O motorista profissional empregado: análise crítica das Leis ns. 12.619/2012 e 13.103/2015

AutorEdésio Passos/André Franco de Oliveira Passos/Sandro Lunard Nicoladeli/Giovani Soares do Nascimento
Ocupação do AutorAdvogado trabalhista/Conselheiro Estadual da OAB-PR/Advogado trabalhista/Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná
Páginas21-168
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I
O MOTORISTA PROFISSIONAL
EMPREGADO: ANÁLISE CRÍTICA DAS
LEIS NS. 12.619/2012 E 13.103/2015
Edésio Passos (in memoriam)(*)
André Franco de Oliveira Passos(**)
Sandro Lunard Nicoladeli(***)
Giovani Soares do Nascimento(****)
1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é analisar aspectos político-jurídicos inseridos na nova dinâmica
das relações de trabalho instituída pela legislação atinente ao motorista prof‌i ssional, destacando as
leis que normatizaram essa atividade: Leis ns. 12.619, de 2012, e 13.103, de 2015.
Para tanto, os capítulos foram organizados de forma a apresentar o surgimento da atividade
prof‌i ssional expressa no ato de transportar cargas e pessoas, executada, até os dias atuais, numa
lógica sonegadora e precarizante de direitos.
Os elementos normativos do ato de dirigir por trabalhador subordinado serão tratados partindo-
se dos fatos históricos que antecederam ambas as leis, para, posteriormente, serem avaliados os
elementos e institutos jurídicos criados para a tutela do trabalho do motorista prof‌i ssional, destacando-
se o que há de fundamental no espírito dessa regulação legal: controle da jornada, tempo de direção
e descanso do motorista, inclusive nas viagens de longa distância.
A partir da edição da Lei n. 12.619/2012, o Estado brasileiro disciplinou e normatizou o trabalho
do motorista prof‌i ssional, introduzindo importantes modif‌i cações na Consolidação das Leis do
Trabalho, visando regular a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista prof‌i ssional,
dentre outras def‌i nições de políticas públicas, além de alterações no Código de Trânsito Brasileiro.
A Lei n. 13.103/2015, por sua vez, veio alterar profundamente o trabalho do motorista prof‌i ssional,
mas num sentido contrário à diretriz da normação de 2012, pois reduziu direitos e garantias,
ampliando a jornada de trabalho e f‌l exibilizando diversas normas jurídicas (antes) protetivas.
Enf‌i m, o texto normativo busca albergar todos aqueles que executam tarefas na condução
de veículos, seja na qualidade de empregados subordinados, seja na condição de trabalhadores
autônomos.
(*) Advogado trabalhista, foi Deputado Federal na legislatura 91-94; atualmente, exerce o cargo de diretor administrativo
da Itaipu Binacional; é autor de diversos artigos e obras na área de Direito do Trabalho.
(**) Conselheiro Estadual da OAB/PR; Advogado Fundador do Escritório Passos & Lunard, Carvalho, Vieira — Advogados
Associados — Defesa de Trabalhadores; formado pela Faculdade de Direito da UFPR em 1999; Vereador de Curitiba, de
2001 a 2008.
(***) Advogado trabalhista; consultor de entidades sindicais de trabalhadores rodoviários; membro da Comissão de Direito
Sindical da OAB/PR; doutorando em Direito/UFPR; professor de prática trabalhista e Direito Sindical na UFPR; especialista
em normas internacionais pela OIT e em relações de trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha/Espanha.
(****) Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná; foi membro do Programa de Iniciação à Docência na
disciplina de Direito do Trabalho na UFPR; pesquisador de Direito Coletivo do Trabalho junto ao escritório Passos &
Lunard Advogados Associados.
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1.1. Aspectos histórico-jurídicos do transporte no Brasil
No Brasil, dada a sua peculiar forma de desenvolvimento socioeconômico,(1) o surgimento e o
progresso da atividade de transporte de cargas e pessoas foi realizado, inicialmente, pelo trabalho de
escravos; posteriormente, pelo trabalho dos tropeiros.
Straforini, analisando o ciclo do ouro, é categórico em af‌i rmar que o sistema de circulação ter-
restre, mais que um meio de circulação de pessoas ou cargas, foi a base material e normativa que
deu sustentação para uma nova conf‌i guração territorial do País. Logo, o Brasil que conhecemos foi
construído com a participação fundamental do trabalhador no transporte.(2)
No século XX, ou seja, no desenvolvimento mais tardio do capitalismo brasileiro, implementou-
-se (a partir do crescente processo de urbanização) o transporte urbano e interurbano de forma mais
organizada e articulada.
Dessa maneira, o processo de transporte executado, inicialmente, por tração humana (escravo),
paulatinamente é substituído por carroças com tração animal. Assim, há um processo de atenuação
dessa forma de execução da atividade, até a completa extinção da utilização do trabalho escravo
nesse setor.(3)
Como registro histórico, as primeiras experiências de transporte no Brasil eram realizadas por
meio da chamada serpentina, “meio de transporte de famílias abastadas do princípio do século XIX”,(4)
mas que foram precedidas pela forma mais rudimentar, no caso, o transporte em redes, retratado,
sobretudo, na imortalizada gravura de Jean Baptiste Debret:(5)
(1) Colônia de Portugal e recebendo contingentes de escravos para a exploração econômica, notadamente com a transferência
da nobreza portuguesa.
