Parentesco decorrente de reprodução assistida homóloga e heteróloga: o direito ao planejamento familiar e a doação compartilhada de óvulos

AutorMariana Silveira Sacramento
Ocupação do AutorDoutoranda em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro ? PUC-Rio. Advogada
Páginas75-92
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PARENTESCO DECORRENTE DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
HOMÓLOGA E HETERÓLOGA: O DIREITO AO
PLANEJAMENTO FAMILIAR E A DOAÇÃO
COMPARTILHADA DE ÓVULOS
Mariana Silveira Sacra mento1
Sumário: 1. Introdução. 2. Afinal, ter filhos é um direito? 3. Filiação por
meio das técnicas de reprodução humana assistida: doação compartilhada
de óvulos, uma resposta ao exercício ao direito de planejar a família. 4.
Conclusão. 5. Referências.
1. Introdução
O Código Civil de 2002 completará vinte anos em 2022 e, apesar
da sua importância no ordenamento jurídico brasileiro, pois trouxe muitas
atualizações e modificações se comparado ao antigo Código Civil de 1916,
é certo que, em determinados tópicos, o Código Civil de 2002, e as demais
leis correlatas, permanecem tímidos. Com as questões relacionadas à
reprodução humana assistida não é diferente.
Há vinte anos o Código Civil trazia uma pequena novidade2: uma
alteração nos artigos relacionados à presunção de paternidade para incluir
1 Doutoranda em Direito Civil p ela Universidade do Estado do Rio d e Janeiro UERJ. Mestre em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-Rio. Advogada.
2 Em 2003, Silvio Venosa escrevia sobre o tema: “O fenômeno legal da procriação, no direito do
passado, estabelece a presunção de que há uma relação causal entre a cópula e a procriação. Desse
modo, em princípio, provada a relação sexual, presume-se a fecundação. No entanto, hoje enfrentamos
outra problemática, a exigir normas atualizadas. A inseminação artificial permite fecundar uma mulher
fora da relação sexual. O esperma é recolhido e, mantido ou não por tempo mais ou menos longo, o
qual sendo introduzido no órgão sexual da mulher, fecunda-a. O mesmo se diga a respeito do embrião.
A questão da paternidade nessa hipótese é de sensível importância. O sêmen pode ser do marido ou
companheiro da mulher ou de terceiro, conhecido ou desconhecido. Pode não ter havido concordância
do marido ou do terceiro. Cuida-se de problemática à espera de soluções, uma vez que os dispositivos
do novo código apenas apontam um início legislativo. A fecundação também pode redundar de embrião
retirado da mulher.” VENOSA, Silvio de Salvo. A reprodução assistida e seus aspectos legais.
Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/942/a-reproducao-assistida-e-seus-aspectos-
legais. Acesso em 03 set. 2021.
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no nosso ordenamento jurídico uma menção, mesmo que ainda singela, das
técnicas de reprodução humana assistida. Essa inclusão, apesar de a única
sobre o tema em todo novo Código, era uma novidade, uma vez que no
Código Civil de 1916 não havia qualquer menção às técnicas de
reprodução humana assistida. E assim, com a inclusão de apenas 03 incisos
(inciso III, IV e V) que a reprodução humana assistida passou a fazer parte
do Código Civil brasileiro.3
Vinte anos se passaram e, apesar dessa pequena inclusão em 2002,
nem no momento da entrada em vigor, nem na presente data, o Código
Civil de fato regulamenta a prática da reprodução humana assistida. O que
foi feito em 2002 e permanece até os dias atuais, é apenas a menção no
artigo 1.597 sobre concepção artificial homóloga ou heteróloga, indicando
as consequências para a filiação.
A reprodução humana assistida no Brasil é, ainda, regulamentada
apenas por meio de resoluções do Conselho Federal de Medicina, que
estabelece as diretrizes para que as famílias possam ter acesso às técnicas
e para que os médicos possam se orientar sobre como apresentá-las e
utilizá-las nos pacientes.
Desta forma, apesar de permanecer sem previsão em lei, durante
esses vinte anos de edição do Código Civil até os dias de hoje, novas
questões relacionadas ao tema vão surgindo, cabendo, até então, ao CFM
acompanhar as evoluções com as suas resoluções, de modo a regulamentar,
do melhor modo possível, a utilização das técnicas.
Uma prática que passou a ser regulamentada pelo CFM em um
passado não tão distante é a doação compartilhada de óvulos, que permite
que mulheres que se encontram em situações - de vida e financeira -
diferentes possam, de forma solidária, contribuir com a busca da outra pela
maternidade.
O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar as várias
nuances que o tema Reprodução Humana Assistida despertou nos últimos
vinte anos e ainda desperta tais como: direito à identidade genética do
embrião, a possibilidade de fecundação post mortem e repercussão no
3 “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
(...)
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção
artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

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