O bem jurídico revelado nos crimes de lavagem de dinheiro e o vínculo finalista - crise dogmática

AutorPedro H. C. Fonseca
Páginas215-235
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O BEM JURÍDICO REVELADO NOS
CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO
E O VÍNCULO FINALISTA CRISE
DOGMÁTICA
13.1 INTRODUÇÃO
No sistema f‌inalista, Welzel propõe que a missão do Direito penal não seja
propriamente a defesa dos bens jurídicos, mas sim a defesa dos valores éticos-so-
ciais1. Não menos importante, há a proteção do bem jurídico, em que pese estar em
segundo plano, pois a proteção seria de valores elementares da consciência, ou seja,
dos valores da conduta correta. Não é possível realizar a interpretação do tipo penal
sem a ideia do bem jurídico, pois está o bem jurídico na matéria do tipo como objeto
de proteção. O valor ético-social da ação encontra-se no centro do Finalismo, de
forma que o fato punível decorre da violação de uma norma, que representa valores
éticos da sociedade, e por isso, conforme o conceito de crime, há destaque quanto
ao desvalor da ação. Nesse sentido, o bem jurídico violado representa consequência
do desvalor do resultado de uma conduta ilícita tal como o valor ético do comporta-
mento avaliado. Considera-se que o bem jurídico gira em torno da vida social, e pelo
conjunto de bens jurídicos na sociedade, tem-se que há conexão com toda a ordem
social. O bem jurídico em função da ordem social, desta maneira, é todo estado so-
cial desejável, e o ordenamento jurídico deve proteger o bem jurídico, levando em
conta que o delito signif‌ica um desvalor do resultado como lesão ao bem jurídico e
violação de um dever, além de tudo.
O papel científ‌ico do bem jurídico dentro do sistema jurídico penal f‌inalista
não pode ser descartado, sobretudo ao considerar o princípio da legalidade como
atualizador do sistema de Welzel aos moldes do Estado Democrático de Direito, na
presente ordem constitucional. Com isso, conclui-se que não é possível descartar
a presença do bem jurídico como elemento de análise juntamente com o princípio
da lesividade, pois o bem jurídico é matéria de proteção no tipo. Para ser crime no
1. ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Fundamentos: la estructura de la teoria del delito. (em Civitas),
1997. Reimpressión, 2008. Madrid: Thomson Civitas. t.1. 2008. p. 68.
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LAVAGEM DE DINHEIRO – ASPECTOS DOGMÁTICOS • PEDRO H. C. FONSECA
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Estado Democrático de Direito, portanto, é preciso que o comportamento tipif‌icado
lesione um bem jurídico tutelado.
Em que pese a concepção f‌inalista quanto ao bem jurídico em segundo plano,
revelando que o bem jurídico lesado seja consequência do desvalor do resultado
de uma ação ilícita, tendo o signif‌icado do bem jurídico de merecimento para
apreciação em conexão com toda uma ordem social, em vista da missão do Direito
penal defender valores éticos-sociais, Roxin2 def‌ine que a função do Direito penal
é a proteção de bens jurídicos considerados importantes para a sociedade, ao tratar
do conceito material do delito.
Apesar de alguns bens jurídicos serem essenciais, signif‌icando valores eternos
ao ser humano com merecida e constante proteção, é importante perceber que há
extrema dif‌iculdade em delimitar os bens jurídicos tutelados pelo Direito penal,
uma vez que a sociedade é dinâmica e seus valores também, ocorrendo constantes
mutações e necessário acompanhamento do Direito penal à evolução cultural. Com
isso, é possível concluir que há dif‌iculdade de enquadrar e fechar listas de bens
jurídicos imutáveis para manutenção de imperativos categóricos absolutos para
que a norma penal proteja constantemente os interesses sociais de relevância. Esta
dinâmica desnuda a dif‌iculdade de determinação do que deve ser passível de tutela
pelo Direito penal. Mas não é o apontamento de certa imprecisão do conceito de
bem jurídico que confere falibilidade ao conceito e nem o impossibilita de exercer
sua função dogmática. Roland Hefendehl3 ref‌lete sobre a constante busca de iden-
tidade do conceito de bem jurídico para legitimação do Direito penal, de modo que
haja um conceito aceitável, ideal, inatacável e coerente, possibilitando legitimidade
aos tipos penais, permitindo estruturas delitivas e imputações adequadas. A fun-
damentação de que o bem jurídico seja mutável de acordo com as transformações
sociais não retira o valor dogmático e sua importância em relação à ciência do Direito
penal pois, no Estado Democrático de Direito, não há como interpretar o tipo penal
sem a ideia do bem jurídico. Qualquer transformação deve ser acompanhada pelo
Direito penal, portanto. Considerando as orientações constitucionais para um Di-
reito penal voltado para a proteção de bens jurídicos, em vista da defesa dos valores
éticos-sociais, admitindo o ser humano e o respeito à dignidade humana no centro
do ordenamento jurídico, os bens jurídicos passíveis de proteção penal possuem
referência antropológica essencial para a autodeterminação do ser humano. Assim,
a norma penal, no âmbito f‌inalista atualizado pelo princípio da legalidade, no Estado
Democrático de Direito, tutela bens jurídicos que são relacionados à dignidade da
2. ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. 2. ed. Tra-
ducción y notas de Diego Manuel Luzón Peña e Miguel Díaz y García Conlledo, Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Editorial Civitas, S.A., 1997. t. 1. p. 51-51.
3. HEFENDEHL, Roland. Las jornadas desde la perspectiva de un partidario del bien jurídico. In: HEFEN-
DEHL, Roland (Org.). La teoría del bien jurídico¿ fundamento de legitimación del derecho penal o juego
de abalorios dogmatico? Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 410-411.
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