A lavagem de dinheiro como reflexo do direito penal da sociedade de risco e a relação com o movimento de lei e ordem como símbolo do expansionismo penal e do direito penal máximo

AutorPedro H. C. Fonseca
Páginas259-278
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A LAVAGEM DE DINHEIRO COMO
REFLEXO DO DIREITO PENAL DA
SOCIEDADE DE RISCO E A RELAÇÃO COM
O MOVIMENTO DE LEI E ORDEM COMO
SÍMBOLO DO EXPANSIONISMO PENAL E
DO DIREITO PENAL MÁXIMO
16.1 INTRODUÇÃO
No âmbito das Escolas Criminológicas Sociológicas do Crime não há desdo-
bramento teórico que permita identif‌icar a origem do delito de lavagem de dinheiro
como posicionamento do Estado para proteger bem jurídico. No mesmo sentido, a
dogmática aponta a exigência da lesividade e a necessária relação quanto ao aspecto
substancial da lavagem de dinheiro.
A maior proximidade encontrada com o branqueamento de capitais apresenta
relação com os crimes de colarinho branco, em que pese nas Escolas Criminológicas
Sociológicas do Crime não haver tal preocupação.
Na concepção de Sutherland1, o crime em si não passa da violação a um precei-
to legal. Assim, ainda que exista a precisa necessidade da busca de uma concepção
originária da lavagem de dinheiro como delito, identif‌icamos no âmbito da crimi-
nologia, com os crimes de colarinho branco, uma nova onda expansionista penal
que permitiu, por conseguinte, criação de novos delitos, quais sejam, os praticados
por pessoas de alto calibre social. O movimento de lei e ordem revela a continuidade
desta busca para criminalizar condutas que, mesmo sem violar bem jurídico, são
tornadas crimes, ainda que não haja explicação dogmática para tanto. Nesse sen-
tido, consideramos de suma importância a busca da relação entre o bem jurídico
no âmbito da lavagem de dinheiro e os movimentos que, possivelmente, levaram à
criação deste delito como mera consequência do emergencialismo penal em busca
da aplicação de um Direito penal máximo.
1. SUTHERLAND, Edwin H. Crime de colarinho branco: versão sem cortes. Trad. Clécio Lemos. Rio de Janeiro:
Revan, 2015. p. 85.
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LAVAGEM DE DINHEIRO – ASPECTOS DOGMÁTICOS • PEDRO H. C. FONSECA
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Importa, antes de tudo, relatar pensamento sociológico quanto ao movimento
possivelmente causador do inf‌lacionismo penal que certamente revelou demanda
social da criminalização da lavagem de dinheiro. Trata-se da “sociedade de riscos”
de Ulrich Beck2 como resultado da mudança de paradigma de preocupação social
pela modernização do estilo de vida das pessoas em vista do desenvolvimento da
sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, científ‌icos, econômicos e
individuais criados pelo impulso da inovação levam cada vez mais à preocupação de
haver um certo controle pelas instituições públicas. Numa visão realista e ao mesmo
tempo idealista-construtivista, Beck3 aponta que há racionalidade quanto a natureza
complexa do risco em que se passa a sociedade global. E por isso, os riscos não se
referem aos danos produzidos pela sociedade na modernidade, mas quando acaba a
conf‌iança na segurança desejada. O conceito de risco caracteriza um peculiar estado
intermediário entre a segurança e a destruição, em que a percepção dos riscos que
nos ameaçam determina o pensamento e a ação, gerando uma cultura de risco e de
medo, numa sociedade moderna e de risco4.
Ulrich Beck5 revela pensamento no sentido de que a sociologia do risco recons-
trói um acontecimento social quanto a sua imaterialidade, quando as pessoas passam
a crer que os riscos são, na verdade, reais e os fundamentos da economia, a política,
a ciência e a vida cotidiana tornam-se f‌luidos, perdendo sustentação, podendo levar
ao fracasso social ou até mesma a destruição imaginária da segurança e conforto da
vida moderna, prontos para desmoronamento de conquistas. Consequentemente,
o conceito de risco, quando se considera cientif‌icamente (risco = acidente x pro-
babilidade) adota a forma do cálculo de probabilidades, que não se pode excluir
o pior caso possível. A partir daí, decisões são tomadas, tal como a criação de leis
penais emergênciais para conter o risco e o medo da desordem, da perda de tudo
que se conquistou.
Como revelação de um sociedade de riscos, operada por consequências de-
sastrosas de medidas extremamente equivocadas, Ulrich Beck6 expõe fatos como a
segunda grande guerra mundial, a matança em Auschiwits, a bomba em Nagasaki, o
acidente em Chernobil, as fugas dos refugiados políticos e de guerra e questões fáticas
outras no mesmo sentido, para desnudar perigos da modernidade, que geram o medo
do que está por vir, do que pode ocorrer, do que é possível existir, podendo elevar
o conteúdo da imaginação da sociedade para se preparar para o pior. Além disso,
2. BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo global. Traducción de Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo Veintiuno de
España Editores, 2002. p. 113-115.
3. BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo global. Traducción de Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo Veintiuno de
España Editores, 2002. p. 212-213.
4. BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo global. Traducción de Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo Veintiuno de
España Editores, 2002. p. 214-215.
5. BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo global. Traducción de Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo Veintiuno de
España Editores, 2002. p. 216-217.
6. BECK, Urich. La sociedad de riesgo: hacia una nueva modernidad. Traducción Jorge Navarro, Daniel Jiménez,
Mª Rosa Borrás. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, S.A. 1998. p. 11.
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