Investigação histórica: emergencialismo do tipo de injusto do processo de lavagem de dinheiro e a questão substancial do delito

AutorPedro H. C. Fonseca
Páginas27-47
3
INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA:
EMERGENCIALISMO DO TIPO
DE INJUSTO DO PROCESSO DE
LAVAGEM DE DINHEIRO E A QUESTÃO
SUBSTANCIAL DO DELITO
3.1 INTRODUÇÃO
Uma vez verif‌icada a importância do elemento bem jurídico na alma do delito,
notadamente como matéria do tipo enquanto objeto de proteção, de forma que o
crime de lavagem de dinheiro, cientif‌icamente, deve ter um bem jurídico especi-
f‌icamente lesado para ser admitido pela dogmática penal como delito, é relevante
desnudar a sua origem histórica, justif‌icando assim, a existência do branqueamento
de capitais como fruto do emergencialismo penal, e como meio ou instrumento de
combate a outras infrações penais.
A partir da década de 1920, nos Estados Unidos da América, gangsters utilizavam,
frequentemente, as lavanderias da cidade de Chicago para camuf‌lar ou esconder a
origem ilegal de capitais provenientes da venda ilícita de drogas e bebidas alcóolicas1.
As lavanderias de roupas e acessórios eram utilizadas para que o dinheiro passasse pela
contabilidade de um negócio aparentemente legal, uma vez que havia dif‌iculdade na
identif‌icação da quantidade de clientes que geravam lucros para a atividade econômica
referente à lavagem e secagem de roupas. Af‌irmar que o dinheiro tinha origem numa
atividade legal, para pagar tributos, justif‌icar às autoridades fazendárias sua boa e
limpa origem, interessou àqueles que tinham suas atividades consideradas delituosas.
Trata-se de mecanismo de inteligência para dar aparência legal a patrimônio construído
com base em bens e valores adquiridos mediante a prática de delitos. A partir daí veio
à tona o emprego do termo lavagem de dinheiro, que foi utilizado pela primeira vez
em um processo judicial nos Estados Unidos, no ano de 1982.2
1. BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. 3. ed. Navarra: Thomson Reuters Arazandi,
2012. p.106-108.
2. BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais
penais. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 29.
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LAVAGEM DE DINHEIRO – ASPECTOS DOGMÁTICOS • PEDRO H. C. FONSECA
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Alphonse Capone, imigrante italiano nos Estados Unidos, f‌icou famoso e en-
trou para a história como caso embrionário de lavagem de capitais. Al Capone, no
f‌inal da década de 20 do século passado, f‌icou milionário comercializando bebidas
alcoólicas. Tal atividade, na época, era crime nos EUA, sendo ele condenado por
sonegação f‌iscal após aprofundada investigação em suas declarações de renda3.
Meyer Lansky, em 1932, integrante de organização criminosa nos Estados Uni-
dos, atuando em Las Vegas, Flórida e Lousiana, na atividade criminosa relacionada
à jogos, tráf‌ico de drogas e outros crimes, utilizava os recursos ilícitos das infra-
ções penais que organizava e ocultava em instituições f‌inanceiras na Suíça, tendo
o dinheiro de volta por meio de empréstimos lícitos. Foi considerado também um
dos casos que chamou a atenção para a inteligência da criminalidade em relação à
ocultação de produtos de delito e sua formalização legal4.
Cureau5 lembra o caso de repercussão nos EUA em relação ao branqueamento,
denominado conexão pizza, em que os agentes de organização criminosa utilizaram
pizzarias de fachada para lavar dinheiro decorrente do tráf‌ico de drogas.
Importante ressaltar que não há registro de um caso único e específ‌ico que
gerou, historicamente, a criação deste delito, pois a atividade de camuf‌lar ilicitude
de recursos beirava às atividades negociais da pirataria no século XVII, quando os
piratas tornavam a venda de produtos ilícitos em recursos lícitos para, inclusive,
uso próprio.6
Blanco Cordero7 ensina que o termo lavagem de dinheiro ou money laundering
foi utilizado no âmbito judicial, nos Estados Unidos, em 1982, pela primeira vez,
em que pese a atividade de lavagem de capitais, na sua versão mais simples, tenha
sido fruto de engenho humano por longos anos.
As lavanderias de roupas eram utilizadas para camuf‌lar a origem ilícita dos
recursos provenientes das atividades criminosas, gerando a famosa expressão,
portanto, do money laundering. Em 1989 foi realizada uma operação internacional
denominada Green Ice, coordenada pelo órgão do Departamento de Justiça dos
EUA, DEA (Drug Enforcement Administration), que envolveu os Estados unidos, a
Itália, Canadá, Inglaterra, Espanha e Costa Rica em um trabalho conjunto dos seus
respectivos órgãos de combate ao crime organizado em que foram presas quase 200
pessoas e a apreensão de cinquenta milhões de dólares aproximadamente8. Antes
3. BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. 2. ed. São Paulo: Ed. RT,
2007.p. 40.
4. BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. 2. ed. São Paulo: Ed. RT,
2007.p. 40.
5. CUREAU, Sandra. Lavagem de dinheiro. Revista da Procuradoria-Geral da República, n. 6, 1995. p.187-210.
6. BONACCORSI, Daniela Villani. A atipicidade do crime de lavagem de dinheiro: análise crítica da Lei 12.684/12
a partir do emergencialismo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013. p. 97.
7. BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra: Aranzadi, 1997. p. 92.
8. MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. As associações criminosas transnacionais. In: PENTEADO, Jaques
de Camargo (Coord.). Justiça penal 3: o crime organizado. São Paulo: Ed. RT, 1995. p.57-75.
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