Da pessoa natural

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2.1. INTRODUÇÃO E CONCEITO
O Código Civil vigente entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003, conforme enfatiza
Mário Luiz Delgado1. Sua primeira parte denomina-se “Parte Geral”, na qual estudaremos os
sujeitos da relação jurídica (pessoas), o objeto da relação jurídica (bens) e a relação jurídica
como um todo (fato jurídico).
Somente poderão ser sujeitos de direitos e deveres, partes em relações jurídicas, as
pessoas. Com isso é importante frisar que os animais não são sujeitos de relações jurídicas,
pois não possuem personalidade civil. Esse tema será melhor visto mais adiante.
Dois são os tipos de pessoas no Código Civil: a pessoa natural, que é o ser humano, e a
pessoa jurídica, que é um ente moral. Começaremos o estudo das pessoas pela pessoa natural.
Pessoa natural é o ser humano considerado como sujeito de direitos e deveres.
Surge nesses conceitos a ideia de que toda pessoa, sem distinções de idade, sexo, raça
e nacionalidade, é sujeito de direitos, como decorrência de sua natureza humana. Há quem
diga que é o ente biologicamente criado, mas esse conceito não engloba as fertilizações
articiais, já que ela pode ser fruto de mecanismo de concepção natural ou articial.
2.2. INÍCIO DA PERSONALIDADE CIVIL DA PESSOA NATURAL
A personalidade civil confere à pessoa natural a aptidão genérica para adquirir direi-
tos e contrair obrigações. Ela permitirá a alguém ser titular do direito de propriedade, por
exemplo, ou parte numa relação negocial.
Para a pessoa natural adquirir personalidade civil, basta o nascimento com vida,
previsão insculpida no art. 2º do CC, que adota a Teoria Natalista, em contraposição à
teoria concepcionista adotada em alguns países, e que acarreta sérias diferenças em vários
direitos, como o hereditário, por exemplo. Ambas as teorias serão estudadas mais adiante.
Para que ocorra o fato do nascimento, ponto de partida da personalidade, será preciso
que a criança se separe completamente do ventre materno, e, mesmo assim, é necessário
ainda que o recém-nascido haja dado inequívocos sinais de vida, mesmo que venha a falecer
instantes depois.
1. Problemas de direito intertemporal no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 52.
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ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL • Christiano Cassettari
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De acordo com o art. 29, item 6, da Resolução n. 1, de 13-6-1988, do Conselho Na-
cional de Saúde, o nascimento com vida é a expulsão ou extração completa do produto da
concepção quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou
não cortado o cordão umbilical, estando ou não desprendida a placenta.
Dessa forma, não se exige o corte do cordão umbilical, nem que a criança tenha for-
ma humana (como era exigido no direito espanhol, art. 30 do Código Civil de 1889, até o
advento da Ley 20/2011).
Se a criança nasce morta, não chega a adquirir personalidade, hipótese em que não
recebe nem transmite direitos. Caso nasça com vida, ainda que seja ela efêmera, recobre-se
de personalidade, adquire e transfere direitos.
A palavra natimorto [natus (nascido) e mortus (morto)] é o vocábulo tecnicamente
empregado para distinguir ou designar a criança que nasce sem vida ou que, nascendo com
sinais de vida, não logrou respirar e morreu.
O registro do natimorto, segundo o art. 33, V, da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros
Públicos), é feito no livro “C-Auxiliar”, designado para esse m.
De acordo com as normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo,
determina o item 32 do Capítulo XVII que, em caso de “natimorto”, é facultado o direito
de atribuição de nome, devendo o registro ser efetuado no livro “C-Auxiliar”, com o índice
em nome do pai ou da mãe, dispensando o assento de nascimento.
Essa determinação é importante, pois o art. 53 da Lei n. 6.015/73 é muito vago ao
armar que, no caso de ter a criança nascido morta ou ter morrido na ocasião do parto,
será, não obstante, feito o assento com os elementos que couberem e com remissão ao
do óbito; entendemos estar incluídos na ideia de “elementos que couberem” o nome com
prenome e sobrenome.
