Do direito das famílias

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do direito dAs FAmíliAs
13.1. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA
Em razão da constitucionalização do Direito Civil, temos que interpretar o Código
Civil à luz da Constituição Federal. No Direito de Família isso não é diferente, pois uma
das consequências disso é vericar que o conceito de família é plural, não existindo entre
as várias formas nenhum tipo de hierarquia, pois todas são amparadas pela Carta Magna.
A Constituição Federal estabelece, no art. 226, que a família é a base da nossa socie-
dade, e que goza de especial proteção do Estado, motivo pelo qual não se pode admitir a
existência de um rol taxativo entre as suas formas de constituição, nem tampouco uma
hierarquia entre elas.
Uma prova disso está no instituto do bem de família, que existe para promover a pro-
teção da família, permitindo que ela possa ter acesso ao direito constitucional à moradia.
Como o art. 1.711 do Código Civil permite que o bem de família seja instituído por escritura
pública, devemos perguntar o que é uma família, para sabermos quem é que pode instituí-lo.
O referido artigo determina que os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escri-
tura pública ou testamento, podem destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de
família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da
instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabele-
cida em lei especial.
O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação,
dependendo a ecácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneciados ou
da entidade familiar beneciada.
Além do que está descrito no dispositivo legal, o Superior Tribunal de Justiça já deci-
diu1 que a pessoa solteira, viúva, separada ou divorciada sem lhos também conta com a
proteção do bem de família. Isso mostra a possibilidade de se vericar a existência de uma
família nos mais diversos moldes.
As normas do Direito de Família são essencialmente de ordem pública, pois estão
relacionadas ao direito existencial da pessoa humana. As normas de Direito de Família do
Código Civil são divididas em direito existencial, ou da pessoa humana, e direito patri-
monial, que são normas de ordem privada, pois se relacionam aos regimes de bens. Dessa
forma, verica-se que somente as normas de direito existencial é que são de ordem pública.
1. REsp 276.004/SP.
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ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL • Christiano Cassettari
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Uma prova disso é que a mídia está explorando muito a possibilidade de realização
de contrato de namoro, armando, inclusive, que muitos advogados estão se dedicando a
essa parte da Advocacia. Mas, seria possível fazer um contrato de namoro? Evidente que
não, pois o intuito dele é o de evitar a aplicação de normas de ordem pública, imperativa,
que são as regras referentes à união estável. O grande problema desse contrato é que ele
gera renúncia às consequências da união estável, por exemplo, o direito a alimentos, que é
irrenunciável. Por esses motivos, verica-se que o contrato de namoro é nulo, por ensejar
renúncia a direitos essenciais que são irrenunciáveis, conforme disposto no art. 166, VI,
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (...)
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa.
Outra prova disso é a parentalidade socioafetiva, baseada no afeto, e que está con-
substanciada na posse de estado de lho, podendo gerar direito aos alimentos e à sucessão.
O Direito de Família moderno é baseado mais na afetividade do que na estrita legalidade.
13.2. PRINCIPAIS MUDANÇAS NO DIREITO DE FAMÍLIA, COMPARANDO O CÓDIGO
CIVIL DE 1916 COM O DE 20022
Como era Como cou
Só existia a família legítima, ou seja, aquela constituída pelo
casamento. Antes de 1988, a união estável era tratada como
concubinato puro. Tudo fora do casamento era ilegítimo.
Houve o reconhecimento de outras formas de família, como
aquela formada pelo casamento, pela união estável, e ainda
a família monoparental e homoafetiva.
Diferenças entre homem e mulher. Igualdade entre homem e mulher (art. 226, § 5º, da Consti-
tuição Federal).
Diferenças entre lhos (lho sacrílego/incestuoso/adulterino/
adotivo).
Igualdade entre lhos (art. 227, § 6º, da Constituição Federal).
