Dos direitos reais

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dos direitos reAis
12.1. DIREITOS REAIS
Direito real é a relação jurídica em virtude da qual o titular pode retirar da coisa, de
modo exclusivo e contra todos, as utilidades que ela é capaz de produzir. Traduz apropriação
de riquezas e tem por objeto uma coisa material.
O Código Civil apresenta vários direitos reais, porém esta enumeração não exclui
outros que poderão ser ou que já foram criados pelo legislador em leis extravagantes, tais
como a alienação duciária de bem imóvel, prevista na Lei n. 9.154/97, e o patrimônio de
afetação previsto na Lei n. 4.591/64 (Condomínio e Incorporações).
O rol dos direitos reais existentes em lei (ordenamento como um todo), porém, é
taxativo (numerus clausus), pois as partes não poderão criar um direito real, já que este
dependerá, para ser criado, de previsão legal. No Código Civil encontramos os seguintes
Direitos Reais:
Propriedade Uso Hipoteca
Laje
Superfície Habitação Servidão
Usufruto Penhor Anticrese
Concessão de direito real de uso Direito do promitente comprador
do imóvel
Concessão de uso especial para
ns de moradia
O rol acima está previsto no art. 1.225 do Código Civil1. O referido artigo apresenta
um rol exemplicativo, pois pode haver outros direitos reais em legislação extravagante
(não precisa estar somente no Código Civil), como é o caso do patrimônio de afetação,
que é um direito real sobre coisa própria de garantia, previsto nos arts. 31-A a 31-E da Lei
n. 4.591/64 (Lei de Condomínio e Incorporações), incluído pela Lei n. 10.931/2004, após
a falência da construtora Encol, que deixou muita gente sem o imóvel que foi comprado.
Cumpre ressaltar que o art. 1.368-B do Código Civil estabelece que a alienação du-
ciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao duciante,
1. Como a Medida Provisória n. 700, de 2015, não foi votada no Congresso Nacional, ela perdeu sua ecácia em 17-5-2016
em razão do ATO DECLARATÓRIO DO PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO NACIONAL n. 23, de 2016.
Ela incluía o inciso XIII no art. 1.225 do CC, dando status de direito real aos direitos oriundos da imissão provisória
na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas
e respectiva cessão e promessa de cessão.
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ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL • Christiano Cassettari
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seu cessionário ou sucessor. Como tal hipótese foi inserida pela Lei n. 13.043/2014, ela não
foi incluída no rol do art. 1.225 do Código Civil, apresentado acima.
O STJ decidiu em 26-4-2016, que a multipropriedade imobiliária (time-sharing)
tem natureza jurídica de direito real, mesmo não estando prevista no rol do art. 1.225 do
Código Civil. Vejamos:
Processual civil e civil. Recurso especial. Embargos de terceiro. Multipropriedade imobiliária (time-sharing). Na-
tureza jurídica de direito real. Unidades xas de tempo. Uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual.
Parte ideal do multiproprietário. Penhora. Insubsistência. Recurso especial conhecido e provido. 1. O sistema
time-sharing ou multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de condomínio
relativo a locais de lazer no qual se divide o aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento)
entre os cotitulares em unidades xas de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo durante
certo período do ano. 2. Extremamente acobertada por princípios que encerram os direitos reais, a multiproprie-
dade imobiliária, nada obstante ter feição obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com o instituto da
propriedade, se não for sua própria expressão, como já vem proclamando a doutrina contemporânea, inclusive
num contexto de não se reprimir a autonomia da vontade nem a liberdade contratual diante da preponderância
da tipicidade dos direitos reais e do sistema de numerus clausus. 3. No contexto do Código Civil de 2002, não há
óbice a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real, especialmente sob a ótica da taxa-
tividade e imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225. 4. O vigente diploma, seguindo os ditames do
estatuto civil anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de consagrar novos direitos
reais. Além disso, com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que, circunscrito a um vínculo
jurídico de aproveitamento econômico e de imediata aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo
e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de
espaço e turnos xos de tempo. 5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codicada, possui
natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no
art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento
espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração
ideal do bem objeto de constrição. 6. É insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao
regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de cessão
de direitos em que gurou como cessionária. 7. Recurso especial conhecido e provido (Resp 1.546.165–SP, 3ª
Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 26-04-2016, Dje 6-9-2016).
No Direito Administrativo, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello2 entende
que a retrocessão possui natureza de direito real, em face do princípio da supremacia da
Constituição, ou seja, nenhuma lei poderia dar à matéria tratamento que contraditasse o
que é simples resultado da proteção que a Lei Magna outorga à propriedade.
