Parentalidade e 'acordos de coparentalidade

AutorCarla Duby Coscio Cuellar
Ocupação do AutorMestranda em Direito Civil pela UERJ (2020); Professora de Direito Civil da EMERJ; Técnica Superior Jurídico da Defensoria Pública; graduada em Direito pela UFRJ (2003)
Páginas135-166
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PARENTALIDADE E ACORDOS DE COPARENTALIDADE
Carla Duby Coscio Cuellar1
Sumário: 1.Introdução; 2. Parentalidade no período anterior ao Código
Civil de 2002; 3.Parentalidade no início de vigência do Código Civil de
2002; 4. Parentalidade após 20 anos de edição do Código Civil de 2002; 5.
Os “acordos de coparentalidade”; 6.“Acordos de coparentalidade”: análise
crítica; 6.1 Pontos positivos; 6.2 Pontos negativos; 7.Parentalidade e
“acordos de coparentalidade”: perspectivas para o futuro; 8. Conclusão; 9.
Referências.
Introdução
O reconhecimento da parentalidade e seus efeitos estão
intimamente relacionados à própria evolução do Direito de Família e do
reconhecimento do princípio da pluralidade das entidades familiares. A
Constituição de 1988, ao estabelecer como um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito a observância ao princípio da dignidade da pessoa
humana, impôs a reinterpretação dos institutos do Direito Civil antes
patrimonializados e baseados numa estrutura familiar patriarcal,
hierarquizada e exclusivamente matrimonial.
Seguindo a metodologia do direito civil constitucional, a pesquisa
é feita através de levantamentos bibliográficos sobre o tema.
O objeto de investigação será a parentalidade após as mudanças da
tábua axiológica trazida pela Constituição de 1988 até os dias atuais.
Apresenta-se o panorama até então existente no Código Civil de 1916, bem
como os impactos trazidos pela publicação do Código Civil de 2002.
Expõe-se que a aprovação do novo diploma legal não representou grandes
alterações no texto, mas que a sua interpretação de acordo com os novos
1 M estranda em Direito Civil pela UERJ (2020); Professora de Direito Civil d a EMERJ; Técnica
Superior Jurídico da Defensoria Pública; graduada em Direito pela UFRJ (2003). Contato:
carla @alvarocravo.adv.br
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valores trazidos pela Constituição Federal repercutiu ao longo ao longo dos
20 (vinte) anos de vigência da codificação. Verificam-se as alterações
legislativas feitas em seu texto e as decisões mais relevantes da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Apresenta-se também o “acordo de coparentalidade”, através de
um exame crítico, que deve ser feito à luz dos princípios da parentalidade
responsável, da liberdade do planejamento familiar e do melhor interesse
da criança e do adolescente.
1. Parentalidade no período anterior ao Código Civil de 2002
O marco teórico-normativo que alterou drasticamente o tratamento
jurídico dado às famílias foi a promulgação da Constituição Federal em
1988. A adoção do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito exigiu uma releitura dos
institutos do Direito Privado, iniciando a constitucionalização do Direito
Civil. As normas do Código Civil devem ser interpretadas à luz das normas
e valores protegidos pela Constituição Federal, na qual encontram o seu
fundamento de validade.
As relações de Direito Privado antes fundadas no patrimônio, nas
relações familiares hierarquizadas, em que o homem assumia a posição de
chefe de família, titular do poder marital e do pátrio poder, caminham para
uma família democratizada, na qual todos os seus membros têm garantida
de respeito, incentivo e tutela de sua dignidade2.
A Constituição Federal rompe com o patriarcado, que se
caracteriza por uma superioridade do homem em relação à mulher, dos pais
em relação aos filhos e de heterossexuais em relação aos homossexuais3.
O reconhecimento da família como base da sociedade a impor ao Estado
proteção especial e efetiva demonstra ser este o ambiente de
desenvolvimento das qualidades mais relevantes de seus membros, tais
como afeto, solidariedade, respeito, amor etc., permitindo o
2 MORAES, Maria Celina Bodin de. A família democrática. Disponível em: https://ibdfam.org.br/anais
/download/31, acesso em 27/04/2021.
3 MORAES, Maria Celina Bodin de. A nova família, de novo Estruturas e função das famílias
contemporâneas Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 2, p. 587-628, mai./ago. 2013, p. 588.
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desenvolvimento pessoal e social de cada integrante, calcado em ideais
pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas4.
A família assume sua função precípua de ser instrumento de
realização de seus partícipes, merecendo tutela jurídica a partir dessa
relevantíssima função social5. O casamento perde a sua centralidade como
única forma de constituir família, passando a ser valorado ao lado de outras
entidades familiares também instrumentalizadas para a desenvolvimento
da personalidade de seus integrantes.
Pode-se destacar o art. 226, da Constituição Federal, que prevê
essa tutela especial à família, independentemente da espécie de entidade
familiar, rompendo com eventual hierarquização entre as diversas formas
de constituir família, condicionadas apenas ao cumprimento da sua função
social. Merece destaque também o art. 226, §5º, que estabelece a igualdade
de direitos e deveres entre os cônjuges, bem como o art. 226, §§ 1º, 3º e 4º
que reconhece o parentesco dissociado do casamento como fonte de família
constitucional. Ademais, o art. 227, §6º assegura a igualdade entre os
filhos, independentemente de sua origem, o que reflete diretamente no
parentesco e nas obrigações a ele inerentes. Acrescenta-se, a esse respeito,
o art. 229 que impõe aos pais e filhos o dever recíproco de prestar
assistência moral e material, incluindo a criação e educação dos filhos
enquanto menores. Por fim, o art. 230 garante a proteção da dignidade à
pessoa idosa, obrigando seus familiares, independentemente do grau e da
linha de parentesco, a tutelar pelo bem-estar físico e psíquico e o direito à
vida. No campo do parentesco, importante salientar o vínculo jurídico
mais estreito da família nuclear, qual seja o vínculo da parentalidade. Sob
a ótica do ascendente feminino é a maternidade, sob o ângulo do
ascendente masculino é a paternidade, já sob o aspecto do descendente é
4 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Das rela ções de pare ntesco. In. DIAS, M aria Berenice.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord). Direito de Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del
Rey, 2005, p. 87.
5 À família, no direito positivo brasileiro, é atribuída proteção especial, na medida que a Constituição
entrevê a seu importantíssimo papel na promoção da dignidade da pessoa humana. Sua tutela
privilegiada, entretanto, é condicionada ao atendimento desta mesma função. Por isso mesmo, o exame
da disciplina jurídica das entidades familiares depende da concreta verificação do entendimento deste
pressuposto finalístico: merecerá tutela jurídica e especial proteção do Estado a entidade familiar que
efetivamente promova a dignidade e realização da personalidade de seus componentes” (TEPEDINO,
Gustavo. Novas Formas de Entidades Familiares : efeitos do casamento e da família não fundada no
matrimônio. Temas de Direito Civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Fundamentos do Direito Civil - Vol. 6
- Direito de Família. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020, p. 42)

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