Greve

AutorJosé Carlos Arouca
Páginas280-324
PARTEXIVGREVE
1. Passando pela história. O Estado valeu-se de todos os meios para impedir seu exercício, desde a expulsão
dos imigrantes até a penalização criminal. Daí a razão do nome de batismo dado por Evaristo de Moraes Filho a seu
“Do Delito ao Direito de Greve”(517). O Código Penal de 1890 no art. 204 “punia quem constrangesse ou impedisse
alguém de exercer a sua indústria, comércio ou ofício; de abrir ou fechar os seus estabelecimentos e oficinas de
trabalho ou negócio; de trabalhar ou deixar de trabalhar em certos e determinados dias”. O art. 206 criminalizava
quem “causar ou provocar a cessação do trabalho, para impor aos operários e patrões, aumento ou diminuição de
serviço ou salário”. Graças a campanha promovida pelo Partido Operário logo foi editado o Decreto-lei n. 1.162,
de 12 de dezembro de 1890, que atenuou a força repressiva do dispositivo. Com a nova redação: “constituía cri-
me, desviar operários ou trabalhadores dos estabelecimentos em que forem empregados, por meio de ameaças,
constrangimento ou manobras fraudulentas” (art. 205) e “causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho,
por meio de ameaças ou violências, para impor aos operários ou patrões, aumento ou diminuição de salário ou
serviço” (art. 206). A alteração levou Evaristo de Morais a proclamar que fora reconhecido o direito de greve. Seu
filho, diz que a greve precede o sindicato, surgindo primeiro para sua preparação(518).
Como se sabe os primeiros agitadores sindicais foram os imigrantes anarquistas, logo estrangeiros e para eles
foi pensada a lei de expulsão, n. 1.641, de 7 de janeiro de 1907, que tomou o nome de seu autor, Adolfo Gordo:
Art. 1º O estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a segurança nacional ou a tranquilidade pública
pode ser expulso de parte ou de todo o território nacional. Art. 2º São também causas bastantes para a expulsão:
1ª) a condenação ou processo pelos tribunais estrangeiros por crimes ou delitos de natureza comum; 2ª) duas con-
denações, pelo menos, pelos tribunais brasileiros, por crimes ou delitos de natureza comum; 3ª) a vagabundagem,
a mendicidade e o lenocínio competentemente verificados. Art. 3º Não pode ser expulso o estrangeiro que residir
no território da República por dois anos contínuos, ou por menos tempo, quando: a) casado com brasileira; b) viúvo
com filho brasileiro. Art. 4º O Poder Executivo pode impedir a entrada no território da República a todo estrangeiro,
cujos antecedentes autorizem incluí-lo entre aqueles a que se referem os arts. 1º e 2º. Parágrafo único. A entrada
não pode ser vedada ao estrangeiro nas condições do art. 3º, se tiver se retirado da República temporariamente.
Art. 5º A expulsão será individual e em forma de ato, que será expedido pelo Ministro da Justiça e Negócios Inte-
riores. Art. 6º O Poder Executivo dará anualmente conta ao Congresso da execução da presente lei, remetendo-lhe
os nomes de cada um dos expulsos, com a indicação de sua nacionalidade, e relatado igualmente os casos em que
deixou de atender a requisição das autoridades estaduais e os motivos da recusa. Art. 7º O Poder Executivo fará
notificar em nota oficial ao estrangeiro que resolver expulsar, os motivos da deliberação, concedendo-lhe o prazo
de três a trinta dias para se retirar, e podendo, como medida de segurança pública, ordenar a sua detenção até o
momento da partida. Art. 8º Dentro do prazo que for concedido, pode o estrangeiro recorrer para o próprio Poder
que ordenou a expulsão, se ela se fundou na disposição do art. 1º, ou para o Poder Judiciário Federal, quando
UmquartodeséculonavidaitalianaRiodeJaneiroMITC
EvoluçãododireitodasconvençõescoletivasnoBrasilRevista LTr, n. 37, p. 213.
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proceder do disposto no art. 2º. Somente neste último caso o recurso terá efeito suspensivo. Parágrafo único. O
recurso ao Poder Judiciário Federal consistirá na justificação da falsidade do motivo alegado, feita perante o juízo
seccional, com audiência do Ministério Público. Art. 9º O estrangeiro que regressar ao território de onde tiver sido
expulso será punido com a pena de um a três anos de prisão, em processo preparado e julgado pelo juiz seccional
e, depois de cumprida a pena, novamente expulso. Art. 10. O Poder Executivo pode revogar a expulsão se cessarem
as causas que a determinaram”.
