Negociação Coletiva

AutorJosé Carlos Arouca
Páginas240-279
PARTEXIIINEGOCIAÇÃOCOLETIVA
1. Defesa de interesses coletivos. Interesses coletivos no inciso III do art. 8º da Constituição figuram sem
a conotação de direitos, mas de aspirações, reivindicações definidas coletivamente pela assembleia geral e levados
à mesa de negociações pelo sindicato de classe, amparadas pelo exercício da greve, chegando amistosamente ao
acordo e à convenção coletiva ou indiretamente com a mediação e a arbitragem, inclusive judicial, como já exposto
na abordagem anterior. Não se confundem direitos e interesses coletivos. Estes são defendidos pelo sindicato profis-
sional a quem a Constituição conferiu poder exclusivo, monopólio como se lê no inciso VI do artigo 8º do Diploma:
é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.
Quando o sindicato atua na defesa de interesses coletivos da categoria age como titular da ação por delegação
da assembleia geral, ou seja, da coletividade representada. Logo, não há atividade concorrente com o Ministério
Público do Trabalho que não possui legitimidade de representação e a quem os trabalhadores envolvidos não
outorgam pode para tanto.
2. Conflito coletivo. O sindicato não defende somente direitos, mas também interesses e no campo das
relações de trabalho interesses entendidos como novas ou melhores condições, especialmente salariais, em razão
da inflação ou desvalorização do poder de compra do salário reduzido com a continuada elevação dos preços. Os
sindicatos de vanguarda, historicamente, sempre se empenharam na luta contra a carestia e o custo de vida. São
interesses coletivos de toda a coletividade representada ou de uma parcela bem determinada que pode se resumir
aos empregados de uma ou mais empresas, de profissões, setores de trabalho, mas sempre coletivos. Interesses
simplesmente individuais, como promoção, transferência, licença, em princípio, ficam fora do âmbito do conflito,
mas até podem se transmudar de litígio para conflito, como no caso de uma dispensa imotivada ou demissão de
um delegado ou dirigente sindical.
A assembleia geral é a instância superior e soberana do sindicato e suas decisões obrigam todos os filiados
que se submetem à disciplinação estatutária. Tratando-se, porém, de interesses coletivos, no sistema de unicidade
e segundo a legislação brasileira, as deliberações obrigam todos os representados independentemente de filiação
sindical. E aí a liberdade sindical individual, mas negativa, como direito de não se filiar nem se manter filiado a
sindicato não faz diferença. Exemplo marcante a extensão dos efeitos das cláusulas convencionadas, inclusive
quando negativas. A assembleia define os interesses coletivos que o sindicato deverá defender em favor de sua
representação. Quando os interesses são de uma parcela da representação, a assembleia é específica para aquele
segmento, bastante comum entre nós diante da atomização dos grupos por categorias. Um exemplo: Sindicato
dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação, onde se agrupam pelo menos trinta e uma categorias segundo
o antigo e superado quadro de atividades e profissões inventado pelos tecnocratas do Ministério do Trabalho.
Montadoras de veículos não constituem categoria, mas são regidas, como regra, por acordos coletivos, de modo
que a assembleia específica dos empregados definirá seus interesses próprios.
Cabe ao sindicato a defesa desses interesses, a teor do estabelecido no inciso III do art. 8º da Constituição
Federal. A defesa inicia-se com a negociação coletiva.
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Com a continuada flexibilização de direitos e negociações negativas cada vez mais interesses de empresas são
submetidos aos sindicatos. Assim, a negociação coletiva é nada mais do que o processo de defesa dos interesses
de grupos ou de apenas uma parcela e até de setores econômicos ou de empresas mediante concessões recípro-
cas com vistas a uma solução amistosa e direta. Enfim, como já se disse, um procedimento de avanços e recuos,
de propostas e contrapropostas até o atingimento de um ponto comum que se materializa conforme o caso na
convenção ou no acordo coletivos.
