Curatela - novos perfis

AutorKarina de Oliveira e Silva
Ocupação do AutorMestranda em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Juíza Federal no Rio de Janeiro
Páginas413-446
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CURATELA NOVOS PERFIS
Karina de Oliveira e Silva1
Sumário: Introdução; 1. Evolução da curatela; 2. Vulnerabilidade, Teoria
das incapacidades e suas mudanças; 3. Estatuto da pessoa com deficiência
ou Lei de inclusão; 4. Curatela e seus novos perfis; 5. Curatela do nascituro,
do enfermo e do portador de deficiência física; 6. Responsabilidade civil
da pessoa com deficiência; 7. Responsabilidade civil do curador;
Conclusão: Referências.
Introdução
Do latim curare, o termo curatela quer dizer cuidar, zelar. Já estava
prevista nos primórdios do Direito e de norma contida na Lei das XII
Tábuas2 de 450 a.c. que, em sua tábua V, tratava da guarda e determinava:
7-A Se uma pessoa é insana, a autoridade sobre ele e
sua propriedade pessoal pertencerá a seus agnados do
sexo masculino e, em situação de incumprimento
destes, para seus membros do clã do sexo masculino.
7-B (...)Mas se não houver um guardião para ele(...)
7-C (...) Administração de seus próprios b ens é
proibida a um pródigo. (...) um pródigo, que está
1 Mestranda em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Juíza Federal no Rio de
Janeiro.
2 Disponível em: https://avalon.law.yale.edu/ancient/twelve_tables.asp . Acesso em: 11 de maio de
2021. “Table V. Inheritance and Guardianship
[…]
6. Persons for whom by will ... a gua rdian is not given, for them ... their male agna tes shall be
guardians.
7a. If a person is insane authority over him and his personal property shall belong to his male agnates
and in default of these to his male clansmen.
7b. ... but if there is not a guardian for him ...
7c. ... Administration of his own goods shall be forbidden to a spendthrift. ... A spendthrift, who is
forbidden from administering his own goods, shall be ... under guardianship of his male agnates.
[…]”.
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proibido de administrar seus próprios bens, deve estar
(...) sob a curatela de seus agnados do sexo masculino.
No Brasil, o instituto da curatela existe desde antes da
Independência, já estava presente inclusive nas Ordenações Filipinas de
16033. Desde esses remotos tempos, seus critérios não eram bem claros,
abrangiam tanto as pessoas maiores não submetidas à patria potestas,
quanto menores púberes, por conta de sua falta de experiência. A vagueza
conceitual terminou por gerar bastante insegurança jurídica que só cessou
com a codificação de 1916.4
Nas clássicas palavras de Pontes de Miranda5, curatela teria por
conceito: “o cargo conferido por lei a alguém, para reger a pessoa e os bens,
ou somente os bens, de indivíduos menores ou maiores, que por si não o
podem fazer, devido a perturbações mentais, surdo-mudez, prodigalidade,
ausência, ou por ainda não ter nascido”.
Clóvis Bevilacqua6 entendia a curatela “como encargo público
conferido por lei a alguém, para dirigir a pessoa e administrar os bens dos
maiores que por si não possam fazê-lo”.
De forma mais contemporânea, Gustavo Tepedino7 conceitua o
instituto como “direcionado àquele que não tem discernimento para reger
sua vida. Encargo conferido por lei a alguém, em favor de pessoa maior
inabilitada para reger sua própria vida e administrar seus bens. ”
Na mesma linha, pode-se dizer que curatela é instituto necessário
para cuidar e proteger uma pessoa que não pode se autodeterminar, por ser,
em determinado momento, incapaz, relativamente ou absolutamente8,
3 FUJIKI, Henrique Koga. Da antinomia entr e o novo CPC e o Estatuto da pessoa com deficiência.
Jus.Com.br. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42921/da-antinomia-entre-o-novo-cpc-e-o-
estatuto-da-pessoa-com-deficiencia Acesso em 11/05/2021.