Mais tarde, já em 1927, o Decreto n. 5.221, do dia 12 de agosto, batizado com propriedade “Lei Celerada”,
determinou que no crime definido no Decreto n. 1.162, de 12 de dezembro de 1890, a pena será de prisão celular
e o crime inafiançável: “Art. 1º São inafiançáveis os crimes previstos no Decreto n. 1.162, de 12 de dezembro de
1890, e as penas respectivas passam a ser de seis meses a um ano de prisão celular para o caso do § 1º e de um
a dois anos para o caso do § 2º. Art. 2º O art. 12 da Lei n. 4.269, de 17 de janeiro de 1921, fica substituído pelo
seguinte: “O Governo poderá ordenar o fechamento, por tempo determinado, de agremiações, sindicatos, centros
ou sociedades que incidam na prática de crimes previstos nesta lei ou de atos contrários à ordem, moralidade e
segurança públicas, e, quer operem no estrangeiro ou no país, vedar-lhes a propaganda, impedindo a distribuição
de escritos ou suspendendo os órgãos de publicidade que a isto se proponham, sem prejuízo do respectivo pro-
cesso criminal”. § 1º Ao Poder Judiciário compete decretar-lhes a dissolução em ação própria, de forma sumária,
promovida pelo Ministério Publico. § 2º O ato do Governo será fundamentado e expedido pelo Ministro da Justiça
e Negócios Interiores. Art. 3º O disposto no art. 409 do Código Penal é também aplicável a pena de prisão corre-
cional de que trata o Decreto n. 6.994, de 19 de junho de 1908”.
Se a Constituição de 1934 omitiu-se, a Carta de 1937 declarou a greve e o lock-out “recursos antissociais
nocivos ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses da produção nacional”. A leitura do
art. 139 faz concluir que, efetivamente, a Justiça do Trabalho, já constituída a margem do Poder Judiciário, assumia
a tarefa de resolver os conflitos coletivos em substituição à greve: “Para dirimir os conflitos oriundos das relações
entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será re-
gulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência e às prerrogativas
da Justiça Comum. A greve e o lock-out são declarados recursos antissociais nocivos ao trabalho e ao capital e
incompatível com os superiores interesses da produção nacional”.
O embrião da Justiça do Trabalho de 1943 foi o Decreto-lei n. 1.327, de 2 de maio de 1939, detalhista no
propósito assumido de transformar a greve em falta grave. A Consolidação das Leis do Trabalho foi, portanto,
extremamente repressiva: “Art. 722. Os empregadores que, individual ou coletivamente, suspenderem os trabalhos
dos seus estabelecimentos, sem prévia autorização do Tribunal competente, ou que violarem, ou se recusarem a
cumprir decisão proferida em dissídio coletivo, incorrerão nas seguintes penalidades: a) multa de cinco mil cruzei-
ros a cinquenta mil cruzeiros; b) perda do cargo de representação profissional em cujo desempenho estiverem;
c) suspensão, pelo prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, do direito de serem eleitos para cargos de representação
profissional. § 1º Se o empregador for pessoa jurídica, as penas previstas nas alíneas “b” e “c” incidirão sobre os
administradores responsáveis. § 2º Se o empregador for concessionário de serviço público, as penas serão aplicadas
em dobro. Nesse caso, se o concessionário for pessoa jurídica o Presidente do Tribunal que houver proferido a de-
cisão poderá, sem prejuízo do cumprimento desta e da aplicação das penalidades cabíveis, ordenar o afastamento
dos administradores responsáveis, sob pena de ser cassada a concessão. § 3º Sem prejuízo das sanções cominadas
neste artigo, os empregadores ficarão obrigados a pagar os salários devidos aos seus empregados, durante o tem-
po de suspensão do trabalho. Art. 723. Os empregados que, coletivamente e sem prévia autorização do tribunal
competente, abandonarem o serviço, ou desobedecerem a qualquer decisão proferida em dissídio, incorrerão nas
seguintes penalidades: a) suspensão do emprego até seis meses, ou dispensa do mesmo; b) perda do cargo de
representação profissional em cujo desempenho estiverem; c) suspensão pelo prazo de dois anos a cinco anos, do
direito de serem eleitos para cargo de representação profissional. Art. 724. Quando a suspensão do serviço ou a
desobediência às decisões dos Tribunais do Trabalho for ordenada por associação profissional, sindical ou não, de
empregados ou de empregadores, a pena será: a) se a ordem for ato de assembleia, cancelamento do registro da
associação, além da multa de 10 salários mínimos regionais, aplicada em dobro em se tratando de serviço público;
b) se a instigação ou ordem for ato exclusivo dos administradores, perda do cargo, sem prejuízo da pena cominada
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JCA
no artigo seguinte. Art. 725. Aquele que, empregado ou empregador, ou mesmo estranho às categorias em conflito,
instigar à prática de infrações previstas neste capítulo, ou se houver feito cabeça da coligação de empregadores
ou de empregados, incorrerá na pena de prisão prevista na legislação penal, sem prejuízo das demais sanções
cominadas. § 1º Tratando-se de serviços públicos, ou havendo violência contra pessoa ou coisa, as penas previstas
neste artigo serão aplicadas em dobro. § 2º O estrangeiro que incidir nas sanções deste artigo, depois de cumprir
a respectiva penalidade, será expulso do País, observados os dispositivos da legislação comum”. Os arts. 723, 724
e 725 foram revogados pela Lei n. 9.842, de 7 de outubro de 1999.
