Enquadramento sindical dos motoristas (antes, durante e depois das Leis ns. 12.619/12 e 13.103/15)

AutorPaulo Ricardo Pozzolo
Ocupação do AutorDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª região, Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR e Professor de Direito
Páginas219-249
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Paulo Ricardo Pozzolo(*)
INTRODUÇÃO
Na sociedade capitalista há clara divisão de duas classes sociais distintas, cuja característica
fundamental é a relação de dominação versus subordinação. De um lado, os detentores do capital e, de
outro, a força de trabalho; portanto, a classe dos empregadores e a classe dos trabalhadores. No âmbito
dessa grande segmentação entre capital e trabalho, existem várias subdivisões formadas a partir
da noção de semelhança das atividades empreendidas. Tratam-se de subclasses espontaneamente
constituídas que, organizadas, assumem relevância como fato social e, por isso, repercutem no
ordenamento jurídico.
Objeto de estudo principalmente da Sociologia, o surgimento dessas subclasses sociais reverbera
no Direito do Trabalho em razão da força jurígena que o Direito lhes atribui. O nascimento desses
grupos e sua autoaf‌i rmação como categorias prof‌i ssionais e econômicas precede a constituição do
sindicato, pois este não é a categoria em si, mas apenas a entidade hábil a representá-la no mundo
jurídico.
A formação da categoria é sempre anterior à do sindicato, tratando-se de conceitos interligados,
mas distintos. Categoria, para o Direito do Trabalho, é um conjunto de trabalhadores ou de
empregadores ligados entre si por um interesse comum. O sindicato, por sua vez, é a personif‌i cação
da categoria ou a conformação jurídica desses movimentos sociais informais e relevantes aos quais o
Direito atribui juridicidade.
Pessoa jurídica de direito privado cuja figura mais próxima é a da associação, o sindicato
adquire personalidade jurídica com o registro no cartório (art. 5º, inc. V, da Portaria n. 501/2019 do MJSP)
e personalidade sindical com o registro no Ministério da Economia, de acordo com o art. 31, inc. XLI, da
Lei n. 13.844/2019, com a redação dada pela Lei n. 13.901/2019.
A organização das categorias e sindicatos é feita, no Direito brasileiro, pelo enquadramento
sindical, conforme exposto a seguir.
1. ENQUADRAMENTO SINDICAL
1.1. Conceito e previsão legal
Af‌i rmando que a união entre as pessoas é natural, Aristóteles assevera que “o homem é um animal
social”. Desse modo, a associação em grupos é inerente ao homem e, dentre as causas pelas quais
surgem coalizões humanas de repercussão social, o trabalho é a de maior relevância. Estudos sobre
(*) Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª região, Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR e
Professor de Direito.
IV
ENQUADRAMENTO SINDICAL DOS MOTORISTAS
(antes, durante e depois das Leis ns. 12.619/12 e 13.103/15)
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as origens do sindicalismo mostram a histórica tendência do homem em formar vínculos e constituir
agrupamentos em decorrência (e em torno) de seu ofício. No dizer da doutrina francesa, “se se procura
o que faz a unidade e a duração de um grupo humano; se se observa o motivo pelo qual os membros de um
determinado grupo são ligados entre si; se se quer saber em virtude de que permanecem unidos, concluir-
se-á que tal se dá, ou pelo parentesco, ou pela localidade, ou ainda pela atividade(1). Dos diversos fatores
que instigam o homem a se agrupar, o exercício de trabalho comum é o de maior veemência; o
labor é a principal motriz das coalizões. É que “a atividade cria laços mais profundos entre os homens
do que os decorrentes da localidade e, em certos casos, do parentesco, porque o exercício de uma atividade, e
especialmente de uma prof‌i ssão, cria características das quais o indivíduo jamais se liberta e que até transmite
a seus descendentes(2).
Na sociedade atual, o sindicato é a clássica entidade de representação dos interesses existentes
na relação capital x trabalho. Nascido como consequência da Revolução Industrial e resultante
do despertar do espírito de resistência e do propósito associativo dos trabalhadores, oprimidos e
sujeitos às mais precárias condições de labor, o sindicato é o principal organismo de sua união, de
sua defesa e de sua oposição aos detentores do poder econômico. Constitui “agrupamento no qual
várias pessoas, exercentes de uma atividade prof‌i ssional, convencionam pôr em comum, de maneira duradoura
e mediante organização interna, suas atividades e uma parte de seus recursos, em vista de assegurar a defesa e
a representação de sua prof‌i ssão e de melhorar suas condições de existência(3).
É verdade que os trabalhadores podem constituir outras associações das mais diversas naturezas,
inclusive de cunho profissional, diante dos inequívocos termos do caput do art. 8º da CF/88. O
reconhecimento da entidade sindical pelo ordenamento jurídico não afasta a possibilidade de criação
de organizações diversas, ainda que também nascidas em decorrência de labor comum e formadas
por pessoas de mesma atividade laborativa (categoria prof‌i ssional) ou de mesma exploração de
capital (categoria econômica). Contudo, de todas as agremiações oriundas de vínculos de capital e de
trabalho, somente aos sindicatos foi estendida a prerrogativa de defender os interesses individuais e
coletivos daqueles que representam, em questões judiciais ou administrativas (arts. 8º, III, da CF/88 e
531, “a”, da CLT). Nisso reside a importância de identif‌i car qual é o sindicato responsável pela defesa
de determinado trabalhador ou de certo empregador.
O organismo sindical não representa uma generalidade, um conjunto heterogêneo, mas um grupo
homogêneo de sujeitos ligados entre si por laços de solidariedade, af‌i nidade e de interesse comum
decorrentes da prof‌i ssão ou do trabalho desenvolvido. A representação do sindicato é reduzida a
certa divisão de todos os participantes da relação capital x trabalho, a uma dada classe delimitada
e pré-def‌i nida. A aferição do grupo homogêneo a que pertencem trabalhador e empregador,
individualmente considerados, repercute na identif‌i cação do sindicato que os representa e defende
seus respectivos interesses.
O enquadramento sindical, previsto nos arts. 511 e 570 a 577 da CLT, pode ser enunciado como
a atividade de aferir a categoria a que certo empregador e determinado trabalhador pertencem,
relacioná-los aos grupos já reconhecidos no ordenamento jurídico e, a partir disso, identif‌i car o
sindicato que os representam. Proceder a tal enquadramento nada mais é que descobrir “quem
representa quem”, de modo a posicionar trabalhador e empregador em determinada parte de toda
a estrutura sindical brasileira.
Não obstante o Brasil perf‌i lhe a liberdade sindical, nos termos def‌i nidos pelo art. 8º da CF/88,
o ordenamento jurídico adota também a unicidade dos sindicatos (teoria do monismo), objeto de
ref‌l exão do próximo tópico.
(1) MAUNIER, René. “Essais Sur ler Groupements Sociaux”, citado por Segadas Viana em Instituições de Direito do Trabalho.
SÜSSEKIND, Arnaldo et. al. 19. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 1070.
(2) VIANA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. SÜSSEKIND, Arnaldo et. al. 19. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000.
p. 1070.
(3) DURAND, Paul. “Traité de Droit du Travail”, citado por Wilson de Souza Campos Batalha e Sílvia Marina Lebate Batalha.
Sindicatos, Sindicalismo. 2. ed. rev. e ampl., São Paulo: LTr, 1994. p. 56.

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