Defesa de Direitos Trabalhistas

AutorJosé Carlos Arouca
Páginas190-237
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TRABALHISTAS
1. Defesa de direitos individuais e coletivos
Defesa de direitos individuais coletivos constitui a atuação primária do sindicato. São direitos pessoais de um
ou mais trabalhadores, daí porque a Constituição assinala a pessoalidade e a coletividade envolvidas na ação sin-
dical. Quando o ofensor não atende o sindicato e mantém seu procedimento irregular configura-se o litígio, que
será defendido como prerrogativa constitucional consignada no inciso III do artigo 8º, segundo o qual, já transcrito,
atribui ao sindicato a defesa de direitos e interesses, individuais e coletivos da categoria considerada como um
todo, quer dizer, trabalhadores filiados ou não.
A defesa será direta quando o sindicato atua frente ao empregador ou a organismos particulares ou estatais,
indireta se para tanto se vale de terceiros, no caso, especialmente, do Poder Judiciário.
2. Defesa direta
Defesa direta junto ao empregador, principalmente. Não quer dizer, no entanto, que sejam direitos simples-
mente trabalhistas, como entende parte dos acadêmicos e analistas. São direitos de toda e qualquer espécie, de
cidadania, civis, de consumo. Em qualquer esfera e instância, na Justiça do Trabalho, Comum ou Federal. É pensar
nos processos de recuperação judicial ou falência, nas ações previdenciárias e acidentárias. Claro que no mais das
vezes a defesa exige a assistência de advogado. Defesa não necessariamente na esfera judicial, mas também ad-
ministrativa, junto aos órgãos da administração pública da União, dos Estados e Municípios, do Distrito Federal. O
sindicato dos motoristas de São Paulo tinha atuação destacada nas juntas de julgamento de recursos envolvendo
infrações de trânsito e muitos atuam rotineiramente nas repartições da Previdência Social.
Quando o sindicato assistia o trabalhador no pagamento das verbas devidas em razão da rescisão contratual,
como exigia o art. 477, no seu § 1º, não exercia uma função meramente cartorária, comum em muitos que se
limitavam a aceitar o termo gerado pelo sistema batizado como “Homologanet” do Ministério do Trabalho a par-
tir de informações prestadas pelo empregador, ou carimbar o que vinha pronto do departamento do pessoal da
empresa, mas defendia seus direitos, conferia o que esta confessou dever, revia as contas, apontava o que faltava
e procurava convencer o devedor a pagar o total devido. Se mesmo assim deixava de satisfazer integralmente o
débito, lançava a ressalva no termo e orientava o trabalhador para reclamar judicialmente.
Não temos organização sindical nos locais de trabalho, a quem caberia naturalmente o encargo. Defender
direitos individuais de natureza trabalhista é a regra.
2.1. Quitação e assistência ao pagamento das verbas rescisórias. Nas relações civis a quitação designará
o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do paga-
mento com a assinatura do credor ou de seu representante (Código Civil, art. 320). Já nas relações de trabalho os
magistrados mais conservadores validavam quitações assinadas em qualquer papel menos digno ou em impres-
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sos, com seus claros em branco. Pôs fim a esta situação de esbulho a coragem de juízes como Nelson Ferreira de
Souza que passou a requisitar perícia grafotécnica para conhecer a autenticidade do recibo. O perito Celso Del
Picchia com suas lupas, máquinas fotográficas, ampliadores e análises químicas logo acusou a falsidade formal
dos recibos que pouco a pouco ficaram desmoralizados, só utilizados por advogados de último escalão e aceitos
por juízes ainda sem formação adequada. Até que a Lei n. 4.066, nos idos de 1960, determinou que “o pedido
de demissão ou recibo de quitação de rescisão de contrato de trabalho firmado por empregado com mais de um
ano de serviço só será válido quando feito com a assistência do respectivo sindicato ou perante a autoridade do
Ministério do Trabalho e da Previdência Social ou da Justiça do Trabalho”(360). Mais tarde, a Lei n. 5.472, de 9 de
julho de 1968, ampliou a proteção para determinar que “no termo de rescisão, ou recibo de quitação, qualquer
que fosse a causa ou forma de dissolução do contrato, deveria ser especificada a natureza de cada parcela paga
ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação apenas, relativamente às mesmas parcelas”.
