Do direito das obrigações

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do direito dAs oBrigAções
7.1. DIFERENÇAS ENTRE DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS REAIS
Inicialmente, cumpre destacar as diferenças entre os Direitos Obrigacionais, que serão
o objeto do nosso estudo neste capítulo, e os Direitos Reais.
A estrutura de um direito obrigacional compreende :
Já a estrutura de um direito real compreende:
Para melhor compreendemos a matéria, segue abaixo uma tabela que identica muito
bem as principais diferenças entre ambos.
Direitos Obrigacionais Direitos Reais
Incide sobre uma prestação. Incide sobre um bem, uma coisa.
O sujeito passivo deve ser determinado ou determinável.
Há dúvidas sobre a existência ou não de um sujeito passivo nos
direitos reais. Para a teoria realista, inexiste sujeito passivo. Já pela
teoria personalista, o sujeito passivo é indeterminado, ou seja, é a
coletividade de pessoas (posição majoritária em nossa doutrina).
Exige cooperação do sujeito passivo quanto à prestação
(pagamento, adimplemento).
Independe da cooperação, porque existe o ius persequendi ou
direito de sequela, que é o direito de perseguir o bem onde quer
que esteja e contra quem quer que seja.
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ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL • Christiano Cassettari
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Direitos Obrigacionais Direitos Reais
São ilimitados (numerus apertus).
São limitados, devendo estar expressos em lei. O art. 1.225 do
Código Civil traz um rol dos direitos reais previstos no citado
Código. Os direitos reais são taxativos (numerus clausus), mas
cumpre lembrar que a taxatividade não é do artigo, mas dos di-
reitos reais descritos na legislação como um todo, pois há outros
previstos em leis extravagantes, como o patrimônio de afetação,
previsto na Lei de Incorporação (Lei n. 4.591/64, arts. 31-A a
31-E), que é um direito real de garantia. Veja mais no capítulo
que tratamos dos Direitos Reais, que está mais adiante neste livro.
Trata-se de um direito relativo, pois a obrigação não vincula e
nem prejudica terceiro, salvo se este quiser ou se a lei determinar. São oponíveis erga omnes.
7.2. OBRIGAÇÕES HÍBRIDAS
As diferenças entre direitos obrigacionais e direitos reais são de suma importância, haja
vista que existem obrigações híbridas, que mesclam direitos obrigacionais e direitos reais.
São obrigações híbridas:
Obrigações propter rem, in rem ou ob rem (terminologia utilizada por Orlando Gomes):
essas obrigações também podem ser chamadas de obrigações reais ou ambulatórias (termi-
nologia adotada pelos autores portugueses Mário Júlio de Almeida Costa e Antunes Varella).
As obrigações propter rem são aquelas que nascem independentemente da vontade
do devedor, por ser ele titular de um direito real, motivo pelo qual ela segue e recai sobre a
coisa. Exemplos: arts. 1.286, 1.285, 1.315 e 1.336, I, todos do Código Civil.
Não é considerada exemplo de obrigação propter rem a obrigação de pagamento pelo
fornecimento de energia elétrica, já que esta não é oriunda da titularidade de um direito
real. Essa posição também é seguida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na
Apelação 9077907-88.2006.8.26.0000, Ac. 5183729, Porto Feliz, 34ª Câmara de Direito
Privado, rel. Des. Soares Levada, j. em 6-6-2011, DJESP 20-6-2011.
Por ter origem em razão da coisa, e segui-la onde quer que ela esteja, esse tipo de
obrigação, ordinariamente, é que servirá de garantia para que a obrigação seja cumprida.
Assim, se o valor da dívida for superior ao da coisa, em regra, não poderá o credor invadir
o patrimônio do devedor para executar outro bem. Esse é o conceito clássico e lógico de tal
modalidade obrigacional. Porém, é de lamentar que tal regra não vem sendo aplicada pela
jurisprudência, havendo julgados que autorizam a cobrança do excesso, o que desvirtua
o conceito milenar de obrigação propter rem (vide TJSP, AI 0552424-16.2010.8.26.0000,
Ac. 4902927, São Bernardo do Campo, 35ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. José
Malerbi, j. em 17-1-2011, DJESP 1º-2-2011).
O STJ editou a Súmula 623, que estabelece: “As obrigações ambientais possuem na-
tureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos
anteriores, à escolha do credor“.
Obrigações com ecácia real: no direito brasileiro, são modalidades excepcionais,
que dependem de previsão legal expressa. Na Itália, França e Portugal, tais obrigações são
regras. Já no Mercosul (Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai e Argentina), são exceções.
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A obrigação com ecácia real é aquela que deve ser respeitada por terceiros, e que
depende de previsão legal para existir, por se tratar de modalidade excepcional de obri-
gação. Exemplo: cláusula de vigência em contrato de locação de imóvel urbano que esteja
registrada (conforme o art. 167, I, 3, da Lei n. 6.015/73) na matrícula do imóvel (art. 8º da
Ônus real: trata-se de um gravame que limita o uso e gozo de uma propriedade.
Exemplo: proprietário que concede servidão em seu terreno.
7.3. DISTINÇÕES TERMINOLÓGICAS
Nem toda obrigatoriedade de observar uma ordem ou consequência jurídica será
tida como obrigação jurídica, que é o que estamos estudando. Por esse motivo, temos que
conhecer as seguintes distinções terminológicas:
Dever: é a necessidade de observar ordens ou comandos sob pena de sanção. Pode ser
um dever moral, religioso ou social – seu descumprimento não gera sanção estatal, mas
sim social. Exemplo: desrespeitar la de banco. Como exemplo de dever religioso, temos
os dez mandamentos, e de dever social, a necessidade de contribuir com obras de caridade.
Estudaremos os deveres jurídicos, que são aqueles que têm sanção imposta pelo Estado.
Trata-se de obrigação jurídica porque a sanção é estatal;
Estado de sujeição: é a necessidade de suportar consequência jurídica de exercício
regular de um direito potestativo alheio. O direito potestativo é aquele que me permite
atingir a seara de outra pessoa. Como exemplo, temos o direito descrito no art. 1.285 do
Código Civil e a denúncia vazia em contrato de locação;
Ônus jurídico: é a necessidade de agir de certo modo para tutelar interesse próprio.
7.4. CONCEITO DE OBRIGAÇÃO
A obrigação é uma relação jurídica de caráter pessoal e transitório em que o titular do
crédito pode exigir o cumprimento da prestação de dar, fazer ou não fazer, que poderá ser
executada no patrimônio do devedor, observando-se os princípios da dignidade da pessoa
humana, da solidariedade social e da isonomia.
Trata-se de uma relação jurídica transitória, pois toda a obrigação nasce com as partes
já almejando o seu m pela forma tradicional, ou seja, o adimplemento. O tripé do Direito
Obrigacional são as obrigações de dar, fazer ou não fazer, que deverão estar presentes nas
prestações. Por conta da tutela geral do patrimônio mínimo1 – tese criada por Luiz Edson
Fachin que tem por objetivo garantir ao menos um minimum minimorum para que o devedor
executado possa sobreviver – é que se aplicam os princípios constitucionais da dignidade
da pessoa humana, solidariedade social e isonomia.
1. Sobre patrimônio mínimo recomenda-se a leitura de FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo.
2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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