Ademais, o Enunciado 1 do Conselho da Justiça Federal garante o direito ao nome a
natimorto:
A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne
aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.
Assim, verica-se na Lei de Registros Públicos e no Enunciado 1 do CJF que o nati-
morto possui direito ao nome, nele compreendidos prenome e sobrenome.
Foi por esse motivo que levamos, na II Jornada de Prevenção e Solução de Litígios
do Conselho da Justiça Federal (CJF), realizada em agosto de 2021, proposta de enun-
ciado sobre o tema, que foi aprovado não apenas pela comissão da qual participamos
(desjudicialização), mas também pela plenária, se tornando um enunciado dessa jornada,
que recebeu o número 124, e que possui o seguinte conteúdo: “É direito dos genitores o
registro do natimorto com inclusão de nome e demais elementos de registro, independente-
mente de ordem judicial, sempre que optarem por seu sepultamento, nas hipóteses em que
tal providência não for obrig atória”.
Agora, se a criança nasceu com vida e faleceu na sequência, o art. 53, § 2º, da Lei n.
6.015/73 estabelece que serão feitos os dois assentos, o de nascimento e o de óbito, com os
elementos cabíveis e com remissões recíprocas.
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Para identicar se o recém-nascido nasceu com vida, é feito um exame nos pulmões
do feto que nasceu e logo morreu, para vericar se há ou não ar presente. O nome desse
exame é Docimasia Hidrostática de Galeno (ou exame dos pulmões).
2.3. DO NASCITURO E DO EMBRIÃO
Nascituro é o ser já concebido mas que ainda não nasceu, tendo seus direitos protegidos
desde a concepção, consoante o art. 2º do Código Civil.
Existe, porém, polêmica na doutrina sobre o nascituro ter ou não personalidade jurí-
dica. Isso se deve ao fato de o direito brasileiro contemplar quatro teorias sobre o assunto,
como ensina a professora Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida2:
Teoria natalista ou negativista: Para a referida teoria, a personalidade do homem se
inicia com o nascimento com vida, momento em que o nascituro a adquire.
Teoria da personalidade condicional: A referida teoria confere direitos ao nascituro,
desde a concepção, que estarão condicionados ao nascimento com vida.
Teoria concepcionista ou armativista: Para a referida teoria, a personalidade do
homem se inicia com a concepção, portanto o nascituro é pessoa, e possuirá direitos da
personalidade.
Teoria mista ou moderada: Há personalidade jurídica material e formal. A material
(ou subjetiva) depende do nascimento com vida, pois será ela que permitirá adquirir direitos
e deveres de conteúdo patrimonial. Já a formal (ou objetiva) nasce com a concepção, haja
vista que por meio dela é dada a proteção dos direitos da personalidade. Assim, temos que:
Personalidade formal + Personalidade material = Personalidade plena
A teoria natalista, defendida por Silvio Rodrigues, tinha maior aceitação por parte da
doutrina, que hoje, na construção de um novo Direito Civil, prefere a Teoria Concepcionista,
defendida por Francisco Amaral.
Embora o Código Civil tenha adotado a teoria natalista no art. 2º, nesse mesmo
dispositivo o legislador ressalva a regra dando ao nascituro direitos protegidos desde a
concepção, que não os patrimoniais.
Por esse motivo, em nosso sistema como um todo (leis extravagantes) e nas decisões
judiciais, verica-se uma tendência de equilíbrio entre as teorias natalista e concepcionista,
que acarreta a aplicação da chamada Teoria Mista, defendida por Maria Helena Diniz,
Washington de Barros Monteiro e Caio Mário da Silva Pereira, que concede ao nascituro
uma personalidade formal, que lhe garante, desde o momento da concepção, a proteção
dos direitos da personalidade.
Prova disso é a Lei de Alimentos Gravídicos (Lei n. 11.804/2008), que normatiza
proteção para que o nascituro nasça com vida (maior direito da personalidade).
2. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 144.
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