4 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil, v. V, Rio de Janeiro. Forense, 2017, 25ª
edição, p. 593.
5 PONTES DE MIRANDA, Cavalcanti. Tratado de direito de família, v. III, 1955, §285, p.273.
6 BEVILACQUA, Clovis. Direito de família. Rio de Janeiro/São Paulo. Editora Freitas Bastos,1943,7ª
ed., p. 415.
7 TEPEDINO, Gustavo e TEIXEIRA, Ana Carolina B rochado. Funda mentos de direto civil, v.6.
Direito de família. 2ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2021, p. 424.
8 Há quem entenda que não há, pós edição do Estatuto da pessoa com deficiência, pessoa maior e
incapaz. Neste sentido: “Todas as pessoas que foram interditadas em razão de enfermidade ou doença
mental passam, com a entrada em vigor do Estatuto, a serem consideradas plenamente capazes. Trata-
se de lei de estado. Ser capaz ou não é parte do estado da pessoa natural. A lei de estado tem eficácia
imediata e o levantamento da interdição é desnecessário. Não serão mais considerados incapazes
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quanto a atos de natureza patrimonial preferencialmente e com caráter
temporário9.
Veja-se que o conceito da curatela evoluiu muito, assim como a
legislação, que partiu de um instituto vago a um instituto plástico, moldado
às necessidades do curatelado, podendo ter duração variável ou não. De um
instituto engessado, passou a um instituto maleável, uma verdadeira receita
preparada especialmente para cada curatelado, personalizado de forma a
limitar o menos possível a liberdade de quem dele necessita.
1. Evolução da curatela
As pessoas incapazes de se autodeterminarem foram tratadas de
diversas formas ao longo da história, formas estas carregadas de estigmas
e preconceitos. “Aberrações” e “anormais” são algumas nomenclaturas
responsáveis por colocá-los no rol dos invisíveis diante de um modelo
eugênico. Mais tarde, adotou-se um modelo médico, que pretendia
reabilitar as pessoas “doentes” ou “consertá-las”. Refletiu-se fortemente na
legislação brasileira, que tinha total interesse em “normalizar” essas
pessoas. As pessoas deficientes eram vistas como portadoras de um
problema a ser resolvido com intervenções médicas10.
Hoje, pretende-se ver a deficiência como uma questão social,
devendo ser tratado por todos, tendo em vista que a deficiência se configura
a partir do momento em que são impostas barreiras sociais para o pleno
desenvolvimento destas pessoas11.
nenhuma pessoa enferma, nem deficiente mental, nem excepcional.” SIMÃO, José Fernando. Estatuto
da pessoa com deficiência causa perplexidade. Consultor jurídico. Disponível em: https://www.conjur.
com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade#:~:text=Estatuto%
20da%20Pessoa%20com%20Defici%C3%AAncia%20causa%20perplexidade%20%28Parte,pela%2
0amplitude%20do%20alcance%20de%20suas%20normas%2C%20. Acesso em 09.01.2022.
9 CARNEIRO, Luciana Vieira. As inovações do instituto da curatela tr azidas pelo Estatuto da pessoa
com deficiência. Conteúdo Jurídico. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/
52177/as-inovacoes-do-instituto-da-curatela-trazidas-pelo-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia Acesso
em 11/05/2021.
10 BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA, Vitor. Reconhecimento, inclusão e autonomia da pessoa
com deficiência: novos rumos na proteção do vulneráveis. In.: BARBOZA, Heloisa Helena et al
(coord). O código civil e a pessoa com deficiência. Rio de Janeiro: Processo, 2017, p.14.
11 FERREIRA, Nina Bara Zaghetto Fereira. Novos contornos da responsabilidade civil da pessoa com
deficiência após a lei brasileira de inclusão. Repositório institucional da Universidade Federal de Juiz
de Fora. Disponível em: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/11071. Acesso em 10/05/2021.

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