A mudança de regime de bens da separação obrigatória para comunhão parcial sob o enfoque das nuances das restrições ao direito de amar

AutorRodrigo da Cunha Pereira
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor. Advogado especializado em Direito de Família e Sucessões, com ênfase interdisciplinar em Psicanálise. Presidente Nacional do IBDFAM. Palestrante. Parecerista. Autor de livros e artigos jurídicos.
Páginas33-48
A MUDANÇA DE REGIME DE BENS DA SEPARAÇÃO
OBRIGATÓRIA PARA COMUNHÃO PARCIAL SOB
O ENFOQUE DAS NUANCES DAS RESTRIÇÕES AO
DIREITO DE AMAR
Rodrigo da Cunha Pereira
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito Civil pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Professor. Advogado especializado em Direito
de Família e Sucessões, com ênfase interdisciplinar em Psicanálise. Presidente Nacional
do IBDFAM. Palestrante. Parecerista. Autor de livros e artigos jurídicos.
Sumário: 1. Prelúdio: a autonomia da vontade, liberdade patrimonial e a não intervenção estatal
na esfera privada dos cidadãos – 2. O regime de bens: separação obrigatória e comunhão parcial
– 3. A relativização do princípio da imutabilidade do regime de bens, em especial da separação
obrigatória, para comunhão parcial; seria lícito exigir a cessação das causas suspensivas? – 4.
Conclusão – 5. Referências.
1. PRELÚDIO: A AUTONOMIA DA VONTADE, LIBERDADE PATRIMONIAL E A
NÃO INTERVENÇÃO ESTATAL NA ESFERA PRIVADA DOS CIDADÃOS
Para se fazer uma leitura, ou releitura de um Direito que se pretenda traduzir a
família contemporânea, ou pós-moderna como dizem alguns, é necessário que as leis
estejam em consonância com princípios basilares do Direito de Família. É necessário
que se adote uma hermenêutica contextualizada numa revolução paradigmática,
especialmente quando se fala da escolha do regime de bens ou a imposição dele,
objeto do tema proposto, em que o alicerce se restringe na autonomia da vontade e
liberdade patrimonial, enfocando que a boa-fé se presume, e a má fé se prova.
Autonomia da vontade, que no caso específ‌ico guarda relação com a possibilidade
de escolha do regime de bens, ou a imposição dele, não podemos esquecer que essa
autonomia volitiva passa a ser um elemento ético e intrínseco à dignidade da pessoa
humana. É o que sustenta o livre arbítrio e vincula-se diretamente à verdade do sujeito
e ao desejo. Autonomia da vontade signif‌ica reger a própria vida e ser senhor do próprio
desejo e destino. Não podemos esquecer que a liberdade de constituição de família
tem estreita consonância com o princípio da autonomia da vontade, pois diz respeito
às relações mais íntimas do ser humano, cujo valor supremo é a busca da felicidade.
Assim, o princípio da autonomia privada1 e da menor intervenção estatal no
Direito de Família atua como instrumento de freios e contrapesos da intervenção do
1. Exemplo e ref‌lexo da autonomia da vontade, liberdade, não intervenção estatal na esfera privada, constata-se
nos julgados abaixo exemplif‌icados:
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RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
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Estado e funda-se, ainda, no próprio direito à intimidade e liberdade dos sujeitos. O
art. 1.513 do Código Civil brasileiro bem traduz o espírito de um Estado laico, isto
é, que não se deve interferir nestas escolhas privadas e particulares: É defeso a qual-
quer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela
família.2 Independentemente de o Estado autorizar ou não, e quer gostemos ou não,
A) (...) Recurso especial. União estável sob o regime da separação obrigatória de bens. Companheiro maior
de 70 anos na ocasião em que f‌irmou escritura pública. Pacto antenupcial afastando a incidência da súmula
n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos adquiridos onerosamente na constância da convivência.
Possibilidade. Meação de bens da companheira. Inocorrência. Sucessão de bens. Companheira na condição
de herdeira. Impossibilidade. Necessidade de remoção dela da inventariança. 1. O pacto antenupcial e o
contrato de convivência def‌inem as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar,
formando o estatuto patrimonial – regime de bens – do casamento ou da união estável, cuja regência se
iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica
do preenchimento dos requisitos da união estável (CC, art. 1.723). 2. O Código Civil, em exceção à au-
tonomia privada, também restringe a liberdade de escolha do regime patrimonial aos nubentes em certas
circunstâncias, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações
e que foram dispostas no art. 1.641 do Código Civil, como sói ser o regime da separação obrigatória da
pessoa maior de setenta anos (inciso II).
B) “A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse
estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace” (REsp
1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24.10.2017, DJe 22.11.2017).
4. Firmou o STJ o entendimento de que, “por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916
(equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se
homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo,
às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória,
sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta” (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro
Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 24.08.2010).
5. A Segunda Seção do STJ, em releitura da antiga Súmula n. 377/STF, decidiu que, “no regime de separação
legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esfor-
ço comum para sua aquisição” EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador
convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, julgado em 23.05.2018, DJe 30.05.2018), ratif‌icando ante-
rior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo,
Segunda Seção, julgado em 26.08.2015, DJe 21.09.2015). 6. No casamento ou na união estável regidos
pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da
autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula
mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos
aquestos. 7. A mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é justamente conferir proteção ao patrimônio do
idoso que está casando-se e aos interesses de sua prole, impedindo a comunicação dos aquestos. Por uma
interpretação teleológica da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda
mais protetiva aos bens do nubente septuagenário, preservando o espírito do Código Civil de impedir a
comunhão dos bens do ancião. O que não se mostra possível é a vulneração dos ditames do regime restritivo
e protetivo, seja afastando a incidência do regime da separação obrigatória, seja adotando pacto que o torne
regime mais ampliativo e comunitário em relação aos bens. 8. Na hipótese, o de cujus e a sua companheira
celebraram escritura pública de união estável quando o primeiro contava com 77 anos de idade – com ob-
servância, portanto, do regime da separação obrigatória de bens –, oportunidade em que as partes, de livre
e espontânea vontade, realizaram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivos ao enlace,
demonstrando o claro intento de não terem os seus bens comunicados, com o afastamento da incidência
da Súmula 377 do STF. Portanto, não há falar em meação de bens nem em sucessão da companheira (CC,
art. 1.829, I). 9. Recurso especial da f‌ilha do de cujus a que se dá provimento. Recurso da ex-companheira
desprovido (REsp 1922347/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 07.12.2021,
DJe 1º.02.2022)
2. (...) Trata-se, em verdade, do reconhecimento da intervenção mínima do Estado na vida privada, com o
afastamento de intromissões desinf‌luentes para dissolução dos laços que podem existir entre duas pessoas,
primando-se pela nova visão constitucional de reconstrução principiológica das relações privadas. STJ – REsp:
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