O princípio da legalidade material e o branqueamento de capitais

AutorPedro H. C. Fonseca
Páginas195-214
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O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE MATERIAL
E O BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
12.1 INTRODUÇÃO
O branqueamento de capitais representa modelo penal que deve ser adequado
ao princípio da legalidade, sobretudo da legalidade material. As fases de realização do
delito precisam ser adequadas à legalidade material, pois se não for, identif‌ica-se, por
conseguinte, estrutura legal que lesiona a ordem constitucional. Há um signif‌icado
material no princípio da legalidade, sendo norma de estrutura constitucional. Nesse
sentido, prescreve o art. 5º, XXXIX, da Constituição da República, que “não há pena
sem lei anterior que o def‌ina, nem pena sem prévia cominação legal”. O princípio
da legalidade foi consagrado pela Constituição da República como cláusula pétrea,
representando uma das bases do Estado Democrático de Direito, notadamente em
matéria penal. Para além disso, o sistema garantista expõe o princípio da legalidade
em um dos seus axiomas, sendo princípio base da teoria de Luigi Ferrajoli.1 O prin-
cípio da legalidade garante segurança jurídica aos jurisdicionados, de forma que não
poderão ser submetidos a punições criminais, sem apoio em legislação determinada,
construída pelo devido processo legislativo. Brandão2 ensina que “Onde termina a
Legalidade começa a força despótica e um Direito penal separado do Princípio da
Legalidade é simplesmente um instrumento de terror estatal. Isto posto, é na Lega-
lidade que o Direito penal moderno encontra sua legitimidade.”
Na ocorrência de conduta humana, somente poderá haver subsunção do fato
ao tipo, com a devida consequência jurídica, se antes existir legislação válida para
permitir a responsabilização penal com a aplicação da sanção penal. De outra forma,
caso alguém seja responsabilizado criminalmente e penalizado por isso, sem existên-
cia de lei penal válida e anterior ao fato, haveria violação ao princípio da legalidade.
Brandão3 aponta que “pela lei não somente se protege o homem das ações lesivas
aos bens jurídicos, pela lei se protege o homem do próprio Direito Penal”.
1. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. Ed. RT, 2014. p. 344.
2. BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao direito penal: análise do sistema penal à luz do princípio da legalidade.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 2.
3. BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao direito penal: análise do sistema penal à luz do princípio da legalidade.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 41.
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LAVAGEM DE DINHEIRO – ASPECTOS DOGMÁTICOS • PEDRO H. C. FONSECA
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Há exigência de que ocorra perfeita subsunção entre a conduta humana e a nor-
ma penal, de modo que, por mais grave que seja, se não adequar a ação ou omissão
a um tipo penal anteriormente previsto, não poderá existir sanção penal.
O princípio da legalidade exige que exista uma lei def‌inindo determinada
conduta humana como criminosa; da mesma forma, o delito de branqueamento
de capitais, e que essa norma tenha conteúdo determinado; que seja anterior ao
fato; que seja lei em sentido formal, que somente seja permitido analogia in bonan
partem; sendo a lei garantida de forma isonômica para todos. Ademais, importante
o registro da existência do conteúdo material da lei.
As leis penais incriminadoras não podem ser aplicadas a fatos passados, con-
sagrando a expressão nullum crimen nulla poena sine lege praevia, como garantia
fundamental. Não se admite que haja uma lei penal incriminadora criada após
determinada ação ou omissão, vindo a norma a ser aplicada retroativamente para
penalizar algum indivíduo, o que causaria enorme insegurança jurídica. Conforme
Fernando Galvão4,
Se não havia a proibição, o indivíduo não pode ser responsabilizado por uma conduta que, no
momento de sua realização, era lícita. No que diz respeito ao agravamento da pena, o mesmo
raciocínio aplica-se. Se no momento da realização da conduta a consequência jurídica da prá-
tica da conduta era uma, não poderá o indivíduo, posteriormente, responder de maneira mais
gravosa. A proibição da retroatividade assegura a preservação das regras do jogo instituídas pelo
Estado de Direito.
Não existe princípio da legalidade sem a anterioridade, de forma que as leis
penais somente retroagem para benef‌iciar o réu. Por isso, o crime somente pode
ser def‌inido em lei anterior ao fato. Quanto à pena, deve esta ser baseada em prévia
cominação legal, aos moldes do art. 5º, incisos XXXIX e XL, da Constituição da
República.
Para além disso, o princípio da legalidade não permite criação de infrações
penais e penas por meio de costumes, sendo necessária a existência de lei no sen-
tido formal, exceto como fonte mediata para atendimento às normas permissivas.
O costume permite a tolerância da sociedade diante de determinada conduta, que
pode ser utilizada como medida de exclusão de culpabilidade. O limite imposto aos
costumes é quanto à criação de norma incriminadora e imposição de sanção penal.
Consagra-se aqui a expressão nullum crimen nulla poena sine lege. Também não é
admitido que se crie normas penais incriminadoras e sanções penais por meio de
medidas provisórias, leis delegadas, resoluções. Por outro lado, admitem-se medidas
provisórias in bonam partem, como instrumento de criação do Direito penal, servindo
a regra para o delito de lavagem de capitais.
4. GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. 7. ed. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016. p. 141.
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