamericano)” pela Università degli Studi di Roma “Tor Vergata”.
Formada em Direito pelo UniCEUB. Professora do UniCEUB. Assessora de Ministro no
Superior Tribunal de Justiça, com foco em Direito Privado.
Sumário: 1. Introdução – 2. A evolução da jurisprudência quanto ao sentido da expressão “separação
obrigatória de bens” no STJ – 3. Resp 1.472.945/RJ: estudo de caso – 4. Conclusões – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A sucessão é um conhecido meio de aquisição da propriedade, de def‌inição
do destino de créditos, débitos e obrigações, bem como de transmissão de direitos
aos sucessores, seja em vida (inter vivos), seja por ocasião da morte do proprietário
(causa mortis).1 Nesta última hipótese, a sucessão hereditária se realiza no momento
da morte do autor da herança, regra que se extrai do art. 1.784 do Código Civil de
2002 (CC/2002), que retrata o momento da saisine.
Maria Helena Diniz, com maestria, nos ensina que se aplica a palavra su-
cessão, em sentido amplo, a todos os modos derivados de aquisição do domínio,
indicando o ato pelo qual alguém sucede a outrem, investindo-se no todo, ou
em parte, nos direitos que lhe pertenciam. Trata-se da sucessão inter vivos. Já em
sentido restrito, sucessão é a transferência total ou parcial da herança, por morte
de alguém, a um ou mais herdeiros. É a sucessão mortis causa, que, no conceito
subjetivo, retrata direito pelo qual alguém recolhe os bens da herança; e, no
1. Acerca das regras concernentes à sucessão post mortem no Brasil conf‌ira-se o primeiro capítulo da obra
Herança Digital: o direito brasileiro e a experiência estrangeira (GARCIA, 2022, p. 5-33).
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conceito objetivo, indica a universalidade dos bens do de cujus, caracterizados
por seus direitos e encargos.2
A despeito da longa tramitação do projeto de lei que ensejou a atual codif‌icação
cível brasileira, nem sempre o sistema sucessório atendeu à operabilidade, um dos
pilares do novo sistema, ao lado da socialidade e da eticidade. Infelizmente, nossas
regras da sucessão são um tanto quanto confusas e, por vezes, até mesmo incompre-
ensíveis, quer aos prof‌issionais de direito,3 quer ao homem médio.
Dentre as inúmeras polêmicas extraídas da novel legislação está aquela refe-
rente à exegese do art. 1.829, inciso I, do CC/2002. O Superior Tribunal de Justiça,
guardião da interpretação da legislação federal, por diversas vezes foi instado a se
manifestar acerca da sua interpretação. A discussão tangenciou o status de herdeiro
necessário conferido cônjuge (art. 1.845 do CC/2002)4 e a possibilidade de que
concorresse na sucessão universal, seja com descendentes, seja com ascendentes
do autor da herança. A concorrência sucessória representou uma inovação apta a
substituir o usufruto vidual,5 regra então constante do art. 1.611, § 1º, do Código
2. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 19. ed., rev. aum. e atual. de
acordo com o novo código civil, Lei 10.406, de 10.01.2002. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 6, p. 16.
3. SIMÃO, José Fernando. Separação convencional, separação legal e separação obrigatória: ref‌lexões a respeito
da concorrência sucessória e o alcance do artigo 1.829, I, do CC. Recurso Especial 992.749/MS. Revista
brasileira de direito das famílias e sucessões, v. 12, n. 15, p. 5-19, Porto Alegre, abr./maio 2010.
4 . Segundo Carlos Alberto Dabus Maluf, os motivos que levaram à inclusão do cônjuge supérstite como herdeiro
necessário são compreensíveis em perspectiva histórica”, fazendo referência às lições de Clóvis do Couto e
Silva no seguinte sentido: ‘as modif‌icações nos regimes de bens acompanham assim a História da aplicação
do princípio da igualdade ao direito de família’(MALUF, 2009, p. 371). No mesmo sentido: “o objetivo da
regra, e já venho dizendo isto desde 2003, é garantir o sustento do cônjuge supérstite, ou seja, que se em
razão do regime de bens, o falecido f‌icar presumivelmente sem patrimônio, há concorrência para que não
f‌ique à míngua. O sistema foi pensado na década de 1960 e se baseou nos ‘novos Códigos’ daquela época,
quais sejam, o Código civil italiano de 1942 e o Código civil português de 1966.” (NETO; TARTUCE; SIMÃO,
2012, p. 239). Em nota de rodapé, o professor José Fernando Simão acrescenta: Adotar no século XXI um
sistema sucessório pensado para a família de meados do século XX é, por si só, prenúncio de problemas
graves para o sistema. Primeiro, porque quando a regra foi pensada o Brasil sequer admitia o divórcio e,
portanto, o conceito de família era o de estabilidade ou permanência. Segundo, porque os casamentos se
davam entre pessoas de faixas etárias próximas. Por f‌im, eram, em regra de longa duração. Por não existir o
divórcio, o casamento ainda era encarado nos moldes católicos per omne vitae (NETO; TARTUCE; SIMÃO,
2012, p. 239).
5. Artigo 1.611, § 1º, do Código Civil: “A falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao
cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal (Redação
dada pela Lei 6.515, de 1977).
§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito,
enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver f‌ilho dêste ou
do casal, e à metade se não houver f‌ilhos embora sobrevivam ascendentes do ‘de cujus’ (Incluído pela Lei
4.121, de 1962).
§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer
viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação
relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a
inventariar. (Incluído pela Lei 4.121, de 1962).
§ 3º Na falta do pai ou da mãe, estende-se o benefício previsto no § 2º ao f‌ilho portador de def‌iciência que o
impossibilite para o trabalho” (Incluído pela Lei 10.050, de 2000). Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/L3071impressao.htm. Acesso em: 07 jun. 2022). Tratava-se de mulher que não adquiria
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