A ideia do bem jurídico e a correlação com a criminologia na lavagem de dinheiro

AutorPedro H. C. Fonseca
Páginas49-68
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A IDEIA DO BEM JURÍDICO E A
CORRELAÇÃO COM A CRIMINOLOGIA
NA LAVAGEM DE DINHEIRO
4.1 INTRODUÇÃO
Além do aspecto histórico para identif‌icação de uma criação de delito emergen-
cialista, não resta dúvidas da necessidade de continuidade da busca da natureza da
lavagem de dinheiro como processo simbólico no âmbito da criminologia, partindo
também deste aspecto a análise histórica criminológica do delito. A desconf‌iança da
inexistência de bem jurídico como linha de preocupação do legislador no processo
de criação do crime de lavagem de dinheiro segue em relação ao aspecto crimino-
lógico, merecendo destaques os objetos de estudo das escolas sociológicas para
identif‌icação também, nesse sentido, da atipicidade material do crime de lavagem
de dinheiro somado a um viés histórico criminológico. Nesse sentido, o processo da
lavagem de dinheiro representa, além de tudo, o envolvimento de um certo fenótipo
de delinquentes com o “crime de colarinho branco”, seja pela inteligência aplicada,
seja pelo estilo do procedimento, necessariamente instigante para investigação no
âmbito da criminologia.
Perante a criminologia, nos importa desnudar a origem deste tipo de crimi-
nalidade, bem como a origem da política de surgimento dos crimes praticados por
uma camada de agentes que atuam com base em movimentos de inteligência e com
o distanciamento da violência, em grande parte destes delitos.
Para tanto, registra-se a importância em situar os marcos na criminologia que
permitiu o surgimento dos crimes de colarinho branco, considerando a lavagem de
dinheiro sob análise neste trabalho, sendo estes a Teoria da Associação Diferencial
e a reserva para o pensamento de Edwin Sutherland e a criminalidade do “colarinho
branco”. Para se chegar à análise do bem jurídico na esfera da lavagem de dinheiro,
verif‌ica-se a precisa necessidade de identif‌icação da origem da política criminal
voltada para esta categoria de crime.
No âmbito da criminologia, o delito representa um fenômeno complexo que não
pode ser compreendido pela simples representação de que o fator x ou y será sua causa
determinante. A diversidade de orientações deixa evidente que é mais correto af‌irmar
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LAVAGEM DE DINHEIRO – ASPECTOS DOGMÁTICOS • PEDRO H. C. FONSECA
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que o crime representa produto de várias causalidades. A criminologia, além do estudo
sobre o delito, debruça investigação, enquanto objeto da criminologia, em relação ao
delinquente, a vítima, e o controle social1. Mesmo diante das dúvidas quanto às causas
do crime, uma coisa é certa, se encontrar a causa, as políticas públicas serão certeiras
na solução do problema da criminalidade, talvez solucionando, talvez a reduzindo
com extrema ef‌icácia. Os debates e teorias com relação ao tema, variam ora admitindo
o criminoso como vítima da própria sociedade, ora colocando o delinquente na con-
dição de algo que deve ser urgentemente extirpado do corpo social ao qual faz parte.
A lavagem de dinheiro tem sido inserida com frequência no âmbito de apuração de
fatos pelo Poder Judiciário, sobretudo na famosa operação lava jato2.
No Brasil, as propostas de solução oscilam entre a linha que defende a exis-
tência do rigor da legislação de combate ao crime e as medidas que dão ênfase às
medidas sociais e preventivas. Não é possível esquecer que existem várias ciências
que se dedicam aos estudos das causas do crime, como por exemplo, a Demograf‌ia,
a Antropologia, a Ciência Política, a Saúde Coletiva e a Economia.
Levando em consideração que prevalece a dúvida quanto às causas dos deli-
tos, existem premissas centrais quanto à abordagem criminológica. Nesse sentido,
Émile Durkheim, em “As regras do método sociológico”, af‌irma que o crime é um
fenômeno social, tendo em vista estar presente em toda ordem de coletividade, sem
observar tempo e espaço, além de revelar pensamento quanto à soma das consciências
individuais, combinadas, para formação da vida social. A soma da individualidade
cria um novo ser psíquico, coletivo.3
Acredita Durkheim que conceber o crime como um comportamento patológico
curável é um equívoco. Da mesma forma, não admite que seja possível extirpar o
crime como uma medida única. Além disso, Durkheim apontou que o delito, na
verdade, representa uma qualidade socialmente atribuída a certos comportamentos
em vista do contexto social que o agente estiver inserido. Ou seja, o crime existe por
que a sociedade escolhe determinado comportamento e o def‌ine como crime, e não
por um motivo inerente à determinado comportamento.
O desvio é um fenômeno normal da estrutura social, sendo que, somente quan-
do ultrapassados determinados limites, o fenômeno do desvio passa a ser negativo
para a existência e o desenvolvimento da estrutura social, seguindo-se, a partir daí,
para um estado de desorganização, em que todo o sistema de regras e princípios de
atos e condutas perde o valor, enquanto um novo sistema ainda não se af‌irmou. O
comportamento desviante é um fato necessário para o equilíbrio e o desenvolvimen-
to sociocultural, de modo que Durkheim não via o agente como ser radicalmente
1. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 54.
2. BRASIL. Ministério Público Federal. A Lava Jato em números: resultados da operação Lava Jato no Paraná.
Brasília: MPF, 2017.
3. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Trad. Margarida Garrido Esteves. São Paulo: abr. 1978.
p. 139.
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