3. Negociação coletiva. Legitimação. A negociação coletiva constitui prerrogativa das organizações sindicais
dos trabalhadores, da qual não podem abdicar nem transferir. A Constituição deu aos sindicatos profissionais o
monopólio da negociação:
Art. 8º VI — é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.
Fora de dúvida, trata-se de redação equivocada como ficou assentado com sua interpretação conjunta com
o inciso XXVI do art. 7º que admite além da convenção, também o acordo coletivo:
reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
Como se viu distinguem-se as duas espécies apenas pelos componentes do lado econômico, podendo a ne-
gociação ser entabulada com uma ou mais empresas, quando o conflito ficar restrito a elas.
Se o sindicato é a forma de organização natural dos trabalhadores, à sua falta, são representados nas ne-
gociações coletivas pelas federações e, no caso de inexistirem, pelas confederações; valendo rever o texto legal:
Art. 611. (...)
§ 2º As federações e, na falta destas, as confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais
poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorga-
nizadas em sindicatos, no âmbito de suas representações.
No Anteprojeto de Lei Sindical do Fórum Nacional do Trabalho, adotou-se contrato coletivo como denomina-
ção única, independentemente da figura dos atores: sindicato patronal ou empresa.
As centrais, a teor da Lei n. 11.648, de 2008, são entidades de representação geral dos trabalhadores, mas
apenas para os fins do art. 10 da Constituição Federal e coordenação da representação dos sindicatos filiados. No
Fórum Nacional do Trabalho, como só elas tinham assento para representar o grupo profissional, conseguiram
num primeiro momento chegar ao topo da organização sindical, como órgãos de direção, podendo assim consti-
tuir suas estruturas inferiores(470). O Anteprojeto de Lei Sindical, ao contrário do que se esperava, deixou de lado a
negociação articulada, sob o comando das centrais, preferida de seu autor principal e, naturalmente, das centrais.
Apesar da clareza do texto constitucional a participação nos lucros e resultados pode ser negociada entre
empresa e comissão sem nenhuma representação sindical, sendo suficiente um representante indicado pelo sin-
dicato, que na maior parte das vezes só tem figuração, pois o instrumento de acordo redigido na empresa será
consensuado pela maioria dos membros da comissão.
O Decreto-lei n. 229, de 1967, completou a disciplinação dada à negociação e convenção coletivas com o
art. 617 para admiti-la a margem da organização sindical. Na hipótese de recusa à proposta patronal, seria acionada,
primeiro a federação e por fim a confederação; mantida a recusa permitia-se que os empregados “negociassem”
diretamente com a empresa. No caso, a assembleia seria aberta a todos os interessados, associados ou não. A
crise financeira comprometia o governo militar que impusera aos trabalhadores a legislação de política salarial
restritiva. Era necessário conter os sindicatos e dar fôlego às empresas, permitindo a redução dos salários e para
este fim fora aprovada a Lei n. 4.923, de 23 de dezembro de 1965: “Art. 2º A empresa que, em face de conjuntura
econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução
da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade
sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo,
Reforma sindical. Relatório Final.BrasíliaMinistériodoTrabalhop
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não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo
que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual,
respeitado o salário mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes
e diretores. § 1º Para o fim de deliberar sobre o acordo, a entidade sindical profissional convocará assembleia geral
dos empregados diretamente interessados, sindicalizados ou não, que decidirão por maioria de votos, obedecidas
as normas estatutárias. § 2º Não havendo acordo, poderá a empresa submeter o caso à Justiça do Trabalho, por
intermédio da Junta de Conciliação e Julgamento ou, em sua falta, do Juiz de Direito, com jurisdição na localidade.