Claro que a intenção do legislador estava em proteger o trabalhador no momento em que perdia o empregado,
para que, pelo menos recebesse o que lhe fosse devido. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, não
admitiria outra interpretação já que segundo seu art. 5º:
na aplicação da lei, o juiz atenderá os fins sociais a que ela se destina.
Depois, a Lei n. 5.562, de 12 de dezembro de 1968 transportou a norma protecionista para o art. 477 da
Consolidação das Leis do Trabalho, passando a beneficiar aqueles cujos contratos de trabalho tivessem antiguidade
superior a noventa dias. O Decreto-lei n. 766, de 15 de agosto de 1969 acrescentou ao art. 477 consolidado mais
dois parágrafos, o 4º para exigir que “o pagamento a que fizer jus o empregado será efetuado no ato da homolo-
gação da rescisão do contrato de trabalho, em dinheiro ou em cheque visado, conforme acordem as partes, salvo
se o empregado for analfabeto, quando o pagamento somente poderá ser feito em dinheiro”. O § 5º estabeleceu
que “qualquer compensação no pagamento de que trata o § 4º não poderia exceder o equivalente a um mês de
remuneração do empregado”. Porém restabeleceu o tempo anterior, de um ano, para ser indispensável a assis-
tência. A classe patronal uniu-se aos reclamos dos juízes que não viam com bons olhos o tamanho das filas que
“atentavam contra a dignidade do foro trabalhista” e a Lei n. 5.584, de 26 de junho de 1970 excluiu a Justiça do
Trabalho da difícil tarefa de também assistir o pagamento das verbas rescisórias. A escolha do órgão incumbido
da assistência ficava com o empregador que, afinal, era quem rompia o contrato e pagava por isto. A assistência
administrativa nunca foi além de um carimbo no termo já preenchido no departamento do pessoal ou num escritório
de contabilidade até o advento do Sistema Homologanet, mais uma criação do Ministério do Trabalho, ao passo
que a assistência sindical, como regra, era efetiva, com a conferência de todas as contas, além de exigir o cumpri-
mento de direitos sonegados, inclusive os convencionados, até porque o agente ministerial não os conhecia. Muito
custou até pacificar a jurisprudência através do enunciado n. 41 que acolheu o propósito do legislador dispondo,
com acerto, que “a quitação, nas hipóteses dos §§ 1º e 2º do art. 477 da CLT, concerne exclusivamente aos valores
discriminados no documento respectivo”. Mas as estatísticas que acusavam a extraordinária morosidade da Justiça
do Trabalho para solucionar os processos incomodavam e logo descobriu-se os responsáveis: os trabalhadores, que
recebiam o que o empregador admitia dever-lhes, assinavam a quitação, e em seguida reclamavam o que não lhes
fora pago ou diferenças do que recebera. A imprensa desinformada passou a ver nisso um oportunismo odioso.