O vínculo do casamento era indissolúvel (questão religiosa). O vínculo do casamento é dissolúvel (valorização da au-
tonomia privada) (art. 226, § 6º, da Constituição Federal).
Concubinato era ilegal. Não existia nenhum tipo de direito
para quem vivia em concubinato. Na década de 1960 apa-
recem as primeiras jurisprudências julgando indenização
de serviços prestados.
Aceitação da união estável como forma de constituição de
família (tem origem no concubinato puro) (art. 226, § 3º, da
Constituição Federal).
Muitos lhos (família patriarcal). Poucos lhos (família nuclear).
A valorização do vínculo biológico fazia com que o DNA
fosse uma verdade absoluta, pois, se há vínculo biológico,
haverá direitos e deveres, se não tem, não há direitos.
Além do vínculo biológico há também o afetivo, que também
pode gerar uma forma de parentalidade acarretando direitos
e deveres. Dessa forma, verica-se a consagração do ditado
popular de que “não basta ser pai, tem que participar”.
O casamento e a união estável exigiam a diversidade de sexo. O casamento e a união estável admitem a igualdade de sexo
após o reconhecimento, pelo STF, da união homoafetiva
como entidade familiar.
2. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, v. 5, p. 34.
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13.3. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
Como vimos anteriormente, será importante estudar os princípios já que o nosso
Código Civil adotou o sistema de cláusulas gerais, que são janelas abertas deixadas pelo
legislador para a aplicação principiológica.
Como Miguel Reale foi o criador da Teoria Tridimensional do Direito, para quem o
Direito é igual a fato + valor + norma, verica-se que a sua teoria está presente no Código,
já que os valores serão aplicados com os princípios. Princípio é uma regra básica retirada
da doutrina, da jurisprudência, da lei e de aspectos políticos, econômicos e sociais, e que
será aplicada aos institutos jurídicos.
Quando armamos que o princípio é uma regra básica, isso se dá pelo fato de que
ele possui ecácia normativa. Esses princípios serão buscados na Constituição Federal,
inclusive os que são garantias fundamentais, que também são aplicadas ao direito privado,
o que se denomina ecácia horizontal dos direitos fundamentais, que consiste na aplicação
das normas constitucionais que protegem a pessoa nas relações privadas.
São princípios de Direito de Família:
Princípio da dignidade da pessoa humana: no art. 1º, III, da CF encontramos o prin-
cípio máximo que estabelece uma despatrimonialização (deixar de valorizar o patrimônio)
para valorizar a pessoa humana, o que se denomina personicação do direito privado. Um
exemplo disso é que o imóvel em que reside uma pessoa solteira é bem de família3, ou seja,
o bem de família se tornou o bem de proteção da dignidade da pessoa humana.
Princípio da solidariedade familiar: determina o art. 3º, I, da CF que um dos objetivos
fundamentais do país é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Assim, temos
que pensar nas relações familiares como uma sociedade justa e solidária.
Como exemplo disso, citamos o Resp 102.819/RJ, em que o STJ aplicou o referido
princípio, ao conceder à(ao) companheira(o) que vivia em união estável constituída antes
da Lei n. 8.971/94 o direito aos alimentos.
Princípio da igualdade na chea familiar: o art. 226, § 5º, da CF estabelece que os
direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher. Adotando a igualdade, a Constituição rompe com a expressão “pátrio poder”
e adota o “poder familiar”, já que consagrou a igualdade na chea da sociedade conjugal,
em que a gerência é exercida tanto pelo homem quanto pela mulher.
Princípio da igualdade entre lhos: de acordo com o art. 227, § 6º, da CF4 e o art.
1.596 do Código Civil5, verica-se o m da divisão das formas de liação. Por força desses
3. STJ, REsp 276.004/SP.
4. “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à prossionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discrimi-
nação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(...)
§ 6º Os lhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualicações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à liação.
5. “Art. 1.596. Os lhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualicações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à liação.
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