Da decisão de primeira instância caberá recurso ordinário, no prazo de 10 (dez) dias, para o Tribunal Regional do
Trabalho da correspondente Região, sem efeito suspensivo. § 3º A redução de que trata o artigo não é considerada
alteração unilateral do contrato individual de trabalho para os efeitos do disposto no art. 468 da Consolidação das
Leis do Trabalho”. A Justiça do Trabalho não quis assumir o duro encargo. O Decreto-lei n. 229 resolveu o impasse
naturalmente a favor do capital: “Art. 617. Os empregados de uma ou mais empresas que decidirem celebrar
Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas empresas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato
representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 dias para assumir a direção dos entendimentos entre
os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas empresas interessadas com relação ao Sindicato
da respectiva categoria econômica. § 1º Expirado o prazo de 8 dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido
do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federação a que estiver vinculado o
Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos
entendimentos. Esgotado esse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até
final. § 2º Para o fim de deliberar sobre o Acordo, a entidade sindical convocará assembleia geral dos diretamente
interessados, sindicalizados ou não, nos termos do art. 612”. Surpreendentemente o Tribunal Superior do Trabalho
entendeu que o dispositivo foi recepcionado pela Constituição. Assim também pensa Davi Furtado Meirelles, dando
ao art. 617 “interpretação mais correta e abrangente do sistema jurídico pátrio, baseado na Teoria da Recepção”,
porquanto “os sujeitos da negociação coletiva são, na verdade, os trabalhadores, representados pelas suas respec-
tivas organizações sindicais, e os empresários, por si, ou também representados por suas organizações sindicais.
Tal qual o direito de greve, o direito à negociação coletiva é um direito do trabalhador de exercício coletivo”(471).
Não se sabe ao certo se as representações dos trabalhadores e dos empregadores discutiram o tema e che-
garam a um consenso, mas o Anteprojeto de Lei Sindical do governo Lula ampliou a representação interna dos
trabalhadores nas empresas, com um mínimo de 30 empregados, atribuindo-lhes competência negocial num sistema
de unicidade, ou seja, uma única representação por local de trabalho. Não seriam comissões sindicais, podendo
ser compostas por empregados sem filiação, mas integrariam o sistema sindical, sem prejuízo de sua autonomia,
como órgão de colaboração com as entidades sindicais, na redação complexa e contraditória do texto. Repetindo:
“Art. 61. A representação dos trabalhadores nos locais de trabalho integra o sistema sindical e, sem prejuízo de
sua autonomia, atua em colaboração com as entidades sindicais”. E foram legitimadas para a negociação coletiva
no âmbito da empresa: “Art. 88. A negociação coletiva na empresa poderá ser conduzida diretamente pela repre-
sentação dos trabalhadores. § 1º No prazo de até 5 dias antes do início da negociação coletiva, o sindicato deverá
ser notificado sobre o objeto da negociação e poderá avocar sua direção. § 2º Em caso de omissão do sindicato,
presume-se que a representação dos trabalhadores está autorizada a prosseguir na negociação coletiva. § 3º Até a
aprovação da proposta por assembleia de trabalhadores, o sindicato poderá avocar a direção da negociação coletiva.
§ 4º Após a aprovação da proposta, a representação dos trabalhadores comunicará ao sindicato o acordo para a
celebração do contrato coletivo. § 5º Em caso de recusa do sindicato em celebrar o contrato coletivo, aplicar-se-á
o disposto no art. 103 desta Lei”, ou seja: “Art. 103. Havendo recusa devidamente comprovada, à negociação
por parte das entidades representativas será conferida a outra entidade sindical do mesmo ramo de atividade ou
setor econômico a titularidade da negociação coletiva. § 1º A recusa reiterada à negociação caracteriza conduta
antissindical e sujeita as entidades sindicais de trabalhadores ou de empregadores à perda da personalidade sindi-
cal. § 2º, A recusa em celebrar o contrato coletivo não caracteriza recusa à negociação coletiva. De modo que ou
o sindicato assinaria o contrato que não negociou, contemplando condições que recusou aceitar ou sujeitava-se à
repressão imposta por lei”.
Negociação coletiva no local de trabalho. A experiência dos metalúrgicos do ABC.SãoPauloLTrp
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