A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro3 também entende que a retrocessão gera
direito real, pois, demonstrando que o imóvel não foi utilizado nessa conformidade, o
direito de propriedade do expropriado se restabelece em sua totalidade, com o direito à
reivindicação do imóvel.
Para o Supremo Tribunal Federal (STF,RT620/221), a retrocessão tem natureza de
direito real. Esse é, também, o entendimento do STJ:
Direito administrativo – Recurso especial – Retrocessão – Desvio de nalidade pública de bem desapropriado
– Decreto expropriatório. Criação de parque ecológico. Não efetivação. Bens destinados ao atendimento de
nalidade pública diversa. Tredestinação lícita. Inexistência de direito à retrocessão ou a perdas e danos. 2. A
retrocessão constitui-se direito real do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto
2. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 787.
3. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 181.
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a nalidade pública (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 17. Edição, p. 784). 3.
Precedentes: Resp 623.511/RJ, 1ª Turma, deste relator, DJ de 6-6-2005) Resp n. 570.483/MG, 2ª Turma, rel. Min.
Franciulli Netto, DJ de 30-6-2004). 4. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal também assentou a natureza
real da retrocessão: “DESAPROPRIAÇÃO – Retrocessão – Prescrição – Direito de natureza real – Aplicação do
prazo previsto no art. 177 do Código Civil e não do quinquenal do De. 20.910/32 – Termo inicial – Fluência a
partir da data da transferência do imóvel ao domínio particular, e não da desistência pelo Poder expropriante”
(STF, ERE 104.591/RS, rel. Min. Djaci Falcão, DJU 10-4-87). 5. Consagrado no Código Civil, o direito de vindicar
a coisa, ou as consequentes perdas e danos, forçoso concluir que a lei civil considera esse direito real, tendo
em vista que é um sucedâneo do direito à reivindicação em razão da subtração da propriedade e do desvio de
nalidade na ação expropriatória. 6.O Supremo Tribunal Federal concluiu que: “Desapropriação. Retrocessão.
Alienação do imóvel. Responsabilidade solidária. Perdas e danos. Código Civil, art. 1.150 – Transitado em julgado
o reconhecimento da impossibilidade de retrocessão do imóvel por já incorporado ao patrimônio público e
cedido a terceiros, razoável é o entendimento, em consonância com doutrina e juris prudência, do cabimento
de perdas e danos ao expropriado” (Resp 868.120/SP, RE 2006/0165438-4, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j.
em 27-11-2007, DJ 21-2-2008, p. 37).
É por conta disso que entendemos que basta o direito real estar previsto em lei, im-
plícito ou explícito, e não apenas no Código Civil, para cumprir o princípio da legalidade.
12.1.1. Classicação
Os direitos reais são classicados da seguinte forma:
1) Direito real sobre coisa própria (jus in re propria): a propriedade é o direito real
sobre coisa própria por excelência, que permite ao seu titular o direito de usar, gozar, dispor
e reivindicar a coisa. Se o proprietário transfere alguns desses poderes para terceiros, ele
passa a ter uma propriedade limitada (já que o titular não estará com os quatro poderes em
mãos) e será constituído para esse terceiro um direito real sobre coisa alheia. Porém, cumpre
lembrar que a alienação duciária é classicada doutrinariamente como direito real sobre
coisa própria de garantia. O recém-criado direito real de laje é também sobre coisa própria,
pois terá matrícula individualizada no cartório de registro imobiliário e o art. 1.510-A do
Código Civil lhe dá direito de disposição.
2) Direito real sobre coisa alheia (jus in re aliena): nessa modalidade o titular do
direito real terá algum poder inerente à propriedade de outro, que cará com a propriedade
limitada. Esse tipo de direito real divide-se em:
a) direitos reais de gozo ou fruição: são assim classicados a superfície, a servidão, o
usufruto, o uso, a habitação, a concessão especial de uso para ns de moradia e a concessão
de direito real de uso;
b) direito real de aquisição: o direito do promitente comprador do imóvel;
c) direitos reais de garantia: têm por objetivo garantir o cumprimento de uma obri-
gação. São eles: o penhor, a hipoteca e a anticrese.
12.1.2. Características fundamentais dos direitos reais
1) adere imediatamente à coisa, sujeitando-se diretamente ao titular;
2) segue seu objeto onde quer que ele se encontre. É o direito de sequela que é atribuído
ao seu titular;
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