(2) STRAFORINI, Rafael. Alteridade territorial: uma leitura geohistórica do território colonial brasileiro. Disponível em:
m ps://enhpgii.f‌i les.wordpress.com/2009/10/texto_rafael_straforini1.pdf>. Acesso em: 03 ago. 2015.
(3) FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento do urbano. 16. ed. São Paulo:
Global, 2006. p. 622.
(4) TRANSPORTE no Brasil. Museu virtual do transporte urbano. Disponível em: m p://www.museudantu.org.br/QBrasil.
htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.
(5) O transporte. Terra brasileira. Disponível em: m p://www.terrabrasileira.com.br/folclore3/q00-trnsp.html>. Acesso em:
1º jul. 2015.
23
O desenvolvimento das atividades de transporte, notadamente no espaço urbano, ocorre de
forma concentrada na capital do Império, a cidade do Rio de Janeiro, decorrente da vinda da Corte
Imperial, em 1808.(6) Sobre essa questão, escreveu Alexandre de Souza Agra Belmonte:
A opção pelo transporte rodoviário está associada à implantação da indústria automobi-
lística no país e à mudança da capital para a região Centro-Oeste, acompanhadas de um
vasto programa de construção de rodovias e aos baixos preços dos combustíveis derivados
do petróleo, vigentes à época da expansão. Inúmeras linhas férreas foram abandonadas e
antigas existentes, muitas funcionando por meio de concessões, não receberam investimen-
tos para uma signif‌i cativa melhoria. Basta dizer que não se vai mais do Rio de Janeiro a São
Paulo de trem.(7)
Posteriormente, a cidade de São Paulo, em função do seu rápido e incisivo desenvolvimento
econômico, comportou intensiva construção de malha viária, a partir da segunda metade do século
XIX, processo este aprofundado a partir do início do século XX.(8)
Por conseguinte, estruturados os dois grandes centros urbanos brasileiros — Rio de Janeiro e
São Paulo —, necessitava-se de investimento para implementação dos sistemas viários de transporte
coletivo. Surgiram, então, as primeiras linhas de bondes na cidade do Rio de Janeiro (1838), partindo
do Centro para Botafogo, Engenho Velho e São Cristóvão, sucedidas pelas “Gôndolas Fluminenses”.(9)
A partir do início do século XX (décadas de 20 e 30), emerge a atividade do condutor de veículos
especializada, introduzida pela novidade dos serviços de bondes elétricos(10) nas referidas cidades.
Não obstante a articulação urbana do transporte relatada até agora, o adensamento urbano,
derivado do crescimento populacional, resultou na criação das primeiras rotas urbanas e interurbanas,
que utilizaram os primeiros ônibus movidos a combustível.
Do ponto de vista do marco legislativo, somente em 1910 — Decreto n. 8.324 — torna-se
realidade a primeira regulação do setor de transporte, autorizadora do regulamento para o serviço
subvencionado de transporte de passageiros ou mercadorias, executado por meio de automóveis
industriais.
Sucederam-se o Decreto n. 18.323/1928, criador da “Polícia de Estradas” e def‌i nidor das regras de
trânsito rodoviário, e o Decreto n. 19.038/1929, promulgador da convenção internacional (Paris/1926)
relativa à circulação de automóveis.
Somente em 1941, com o Decreto-Lei n. 2.994, é instituído o primeiro Código Nacional de
Trânsito, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n. 3.651.
Essa codif‌i cação foi superada pela Lei n. 5.108/66. Por f‌i m, mais recentemente, o Código de
Trânsito Brasileiro/CTB — Lei n. 9.503/97 — estabeleceu as premissas para o acesso à habilitação para
o exercício da prof‌i ssão de motorista (arts. 145 e 146 do CTB).(11)
(6) TRANSPORTE no Brasil. Museu virtual do transporte urbano. Disponível em: m p://www.museudantu.org.br/QBrasil.
htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.
(7) BELMONTE, Alexandre de Souza Agra. A novel lei dos motoristas prof‌i ssionais (n. 13.103/2015) e as questões jurídicas
decorrentes. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, v. 82, n. 1, p. 19-42, jan./mar. 2016.
(8) REIS, Nestor Goulart. Memória do transporte rodoviário. São Paulo: CPA, 1997.
(9) TRANSPORTE no Brasil. Museu virtual do transporte urbano. Disponível em: m p://www.museudantu.org.br/QBrasil.
htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.
(10) A título de curiosidade, a pesquisa de Lopes Pereira descreve o encanto com o “maquinismo moderno”, representado
pelos bondes dos centros urbanos a partir da experiência da capital paranaense, iniciada em novembro de 1887, retratando a
nova modalidade de transporte público, materializada na circulação dos bondes elétricos. Cf. PEREIRA, Luís Fernando
Lopes. O espetáculo dos maquinismos modernos: Curitiba na virada do século XIX ao XX. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2002.
p. 144-151.
(11) “Art. 145. Para habilitar-se nas categorias D e E ou para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de esco-
lares, de emergência ou de produto perigoso, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos: I — ser maior de vinte e
um anos; II — estar habilitado: a) no mínimo há dois anos na categoria B, ou no mínimo há um ano na categoria C, quando

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