Os empregadores que haviam se adaptado ao sistema, impropriamente chamado de “homologações”, perplexos,
viram-se compelidos a rever suas posições e saírem à luta, mesmo sem muita vontade. É que, também os burocratas
do Estado passaram a declarar com insistência que a litigiosidade das relações de trabalho inibiam os investimentos
no país de capital externo. O Tribunal Superior do Trabalho não deixou por menos e substituiu seu enunciado por
outro (súmula), de n. 330, que acreditava ser capaz de fulminar as reclamações que secundavam as rescisões con-
tratuais assistidas e com isto enxugar as estatísticas que comprometiam seu bom nome: “A quitação passada pelo
empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos
exigidos nos parágrafos do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho, tem eficácia liberatória em relação às
parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à
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parcela ou parcelas impugnadas”(361). Engano, pois raros foram os juízes inferiores de juntas ou tribunais regionais
que levaram a sério o enunciado, flagrantemente ilegal e mais do que isto, inconstitucional. Com efeito, retomando
a lei civil, salta evidência que constitui garantia fundamental e portanto, primado da democracia, atender aos fins
sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum; O juiz paulista Gabriel Moura Magalhães inscreveu
numa sentença esta verdade lapidar: “Ninguém está obrigado a ressalvar direitos sob pena de perdê-los”. Mas os
ministros do Tribunal Superior do Trabalho preocupavam-se com as estatísticas que revelavam a multiplicação das
ações trabalhistas. O Ministro Almir Pazzianoto chegou a profetizar: “O trabalhador pode entrar com ação contra
a empresa mas vai perder”. O Ministro do Trabalho, Edward Amadeo de saída para outro cargo, passou por cima
da Comissão de Notáveis para criar uma Força-Tarefa anônima, que legou uma proposta de emenda constitucional
e vários projetos de lei ordinária; seus componentes, acadêmicos empolgados, como revelaram pelo propósito de
modernizar as relações de trabalho, não deixaram de negar a força da quitação assistida, daí o projeto pelo qual
o art. 477 da CLT passava a ter a seguinte redação: “É assegurado a todo empregado, por ocasião da rescisão do
contrato de trabalho de qualquer natureza o direito de haver do empregador todas as verbas incidentes relativas ao
período trabalhado, mediante quitação em Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho”. § 1º O Termo de Rescisão
do Contrato de Trabalho devidamente firmado pelo empregado e pelo empregador, será suficiente para produzir
todos os efeitos legais relativamente às parcelas discriminadas. § 2º É garantido ao empregado, por ocasião da res-
cisão do contrato de trabalho, independentemente do seu prazo de duração, o direito de ser assistido pelo sindicato
da respectiva categoria profissional ou perante autoridade do Ministério do Trabalho, se assim o desejar, sendo a
opção da assistência ou sua recusa aposta de próprio punho pelo empregado, no verso do Termo de Rescisão do
Contrato de Trabalho, em todas as vias. § 3º A assistência será obrigatória tão somente nos seguintes casos: a)
empregado menor de idade, quando não assistido por pai, mãe ou responsável legal; b) empregado cuja remune-
ração mensal não ultrapasse o montante equivalente a dois salários mínimos. § 4º O pagamento a que fizer jus o
empregado será efetuado no ato da assinatura do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho ou da assistência,
em dinheiro, cheque visado ou em depósito bancário em conta corrente, conforme acordem as partes, salvo se o
empregado for analfabeto, quando o pagamento somente poderá ser feito em dinheiro”. Portanto, para o Poder
Executivo apenas quem conseguisse sobreviver com dois salários mínimos ou os menores, sem a proteção de seus
país seriam assistidos; no entanto, ninguém com um pouco de seriedade acreditaria que o trabalhador demitido,
com débitos a pagar e sem muita perspectiva de conseguir a curto prazo um novo posto de trabalho, exigiria a
assistência sindical ao invés de assinar o termo que lhe fosse apresentado, em todas suas vias. Verdadeiramente,
o intento perseguido pelo Poder Executivo, na sua fúria legisferante, estava em tornar a quitação do trabalhador,
ampla, geral e irrestrita, conforme o pensamento neoliberal.
No ano 2001, o Tribunal Superior do Trabalho alterou seu enunciado para dar-lhe maior expressão: “A quitação
passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância
dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressa-
mente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas
impugnadas. I — A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, consequentemente,
seus reflexos em outras parcelas, ainda que essas constem desse recibo. II — Quanto a direitos que deveriam ter sido
satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho, a quitação é válida em relação ao período expressamente
consignado no recibo de quitação”(362). Se bem que a alteração significasse avanço e reconhecimento da procedên-
cia das críticas lançadas contra o entendimento do Tribunal, persistiu o entendimento inaceitável de a assistência
devida ao mais fraco importava em renúncia ao que não recebeu e que, apesar de tudo, era devido pelo mais forte.
Na assistência ao pagamento das verbas rescisórias o sindicato também defendia direitos individuais, acusando
omissões e negativas. Devia-se, pois, dar ao artigo 477 da CLT interpretação segundo o método social ensinado
por Cesarino Júnior para concluir-se que o trabalhador como qualquer credor comum, assistido ou não, só quitava
aquilo que efetivamente recebera. E assim deveria pautar-se o sindicato no exercício da assistência, cumprindo
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Suplemento Trabalhista,p
 Resolução Tribunal Superior do Trabalhon
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