O Fenômeno das Falsas Memórias e sua Inferência no Processo Penal Brasileiro

AutorFelipe Pires Rodrigues
Páginas307-325
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O FENÔMENO DAS FALSAS MEMÓRIAS E SUA
INFERÊNCIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Felipe Pires Rodrigues
Resumo: A presente pesquisa tem como objeto o estudo do
fenômeno das falsas memórias, tema que surge a partir do final do
século XIX e que, nas últimas décadas, tem impactado os processos
judiciais ao revelar graves erros durante a coleta de provas,
principalmente no que tange as provas pautadas em depoimentos.
Aborda-se como o Brasil vem enfrentando tal problemática, a partir
da apresentação de casos concretos e análise das legislações
concernentes ao tema, além de uma breve introdução ao tema em
âmbito internacional. Ressalta-se a grande importância do estudo
tendo em vista abarcar tanto os interesses públicos e privados, eis
que afeta a função punitiva do Estado e prejudica a concretização do
devido processo legal.
Palavras-chave: falsas memórias; erros judiciais; provas
testemunhais; psicologia jurídica; processo criminal.
INTRODUÇÃO
As memórias moldam a nossa própria existência, eis que por
meio delas as informações são armazenadas, para que sejam
utilizadas em situações adequadas. Em nosso cérebro, armazenamos
fatos, dados, nomes, imagens, ou seja, tudo que presenciamos e que,
de alguma forma, consideramos importante, voluntaria ou
involuntariamente (IZQUIERDO, 2018). Não há que se falar em
evolução sem que haja memórias, sem uma interpretação dos dados
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que nos permeiam e que nos possibilitam compreender a
funcionalidade do mundo e o âmago das experiências que
vivenciamos.
Por condições externas ou internas aos indivíduos, nossas
memórias podem ser alvo de um fenômeno que as distorcem, as
chamadas Falsas Memórias. Tal fenômeno impede que a pessoa
consiga recordar de fatos com clareza, podendo ocultar pontos
importantes do acontecimento, ou até mesmo imaginar a presença de
outros que nunca aconteceram. Dentro da esfera do cotidiano, as
falsas memórias podem causar meros desconfortos, como confusões
habituais sobre a localização de determinados objetos, esquecimentos
de presença de indivíduos em datas festivas, entre outros. Porém,
dentro do âmbito processual, o mero estorvo involuntário acabar por
ter consequências gravíssimas para o Direito (STEIN, 2010).
Quando abordamos tal problemática no direito processual, é
preciso ressaltar que este é composto por regramentos codificados, a
fim de que se estabeleça o devido processo legal (AVENA, 2019).
Durante a instrução processual, há a produção de provas. Dentre
estas, existem os testemunhos e depoimentos, ou seja, no
ordenamento jurídico a possibilidade de que relatos humanos
possuam valor probante para atestar a culpabilidade ou inocência de
um indivíduo. Estas provas, em especial, encontram nas falsas
memórias um obstáculo, eis que podem ser distorcidas por
decorrência de uma falha nas lembranças, acarretando injustiças
processuais.
A comunidade científica internacional vem estudado este
fenômeno desde o século XIX, e, nas últimas décadas, o enfoque está
na verificação de sua incidência em julgamentos reais (LOFTUS,
2007). De toda as teorias que foram concebidas sobre o tema, a
Teoria do Traço Difuso (TTD) é vista como a mais moderna, pois,
não vê a memória como algo único, e sim composta por dois
sistemas: memórias essênciais e memória literal (REYNA &
BRAINERD, 1992). Na parte literal, quando a pessoa tenta recordar

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