Teoria geral dos contratos
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teoriA gerAl dos contrAtos
8.1. INTRODUÇÃO
O Código Civil de 2002 trouxe uma nova teoria geral dos contratos para o Direito Civil,
inspirado no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90). Isto pode ser vericado
no Enunciado 167 do CJF, que estabelece:
En. 167 do CJF – Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse
Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são
incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos.
A aproximação principiológica entre ambos os códigos se dá em função de o Código
Civil incorporar dois princípios contratuais sociais: função social d o contrato e boa-fé
objetiva.
Para demonstrar que o Código de Defesa do Consumidor foi a fonte de inspiração
do Código Civil na criação de uma nova teoria geral dos contratos, citamos o art. 423 do
Diploma Civil, copiado da Lei Consumerista, ao estabelecer que, havendo no contrato
de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais
favorável ao aderente. Essa regra é cópia do art. 47 do Código de Defesa do Consumidor1.
O art. 424 também foi copiado da Lei Consumerista. Ele determina que, nos contratos
de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito
resultante da natureza do negócio.
O inciso I do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que são nulas
de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos
e serviços que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por
vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição
de direitos.
8.2. A CRISE DOS CONTRATOS
O atual modelo contratual está em crise, em decorrência da proliferação dos contratos
de adesão, em que o aderente não pode alterar substancialmente o conteúdo do contrato,
ou seja, uma parte impõe o conteúdo contratual à outra.
1. Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
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ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL • Christiano Cassettari
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O contrato pode ser de adesão ou paritário. No contrato paritário há possibilidade de
modicação do conteúdo, existindo igualdade no momento da sua xação, diferentemente
do que ocorre no contrato de adesão.
Isso fez com que houvesse uma crise na manifestação da vontade das partes de
uma relação contratual, que exigiu uma mudança de estrutura no contrato, para que
fosse possível adaptá-lo à nova realidade dos nossos tempos. Esse fato foi muito bem
abordado por Grant Gilmore, na década de 1970, na obra The death of contract, publicada
nos Estados Unidos, que mostrava que o problema era mundial e não exclusivamente
brasileiro.
8.3. CONCEITO DE CONTRATO
Contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Por esse motivo os atos
unilaterais estão excluídos da relação contratual (atos em que há apenas uma pessoa ma-
nifestando vontade).
Cumpre salientar que não se deve confundir o conceito de ato unilateral, no qual
existe apenas uma única pessoa manifestando vontade, com o de contrato unilateral, que
traz obrigação somente para uma das partes, como ocorre, por exemplo, no caso da doação
pura e simples (que gera obrigação somente para o doador).
Como exemplos de atos unilaterais no Código Civil podemos citar a promessa de
recompensa (arts. 854 a 860), a gestão de negócios (arts. 861 a 875), o pagamento indevido
(arts. 876 a 883) e o enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886).
Assim sendo, podemos conceituar o contrato como o negócio jurídico bilateral ou
plurilateral que visa a criação, a modicação ou a extinção de direitos e deveres que tenham
conteúdo patrimonial (conceito inspirado no art. 81 do CC de 1916).
Maria Helena Diniz entende que no contrato deve existir alteridade, ou seja, pelo
menos duas pessoas.
A alteridade veda a chamada autocontratação, em via de regra, já que o art. 117 do
Código Civil imputa anulabilidade para o autocontrato, também denominado contrato
consigo mesmo, no prazo de dois anos (consoante art. 179 do citado Código).
Excepcionalmente, porém, o art. 117 do Código Civil autoriza a autocontratação
na hipótese da representação, que poderá ocorrer se houver autorização da lei ou do
representado.
Dessa forma, no contrato de mandato, o mandante pode outorgar poderes para o
mandatário praticar atos em seu nome com qualquer pessoa, inclusive com ele mesmo
(mandatário). Como exemplo, citamos o mandatário que recebe poderes para vender
uma propriedade do mandante, inclusive para ele mesmo (sendo vendedor e comprador
simultaneamente). Portanto, se houver permissão do mandante, o autocontrato é válido.
O mandato em que o mandante outorga poderes ao mandatário para que ele possa
celebrar o contrato consigo mesmo chama-se mandato em causa própria (in rem suam), e
encontra-se previsto no art. 685 do Código Civil:
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Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá ecácia, nem se
extinguirá pela morte de qualquer das partes, cando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo
transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.
Esse mandato, segundo o dispositivo acima, é irrevogável e não se extingue pela morte
das partes, ou seja, não segue a regra geral do art. 682 do Código Civil, que determina as
causas de extinção do mandato, tais como a revogação e a morte das partes.
Recomendamos ao leitor a leitura do item que trata da natureza jurídica do casamento,
no capítulo dedicado ao Direito de Família, que se encontra mais adiante neste livro, para
vericar se o citado instituto se enquadra ou não no conceito de contrato.
8.4. CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
Os contratos podem ser classicados da seguinte forma:
a) contratos unilaterais: são aqueles que geram obrigações para somente uma das
partes. Exemplo: doação;
b) contratos bilaterais ou sinalagmáticos: são os que geram obrigações para ambas
as partes. Exemplo: compra e venda;
Alguns autores reconhecem a existência do contrato bilateral imperfeito2, que é
aquele que nasce como unilateral e, durante a sua execução, por circunstância acidental, gera
alguma obrigação para o contratante que a ela não se comprometera. Como exemplo cita-
mos os contratos de depósito e comodato, quando surgir para o depositante ou comodante
a obrigação de indenizar certas despesas realizadas pelo comodatário e pelo depositário.
O contrato bilateral imperfeito subordina-se ao regime dos contratos unilaterais porque
aquelas contraprestações não nascem com a avença, mas de fato eventual, posterior à sua
formação, não sendo, assim, consequência necessária de sua celebração.
c) contratos gratuitos ou benécos: são aqueles que geram vantagem para somente
uma das partes. Exemplo: doação;
d) contratos onerosos: são os que geram vantagens para ambas as partes; Exemplo:
compra e venda;
e) contratos comutativos: são aqueles em que as prestações são certas e determinadas
no momento da contratação. Exemplo: compra e venda de uma moto X;
f) contratos aleatórios: são os que envolvem álea (sorte), ou seja, as prestações apresen-
tam o risco de não acontecer, pois dependem da ocorrência de um evento futuro e incerto;
Existem dois tipos de contratos aleatórios:
f1) emptio spei (venda da esperança): o risco assumido é quanto à existência. Exemplo:
compra e venda de uma safra futura. O preço será pago se a safra existir ou não;
f2) emptio rei speratae (venda de coisa esperada): o risco assumido refere-se à
quantidade. Exemplo: compra e venda de uma safra futura. O preço, nesse caso, é pago
2. Encontra-se quem o chame de unilateral imperfeito.
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