A lesividade no âmbito do delito de lavagem de capitais: aceitação finalista e a adequação social

AutorPedro H. C. Fonseca
Páginas179-194
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A LESIVIDADE NO ÂMBITO DO DELITO
DE LAVAGEM DE CAPITAIS: ACEITAÇÃO
FINALISTA E A ADEQUAÇÃO SOCIAL
11.1 INTRODUÇÃO
O Finalismo é reestruturado constantemente com inovações permitidas pela
adequação social, pelo princípio da legalidade e pela antinormatividade, sustentando
abertura para introdução de atualizações necessárias no sistema de Welzel. No Fina-
lismo, o bem jurídico lesionado é a consequência do desvalor do resultado de uma
ação antijurídica desvalorada. A consequência da pena é decorrente da violação ao
valor ético, pois o bem jurídico encontra-se em torno de uma vida social, não sendo
visto de forma isolada, mas em conjunto com toda a ordem compactada. Por isso,
o delito, mais do que a lesão ao bem jurídico, ocorre com o desvalor do resultado,
com a violação de um dever.
Para Hans Welzel, a missão do Direito penal não é proteger diretamente os bens
jurídicos, mas a defesa dos valores éticos-sociais. O Direito penal possui a função
ético-social, no Finalismo, tendo o escopo de proteger tais valores. A questão do bem
jurídico, no Finalismo, é tratada como desdobramento dos valores ético-sociais, ou
seja, de modo secundário, não signif‌icando que os bens jurídicos não sejam prote-
gidos no sistema f‌inalista, pois haveria bem jurídico lesionado com a ocorrência do
desvalor do resultado de uma ação ilícita, em que, por consequência, teria a sanção
penal como resposta do Estado. Além disso, o signif‌icado de bem jurídico encontra
fundado em toda a ordem social, e não de forma isolada.
Juarez Tavares1 ensina ainda, numa ótica mais profunda que na concepção de
Hans Welzel, que o bem jurídico representa objeto de proteção, no entanto, substitu-
ído para um segundo plano, tendo sido como primeiro plano de proteção os valores
ético-sociais. Ensina que ele compõe o bem jurídico sob dois caminhos, um como
bem vital da comunidade ou do indivíduo, e outro como um estado social desejável.
Mais à frente, Tavares destaca2 que “A proteção de valores ético sociais nada mais é
que a incriminação da antisociabilidade.”
1. TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 177.
2. TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 178.
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LAVAGEM DE DINHEIRO – ASPECTOS DOGMÁTICOS • PEDRO H. C. FONSECA
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Percebe-se, nesse sentido, que o Direito penal pune as ações antijurídicas que
violam o bem jurídico, e antes disso, os valores ético-sociais, de forma que o interesse
deste ramo do Direito está inclinado com maior direcionamento para a ação. Hans
Welzel3 af‌irma que a missão central do Direito penal reside em assegurar a validez
inviolável dos valores éticos-sociais mediante a ameaça de aplicação da pena, e que
a tutela dos bens jurídicos é obtida proibindo e castigando as ações que os lesionar.
Cláudio Brandão4 leciona no mesmo sentido que Hans Welzel. Def‌inem o bem
jurídico como um bem vital para uma comunidade ou para um indivíduo isoladamen-
te que, por uma signif‌icação social, passa a ser protegido juridicamente. A proteção
pode surgir a partir de várias formas, tal como a honra, objeto psicossocial, como um
estado real ou relação vital e relação jurídica, concluindo o autor que o bem jurídico
tem a f‌igura de todo o estado social desejável que o Direito pretende resguardar de
lesões. Assim, o bem jurídico não pode ter o signif‌icado, para apreciação, de algo
isolado, mas em conexão com toda a ordem social.
A análise da violação do bem jurídico pela realização da ação desvalorada que,
por consequência, leva a um resultado desvalorado, em que aplica-se a pena, como
resposta ao desentendimento com a missão do Direito penal, que é a proteção de
valores ético-sociais, é o âmbito e contexto que se analisa a conduta de lavagem
de dinheiro. Por óbvio, os valores ético-sociais não admitem que sejam praticados
crimes. Mas, assim como uma conduta de lesionar a orelha de uma criança recém-
-nascida para furar e enfeitar seu corpo é aceita pela sociedade como adequada, a
conduta de ocultar ou dissimular bens ou valores decorrentes de outras condutas,
mesmo que criminosas, será analisada, no Finalismo, no âmbito onde se encontra
o bem jurídico, que a nosso ver, está atrás da construção artif‌icial princípiológica da
adequação social. A pergunta a ser feita quanto ao crime de lavagem de dinheiro e a
lesão a bem jurídico para conf‌igurar ou não conf‌igurar crime no sistema f‌inalista é
verif‌icada em segundo plano, não signif‌icando ser menos importante.
As inovações permitidas pela abertura f‌inalista pela porta de entrada no sistema
criada pela adequação social, pela legalidade e pela antinormatividade, admitem a
lesividade ser identif‌icada no âmbito do Finalismo para compreensão da exigência
da violação do bem jurídico no crime de lavagem de dinheiro ao adotar o sistema
f‌inalista.
Welzel5 pensa que o Direito penal tipif‌ica condutas que tenham relevância
social, de forma que se não tivesse, não poderia ser crime. Há condutas que não
podem ser admitidas criminosas por serem adequadas socialmente. Isoladamente,
a execução das três fases do branqueamento de capitais, não permitem verif‌icação
3. WELZEL, Hans. Derecho penal: parte general. Traducción de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque
Depalma Editor, 1956. p. 4.
4. BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade penal: dos elementos da dogmática ao giro conceitual do método entime-
mático. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2014. p. 146.
5. WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. 12. ed. Santiago: Ed. Jurídica de Chile. 1987. p.83.
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