Em 1940, ainda na vigência do Estado Novo, o Código Penal tratou dos crimes contra a organização do tra-
balho que em seu art. 197 punia o fato de constranger alguém mediante violência ou agrave ameaça a trabalhar
ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias.
A Constituição democrática de 1946 limitou-se a reconhecer o direito de greve: “Art. 158. É reconhecido o
direito de greve, cujo exercício a lei regulará”.
O Brasil assinou no México, em 1945, a Declaração de Princípios da América, que ficou conhecida como
Conferência de Chapultepec, pela qual era reconhecido o direito de greve(519). O Marechal Eurico Gaspar Dutra,
que saiu do Estado Novo Varguista para a República democrática de 1946, enquanto era votada a Constituição,
como lhe fosse permitido usar a medida de exceção da ditadura, proibiu o direito de greve, assinando o Decreto-lei
n. 9.070, de 15 de março de 1946. Para começar, os dissídios coletivos, portanto, também aqueles que fossem
instaurados em razão de movimento paredista, teriam de ser submetidos à Justiça do Trabalho, vale dizer, serem
por ela resolvidos. E mais, para a suspensão coletiva, antes de mais nada, seria preciso dar ciência ao Ministério
do Trabalho, indicando os motivos e as reivindicações. Isto feito, a autoridade promoveria dentro de 48 horas, a
conciliação, “ouvindo os interessados e formulando as propostas que julgasse cabíveis”. Havendo acordo, seria
homologado pela Justiça do Trabalho. Do contrário, passados dez dias, no caso de atividades fundamentais, o
processo seria remetido nas 24 horas seguintes ao Tribunal do Trabalho que teria prazo de 20 dias para decidir.
Tratando-se de atividades acessórias, depois de ajuizado o dissídio, seria permitida a cessação do trabalho ou o
locaute. “A cessação do trabalho, em desatenção aos processos e prazos conciliatórios ou decisórios previstos na
lei, por parte de empregados em atividades acessórias, e, em qualquer caso, a cessação do trabalho por parte de
empregados em atividades fundamentais” seria considerada falta grave, autorizando a rescisão do contrato de
trabalho” (art. 10). Os empregados estáveis poderiam ser demitidos por autorização do tribunal, mediante repre-
sentação do Ministério Público, que poderia se incumbir, também, do processo conciliatório. Com os resquícios da
ditadura fascista e da lei sindical de 1939, o Decreto-lei n. 9.070 também entrou na esfera penal, incluindo como
crimes contra a organização do trabalho: “I — deixar o presidente do sindicato ou o empregador, em se tratando
de atividade fundamental, de promover solução de dissídio coletivo; II — deixar o empregador de cumprir dentro
de 48 horas decisão ou obstar maliciosamente a sua execução; III — não garantir a execução, dentro dos prazos
legais, o vencido que possuir bens; IV — aliciar participantes para greve ou lock-out, sendo estranho ao grupo em
dissídio. Pena — detenção de 1 a 6 meses e multa de 1 a 5 mil cruzeiros. Ao reincidente aplicar-se-á a penalidade
em dobro; ao estrangeiro, além desta, a de expulsão”. O presidente do sindicato seria destituído de plano e com
ele os demais responsáveis pela direção, sujeita, ainda, a entidade, a intervenção do Poder Público, que cuidaria
de convocar nova eleição. Excessivamente draconiano, estabelecia mais que nos processos referentes aos crimes
contra a organização do trabalho: “I — caberia prisão preventiva; II — não haveria fiança, nem suspensão da exe-
cução da pena; III — os recursos não teriam efeito suspensivo” (art. 14).
Na ditadura Vargas a greve era delito, mas mesmo depois, na vigência do Decreto-lei n. 9.070 não foram
poucos acadêmicos que negaram o direito. Cesarino Júnior em livro de 1956 escrevia: “Se o Tribunal Trabalhista
AConferênciaRecomendaConsiderardeinteressepúblicointernacionalaexpediçãoemtodasasRepúblicasamericanas
deumalegislaçãosocialqueprotejaapopulaçãotrabalhadora econsignegarantiasedireitosemescalanãoinferior àassinalada
nasConvenções eRecomendações daOrganização Internacionaldo Trabalhoquando menossobre osseguintespontos g
Reconhecimentododireitodeassociaçãodostrabalhadoresdocontratocoletivoedodireitodegreve
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