A Convenção n. 182 da OIT e a Luta para Eliminar as Piores Formas de Trabalho Infantil no Brasil

AutorMaria Zuíla Lima Dutra
Páginas50-66
50 | MARIA ZUÍLA LIMA DUTRA
A CONVENÇÃO N. 182 DA OIT E A LUTA PARA ELIMINAR AS PIORES
FORMAS DE TRABALHO INFANTIL NO BRASIL
Maria Zuíla Lima Dutra(1)
1. REFLEXÕES PRELIMINARES
Os excluídos da sociedade moderna, sobretudo as crianças e os adolescentes, sofrem as
consequências da vida e da natureza humana que são deterioradas no dia a dia, o que exige
uma mudança radical no modo de pensar os direitos humanos, pois os debates que vêm sendo
travados neste sentido são impregnados de resistências de um novo tipo de capitalismo, ine-
rente ao poder econômico.
A partir dessa visão crítica e considerando que a dignidade humana é o centro dessa ques-
tão, o nosso propósito neste trabalho é examinar os motivos por que o Brasil não conseguiu
cumprir as normas expressas na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) para eliminar as piores formas de trabalho infantil.
2. BREVE MEMÓRIA DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
As lutas que objetivam abrandar as desigualdades e as injustiças da convivência hu-
mana vêm dos mais remotos tempos, como se percebe nos estudos históricos universais.
Segundo Dutra (2007, p. 46), a evolução história dos direitos humanos tem na Bill of Rights,
de 1689, um dos mais importantes textos constitucionais do Reino Unido porque represen-
tou o fi m do regime de monarquia absoluta na Europa. Essa lei inaugurou nova forma de
organização do Estado, que tem como função maior proteger os direitos fundamentais da
pessoa humana (2007, p. 90-91). Depois vieram as fases da Revolução Francesa de 1789
e da Encíclica Rerum Novarum de 1891, além de outras normas de proteção aos direitos
humanos. A Constituição do Império do Brasil constitui-se em um importante referencial
histórico, por ter sido a primeira das constituições no mundo a incorporar normas de direi-
tos humanos em seu texto.
Outro documento de grande relevância é a Declaração Universal dos Direitos Humanos
proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, que preceitua no artigo III
que todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Mas, a realidade em que vi-
vemos tem demonstrado que somente uma insignifi cante parcela de pessoas de nosso planeta
usufrui desses direitos. E por que isso ocorre? Essa realidade pode ser mudada?
(1) Mestre e Especialista em Direitos Fundamentais e das Relações Sociais. Desembargadora do Trabalho do TRT da
8ª Região. Gestora Nacional e Coordenadora Regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo
à Aprendizagem da Justiça do Trabalho.
A CONVENÇÃO N. 182 DA OIT E A LUTA PARA ELIMINAR AS PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL NO BRASIL | 51
Não temos dúvidas de que a cidadania vem sendo construída ao longo da história, como
uma possibilidade real de participação efetiva na produção e uso de bens e valores presentes
em um determinado contexto. Neste aspecto, fi liamo-nos ao entendimento esboçado por Bo-
bbio (1992, p. 1), no ensaio sobre os fundamentos dos direitos do homem, onde ele apresenta
interessantes questionamentos relativos ao fundamento absoluto dos direitos humanos, ao
dizer que “a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando
lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais”. No mesmo capítulo, Bobbio (1992, p. 3)
defende que “da inversão, característica da formação do Estado moderno, ocorrida na relação
entre Estado e cidadãos, passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos di-
reitos do cidadão”.
Ser cidadão, portanto, pressupõe participação ativa no contexto histórico da sociedade,
na qual seja visível o reconhecimento do direito de expressar-se e ser compreendido, bem
como lhe seja garantido o direito a ter direitos, além da possibilidade de rever os direitos já
existentes e construir novos, caso esse processo seja necessário, em virtude do relacionamento
dinâmico entre as pessoas. Neste sentido, Boff (1999, p. 110) nos diz que essa ligação entre os
homens e as mulheres ocorre na forma de projeto da liberdade que acolhe conscientemente o outro
e cria condições para que o amor se instaure como o mais alto valor da vida (...). O amor é o fun-
damento do fenômeno social e não uma consequência dele. O amor humano é, indubitavelmente,
a maior força de agregação das sociedades.
Essa inserção na vida da sociedade deve contribuir para o exercício de cidadania, baseada
no coletivo, na indignação ética, no comprometimento conjunto para um viver democrático,
em que o respeito aos diferentes grupos que a constituem seja o valor maior a ser efetivamente
vivenciado.
Como bem sabemos, a evolução dos direitos humanos representa grande conquista da
humanidade, tendo em vista que os diferentes problemas decorrentes da convivência humana,
em determinados momentos históricos, geraram confl itos ideológicos e materiais que culmina-
ram com a materialização de normas de proteção de direitos, incorporadas aos ordenamentos
jurídicos de diversos povos, representando conquistas irrenunciáveis das sociedades, em face
da condição de direitos humanos fundamentais.
Com este mesmo propósito, os Estados-Partes presentes ao Pacto Internacional de Di-
reitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratifi cado pela Assembleia Geral das Nações Unidas
por meio da Resolução n. 2200 “A” (XXI), de 1966, e ratifi cado pelo Brasil em 24.01.1992, de
conformidade com o art. 27, consideram que os princípios enunciados na Carta das Nações
Unidas, referentes à liberdade, à justiça e à paz no mundo, têm por base o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalie-
náveis.
Para Comparato, a unidade do ser humano e a dignidade do homem e da mulher decor-
rem de direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças
individuais e grupais (2005, p. 90). É dessa igualdade de essência da pessoa que se extrai o nú-
cleo do conceito universal de direitos humanos (2005, p. 20). O titular dos direitos humanos não
é o ser humano abstrato, como concebido pelo capitalismo, mas o conjunto de grupos sociais
esmagados pela miséria, pela doença, pela fome e pela marginalização (2005, p. 53). É por isso
que o entendimento da dignidade da pessoa e de seus direitos tem resultado da dor física e do
sofrimento moral (2005, p. 37).
A dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer
circunstância, mesmo que não sejam reconhecidos no ordenamento do Estado ou em docu-
mentos normativos internacionais (2005, p. 59), razão por que a tendência atual é considerar

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT