Da responsabilidade civil extracontractual

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dA responsABilidAde civil
extrAcontrAtuAl
10.1. NOÇÃO HISTÓRICA
A origem da responsabilidade civil encontra-se na Lei de Talião (olho por olho, dente
por dente), cujo objetivo era devolver o mal pelo mal (sistema arcaico).
A Lei das XII Tábuas (450 a.C.) adotou a Lei de Talião, e também estabelecia uma
responsabilidade pessoal.
Com a Lex Poetelia Papiria a responsabilidade civil deixa de ser pessoal e passa a ser
patrimonial (pecuniária), sistema que é adotado até hoje, seguindo a tradição romana.
10.2. O DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL
Como vimos anteriormente, devemos harmonizar as regras de Direito Civil (que
normatiza a atuação de particulares) com as regras gerais da Constituição Federal (que,
além de normatizar a função estatal, estabelece regras entre particulares).
A Constituição Federal, por ser a nossa Lei Maior, irá determinar a interpretação de
todas as leis infraconstitucionais, dentre as quais ressaltamos o Código Civil.
Por esse motivo, a responsabilidade civil deverá ser interpretada à luz dos princípios
constitucionais, dentre os quais destacamos:
a)Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III): referido princípio, que é um dos
fundamentos da República, tem como objetivo buscar a valorização do ser humano em
detrimento do patrimônio (movimento de despatrimonialização), motivo pelo qual não
produzem efeitos preceitos legais e contratuais que contrariam este princípio.
Para exemplicar a aplicação desse princípio na responsabilidade civil, citamos julgado
pioneiro do STJ1 no qual o tribunal se viu diante de uma antinomia. No julgamento de uma
ação indenizatória proveniente da tortura que o autor sofreu durante o regime militar em
nosso país (década de 1960), o que deveria prevalecer: o prazo para a reparação civil de
3 anos (contido no art. 206, § 3º, V, do CC), cujo objetivo é garantir a segurança jurídica
da prescrição, ou entender que tal direito é imprescritível, já que o dano foi proveniente
1. “Administrativo. Atividade Política Durante a Ditadura Militar. Prisão e Tortura. Indenização. Lei n. 9.140/1995.
Inocorrência de Prescrição. Reabertura de Prazo” (STJ, REsp 524.889/PR, rel. Min. Eliana Calmon, j. em 1º-9-2005,
DJ de 19-9-2005, p. 253).
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ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL • Christiano Cassettari
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de tortura, o que acarretou uma violência contra a dignidade da pessoa humana? A Corte
entendeu pela imprescritibilidade em decorrência de tal princípio estar em nossa Lei Maior,
motivo pelo qual podemos dizer que, no Brasil, a indenização em decorrência de tortura é
imprescritível, posicionamento que prevalece atualmente2.
Essa posição se consolidou na jurisprudência do STJ, e se tornou conteúdo da Súmula
647, que estabelece: “São imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais
decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos
durante o regime militar”.
b) Igualdade ou isonomia (art. 5º, caput): trata-se do princípio, conforme escreveu
Rui Barbosa, segundo o qual devemos tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de
maneira desigual, à medida que se desigualam, pois, lembrando Chaïm Perelman, a igual-
dade absoluta é fonte de injustiças, pois se devem respeitar as desigualdades.
c) Solidariedade social (art. 3º, I): tal princípio tem por objetivo pregar uma sociedade
justa, humana e solidária.
Exemplo disso é a tese da responsabilidade civil por abandono paterno-lial para o
genitor ou genitora que não dá afeto aos seus lhos, mesmo que pague pensão alimentícia
(assistência material). Trata-se de uma hipótese de responsabilidade civil no Direito de
Família, que será tratado no próximo tópico.
10.3. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a família passou a ser dirigida con-
juntamente pelo pai e pela mãe, e, com a mudança da codicação civil, em 2002, o antigo
pátrio poder, que, na sua origem, limitava o poder da mulher, passou a ser denominado
poder familiar.
Os deveres oriundos do poder familiar estão descritos no art. 1.634 do Código Civil.
Tal dispositivo determina, além de outros deveres, que compete aos pais, quanto à pessoa
dos lhos menores, dirigir-lhes a criação e educação e tê-los em sua companhia e guarda.
Para Maria Helena Diniz, o poder familiar engloba os deveres de criação e educação
dos lhos menores, bem como de tê-los em sua companhia para dirigir-lhes a formação3.
Com isso, vericamos que o Código Civil imputa aos pais os deveres de criação, edu-
cação e afeto, já que os lhos necessitam da companhia dos pais.
São inúmeras, portanto, as leis que convergem para o mesmo m: estabelecer deveres
aos pais que decidem exercer a paternidade e a maternidade, no intuito de proteger a criança
para que ela possa crescer adequadamente, tornando-se um adulto sem problemas.
2. Direito administrativo. Imprescritibilidade da pretensão de indenização por dano moral decorrente de atos de tortura.
É imprescritível a pretensão de recebimento de indenização por dano moral decorrente de atos de tortura ocorridos
durante o regime militar de exceção. Precedentes citados: AgRg no AG 1.428.635-BA, 2ª Turma, DJe de 9-8-2012; e
AgRg no AG 1.392.493-RJ, 2ª Turma, DJe de 1º-7-2011, REsp 1.374.376-CE, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 25-6-
2013.
3. DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1.213.
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Com isso, vemos que a inconsequente relação sexual, que muitas vezes acaba gerando
uma vida, transporta para a criança que nasce toda a responsabilidade pelas consequências
inerentes da paternidade/maternidade, ou seja, em muitas situações inexistia preparo para
o exercício de tão importante função: a de pai e mãe, e quem “paga o pato” são sempre os
lhos, que, repito mais uma vez, não pediram para vir ao mundo.
Cumpre ressaltar que a responsabilidade dos pais independe de casamento, mas advém
da paternidade/maternidade. Observa muito bem Rainer Czajkowski que “as obrigações
para com os lhos, notadamente na menoridade mas não só nela, existem para cada um
dos pais independentemente do casamento4.
Poderíamos dizer que o dever dos pais para com os lhos deriva do dever conjugal
de guarda, sustento e educação dos lhos. A inobservância desse dever pode congurar,
também, segundo o Código Penal, crime de abandono material5 ou abandono intelectual6,
além de dar causa à suspensão ou destituição do poder familiar7, ou a separação litigiosa
culposa8, conforme estabelece o Código Civil vigente.
Aliás, a responsabilização civil no Direito de Família já é discutida há tempos, e existem
outros precedentes, tais como o da violação de deveres conjugais, quando da separação
judicial. Atualmente, com o advento da EC n. 66, que pôs m ao instituto da separação,
conforme demonstraremos no capítulo adiante que versa sobre Direito de Família, ao
tratarmos de tal assunto, devemos interpretar que a possibilidade de pleitear indenização
pela quebra dos deveres conjugais se dará com o divórcio. Porém, os casos registrados em
nossa jurisprudência ocorreram no caso de separação, motivo pelo qual alertamos nosso
leitor para que, onde está escrito “separação judicial”, leia-se “divórcio”.
O Desembargador Athos Gusmão Carneiro, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, admitiu, em corajoso voto, a possibilidade de o cônjuge pleitear indenização por dano
moral, após a separação judicial, que teve por fundamento sevícias e injúrias praticadas,
desvinculando de qualquer relação que ela poderia ter com a pensão alimentícia9.
Leciona Carlos Roberto Gonçalves que, “se o marido agride a esposa e lhe causa feri-
mentos graves, acarretando, inclusive, diminuição de sua capacidade laborativa, tal conduta,
4. CZAJKOWSKI, Rainer. União liv re. Curitiba: Juruá, 1997, p. 88.
5. “Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de lho menor de 18 (dezoito) anos ou
inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos
necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, xada ou majorada; deixar, sem
justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro)
anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por
abandono injusticado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, xada
ou majorada”.
6. “Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de lho em idade escolar: Pena – detenção, de 15
(quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa”.
7. Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o lho; II – deixar
o lho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas
previstas no artigo antecedente”.
8. Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que
importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum”.
9. RT 560/178-86.
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