O regime de separação obrigatória de bens na união estável

AutorRicardo Calderón
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal do Paraná ? UFPR. Pós- -graduado em Direito Processual Civil e em Teoria Geral do Direito. Coordenador de curso de pós-graduação em Direito das Famílias e Sucessões da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Diretor Nacional do IBDFAM. Professor de cursos de pós-graduação e...
Páginas175-196
O REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE
BENS NA UNIÃO ESTÁVEL
Ricardo Calderón
Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Pós-
-graduado em Direito Processual Civil e em Teoria Geral do Direito. Coordenador de
curso de pós-graduação em Direito das Famílias e Sucessões da Academia Brasileira de
Direito Constitucional. Diretor Nacional do IBDFAM. Professor de cursos de pós-gra-
duação e graduação. Sócio do Calderón Advogados, sediado em Curitiba. calderon@
calderonadvogados.com.br.
Sumário: 1. Introdução: a paulatina aproximação do tratamento jurídico da união estável ao casa-
mento – 2. O regime da separação obrigatória de bens e a (in)viabilidade de sua extensão para as
uniões estáveis – 3. A posição da doutrina – 4. O atual entendimento da jurisprudência – 5. Liberdade
e família – 6. Considerações nais – 7. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO: A PAULATINA APROXIMAÇÃO DO TRATAMENTO
JURÍDICO DA UNIÃO ESVEL AO CASAMENTO
Nos últimos anos temos assistido a uma paulatina aproximação dos atributos
jurídicos afeitos ao casamento com os que são conferidos para as uniões estáveis.
Diversos direitos que eram exclusivos dos cônjuges passaram a ser concedidos,
analogicamente, aos conviventes. Como exemplo, podemos citar a possibilidade de
eleição de regime de bens, a faculdade de alteração do nome, o direito real de habi-
tação, o eventual direito de alimentos ao término da relação, a ordem de preferência
na posição de inventariante, a outorga convivencial para o ajuizamento de ações
imobiliárias (esses últimos advindos com Código de Processo Civil de 2015), entre
tantos outros aspectos.1
Um dos mais recentes passos dessa aproximação foi a paradigmática decisão do
STF que, em 2018, julgou inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil Brasileiro,
vindo a af‌irmar que os regimes sucessórios devem ser os mesmos tanto para o casa-
mento como para a união estável:
1. “Diante do estágio cultural, social e jurídico em que nos encontramos, não se pode admitir distinções subs-
tanciais entre as famílias – sobretudo se isto vai implicar discriminação, redução, preconceito –, apenas pela
circunstância de uma delas ter sido fundada numa solenidade – o casamento – e a outra redundar de uma
escolha consciente, informal, de uma conduta prolongada no tempo. Diante da nova ordem constitucional
implantada em nosso país em 1988, que em muitos aspectos representou uma verdadeira revolução, dos
valores então estabelecidos e que se desenvolveram com a legislação posterior, e com uma jurisprudência
progressiva, evoluída, não tem nenhum sentido determinar diversidade ou dessemelhança essencial entre
as famílias, nos efeitos que devem produzir, somente considerando a origem, ou o modelo de sua criação.
Não se pode enaltecer ou privilegiar uma espécie de entidade familiar em desprestígio ou diminuição de
outra” (VELOSO, Zeno. Direito Civil: temas. Belém, Associação dos Notários e Registradores do Pará, 2018,
p. 320-321).
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Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade
da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira
contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol
incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para
ns sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a
formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a
Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis 8.971/94
e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios
bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da
igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deciente, e
da vedação do retrocesso. 4. Com a nalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento
ora rmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em
julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura
pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Armação, em repercussão geral, da seguinte
tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios
entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabele-
cido no art. 1.829 do CC/2002.
(RE 878694, Relator(a): Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10.05.2017, Processo Eletrô-
nico Repercussão Geral – Mérito DJe-021 Divulg 05.02.2018 PUBLIC 06.02.2018) – grifo nosso
A conclusão do referido decisum foi no sentido de que, face à similitude fática do
casamento com as relações de união estável, no que estas se assemelham as consequ-
ências jurídicas devem ser as mesmas (como é o caso das respectivas participações
sucessórias). Portanto, as regras de destinação sucessória tanto do casamento como
da união estável devem se dar nos moldes do disposto no art. 1.829 do Código Civil,
para ambas as formas de relacionamento, em tratamento isonômico, o que retrataria
a igualdade constitucional.
Entretanto, o mesmo julgado anota que as duas formas de vida em comum
possuem distinções, em especial quanto à forma de constituição e dissolução, de
modo que eventuais diferenciações jurídicas seriam compreensíveis caso se refe-
rissem a tais aspectos. Ou seja, no que são iguais, os direitos devem ser iguais; no
que as entidades familiares são distintas, seriam constitucionalmente admissíveis
algumas desigualações. Dentre algumas distinções que persistiriam, podemos citar
a desnecessidade de outorga convivencial para a alienação de imóveis adquiridos
durante a constância da união estável (embora o tema já apresente alguma disso-
nância), a validade da f‌iança prestada sem a outorga do outro convivente, entre
algumas outras.
Consequentemente, é possível af‌irmar que as distinções entre as referidas enti-
dades familiares seriam admissíveis sempre que se relacionassem com a solenidade
do ato de celebração e dissolução do matrimônio civil (cuja formalidade não se en-
contra nas uniões estáveis). Esse é o sentido do enunciado aprovado na VIII Jornada
de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do
Código Civil não importa equiparação absoluta entre o casamento e a união estável. Estendem-se
à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham por fundamento a solidarie-
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